Amedeo
Modigliani: o arte na potência de viver
Amedeo Modigliani, Nu Reclinado (Céline Howard), 1918, óleo sobre tela, coleção particular, Genebra, Suíça. Esta obra é um dos destaques da mostra Modigliani – Imagens de uma vida, em cartaz no Museu de Arte de São Paulo (MASP)
Para marcar minha
estreia como colunista da Comtemporartes na seção Escritos Comtemporâneos, vou tecer alguns comentários sobre o
artista Amadeo Modigliani, homenageado na mostra Modigliani – Imagens de uma vida, que fica em cartaz até 15 de julho
de 2012, no Museu de Arte de São Paulo (MASP). A exibição - com curadoria brasileira de
Olívio Guedes, diretor da Casa Modigliani, e internacional de Christian
Parisot, presidente do Modigliani Institut Archives Légalés Paris-Roma - reúne 37 obras do pintor e escultor
italiano, entre pinturas, desenhos e esculturas, como
trabalhos de mestres e amigos e até telas feitas por sua última esposa, Jeanne
Hébuterne.
A exposição marca a comemoração
do ano da Itália no Brasil sendo uma
das centenas de atividades que
homenageiam a cultura italiana no país. A arte evidentemente é um dos aspectos
mais marcantes da tradição cultural da península itálica, sobretudo produzida
nos contextos renascentista, maneirista e barroco, contudo a Itália também frutificou
artistas de ressonância no âmbito da Arte Moderna, como Fillippo Marinetti (Futurismo), De
Chirico (Arte Metafísica) – que recentemente também foi tema de uma exibição no MASP -, e
indiscutivelmente Amedeo Modigliani, de estética única e inconfundível, e cuja vida se confunde à densidade de sua própria arte.
In Ars Veritas: a verdade na arte, diz o mote latino. Fazer da própria vida a obra de arte que é de fato o ato prodigioso, e assim fez Amedeo Modigliani. O pintor e escultor italiano traduz a
essência do artista moderno - pois “ser
moderno é viver uma vida de paradoxo e contradição” como afirmou Marshall
Berman em Tudo que é sólido desmancha no
ar (2007, p. 21). A ironia moderna se insinua em muitas das grandes obras de arte e pensamento do século XIX e XX; ao mesmo tempo ela se dissemina por milhões de indivíduos comuns, em suas existências cotidianas. Modigliani encarna com perfeição um personagem
romanesco: belo, dotado de certo idealismo melancólico, de sensualidade, lirismo
e tragédia. Ser
um artista moderno, nas palavras do poeta simbolista Charles Baudelaire “é
criar uma magia sugestiva, que contém ao mesmo tempo o objeto e sujeito, o
mundo exterior ao artista e o próprio artista”(GAY, 2009, p. 50). A arte em Modigliani chega a sua aspiração máxima,
transcende a artificialidade do objeto que é produto dela mesma, está inerente
à própria experiência do artista, na paixão visível que transborda da
carnalidade da cor.
Há pouquíssimos documentos sobre a vida de Amedeo Modigliani, mas exemplo de Vincent van
Gogh, ficou marcado no imaginário acerca da história da arte como o arquétipo de gênio romântico. Foi objeto de inúmeras narrativas anedóticas, em virtude de sua
vida desregrada e boêmia, repleta de mulheres e de paixões arrebatadoras, da
produção intensa, movida pelo consumo de café, vinho, absinto, haxixe e ópio, da pobreza fatídica e da morte prematura. Sobre ele escreveram romances, como Montmartre - Montparnasse, de André Salmon
(escritor e crítico de arte, defensor contumaz do cubismo), obra cujo personagem emblemático
dos bairros boêmios referenciados é Modigliani.
Modigliani, Picasso e André Salmon, da esquerda para a direita. Num domingo de agosto de 1916, um grupo ilustre se reúne defronte para o Café Rotunde, em Montparnasse, e é fotografado por ninguém mais que o poeta e artista multimídia Jean Cocteau.
Sua vida até inspirou a
película Modigliani – paixão pela vida, produção norte-americana dirigida por Mick
Davis em 2004, com Andy Garcia interpretando brilhantemente o pintor italiano. O filme conta com uma ótima fotografia, excelente
reconstituição de época, e transcorre a narrativa com forte carga emotiva, deixando evidenciar sua arte, o amor e a relação de rivalidade de Modigliani com os outros
artistas da época em Paris, a exemplo de Pablo Picasso.
Ars Longa Vita Brevis: “a Arte é longa, a vida é curta”, o dizer latino traduz bem o que foi Amadeo
Modigliani. Amadeo viveu apenas 36 anos, boa parte deles coincidiu com os
tempos abstrusos da Primeira Guerra Mundial. Nasceu em 12 de julho de 1884, em
Livorno, Itália, no ceio de família abastada de judeus sefarditas. Desde a infância sofreu em virtude de diversas
doenças graves - pleurisia, tifo e tuberculose -, o que o impediu de frequentar o ensino
formal. Tinha uma
estreita relação com a mãe, Eugénie Garsin (de família de origem judia francesa), com quem tomou aulas até completar dez anos. Começou
a desenhar e pintar precocemente, antes mesmo de ingressar à escola. Contou com uma formação zelosa. Conta a anedota que aos quatorze anos, Amedeo, delirante, em meio de uma crise de febre tifóide, falava que desejava intensamente poder ver as obras de arte no Palazzo Pitti e na Galleria degli Uffizzi, em
Florença. Eugènie prometeu ao filho que, assim que restabelecido, ela o
levaria à Florença. Amedeo não só teve o desejo realizado, como mais tarde a mãe o permitiu que fosse trabalhar no estúdio de Guglielmo Micheli, um dos pintores mais
conhecidos de Livorno, de quem Amedeo recebeu as primeiras noções de pintura. No
ateliê do mestre veio a conhecer, em 1898, o pintor Giovanni Fattori, expoente dos "Macchiaioli", movimento pictórico italiano influenciado pelo Impressionismo ("macchia" em italiano significa mancha e "ioli", óleo, por isso "pintura de mancha de óleo"). Modigliani, além de ter como referências artísticas de Fattori e Silvestro Lega, em sua fase prima produz naturezas-mortas, paisagens e retratos, e desenvolve uma plasticidade à semelhança das pinturas de aspecto borrado vistas em Claude Monet, Auguste Renoir, Camille Pissarro e Alfred Sisley.
Amedeo Modigliani, Nudo Dolente, 1908, óleo sobre tela. A obra dos primeiros tempos de Modigliani tem influências da pintura dos "macchioli" e impressionista
Em 1906, Modigliani tem agora 22 anos, e lança-se em uma aventura prodigiosa, ir em busca novas de novas visadas na cidade mais cosmopolita da Europa. A Paris de Baudelaire, de Gautier, de Toulouse-Lautrec, Redon, Seurat, Cézanne, celeiro de outros tantos grandes nomes da cena artística e intelectual nos anos anteriores à Primeira
Guerra, ponto de encontro de gente fascinante, das mais variadas origens - Picasso, Rivera, Stein, Cocteau, Soutine, Utrila -, quer
tivessem ascendido ao Olimpo do que podemos chamar de modernismo clássico ou
estivessem mergulhados na obscuridade, desenvolviam um intercâmbio ativo e
desenvolviam seus papéis com élan,
enquanto se preparavam para traçar mais uma vez a arte do jovem século XX. É fabuloso imaginar a Paris onde Modigliani deixou fluir sua fase mais frutífera. Lá encontra a efervescência cultural que vai transformar sua sensibilidade artística: reinventa sua poética, seus traços, reelabora a forma, mergulha no universo cromático, cria sua marca. Em momento algum embarca nos dogmatismos vanguardistas. Torna-se único, inconfundível. Boa parte dos artistas contemporâneos a Modigliani, entendem a modernidade como uma busca de uma inovação que requer o rompimento com a tradição clássica. Modigliani é mais moderno ainda: refuta esta modernidade difusora da fragmentação dos valores. Amedeo apropria-se da tradição clássica, greco-latina, onde reside suas origens e incorpora uma míriade de outros elementos dotados e exotismo, como a arte egípcia e africana, sobretudo as referências plásticas do Congo e Gabão. Amedeo encanta-se com a obra de Cézanne, e compreende que é nele em que reside os elementos estruturantes da arte moderna. Não tarda a tornar-se amigo do escultor romeno Brancusi, e nele também encontra inspiração estética, no "culto pela forma pura e fechada, cujo volume é plasmado e definido pela linha" (ARGAN, 1992, p. 466), nas linhas delgadas, elegantes, que sintetizam inclusive o que se concebia em termos de design moderno. Inicialmente, Modigliani dedica-se à escultura. É possível notar em suas esculturas a forte influência das artes africana e cambojana, com as quais provavelmente travou conato no Musée de l'Homme, como ocorreu com Picasso, Munch e outros. Seu interesse pelas máscaras africanas é evidente no tratamento dos olhos de seus modelos, na simplificação e geometrização das formas. Contudo, devido à sua frágil saúde, não podendo suportar os esforços físicos exigidos pelo trabalho escultórico, não levar a cabo a empreitada.
Amedeo Modigliani, Nu em pé, c. 1911-1912, óleo sobre cartão, sobre painel, The Nagoya City Art Museum, Nagoya
Detalhe de uma das cariátides de mármore do pórtico sul do Erecteion, em vista frontal inferior, c. 421 - 406 a. C, Acrópole, Atenas
Amedeo Modigliani, Tête ("Cabeça"), c. 1910-1912, Coleção particular. A obra é uma das poucas esculturas produzidas por Modigliani, ao todo são 27 peças. Em um leilão da casa Christie's em Paris,Tête foi arrematada por 43,2 milhões de euros, equivalente a 111 milhões de reais. Em leilões de arte um "Modigliani" chega a cifra de pelo menos 70 milhões de dólares. O artista vendeu pouquíssimas obras em vida. Uma cópia da valiosíssima escultura pode ser vista na exposição em cartaz no MASP
Cabeça da figura de uma mulher, cultura Keros, Cíclade, escultura encontrada numa região da Grécia, a dez quilômetro de Naxos, c. 2700 aC -2300 a.C. Encontra-se no Musée du Louvre, Paris
Máscara "Espírito da Floresta", Mahongwe ou Ngare, República do Congo, c. séculos XIX-XX. Os povos da África Central viviam num mundo hostil de florestas impenetráveis, pelo que os rituais refundadores integravam espíritos da floresta, muitas vezes confundidos com antepassados, para apaziguá-los ou invocar a sua influência protetora
Detalhe de bastão ovimbundu, século XIX, Angola. Os ovimbundus organizam-se em linhagens matriarcais, pelo que os antepassados são sempre representados por figuras femininas
Amedeo Modigliani, Tête Rouge (Cabeça Vermelha ), 1915, coleção Centro Pompidou, Paris
Ao eclodir da I Guerra, tudo mudou. O racionalismo e a beleza da Belle Époque são eclipsados, inclusive o brilhantismo que irradiava dos focos
produtores das artes, como Paris. Fuga, emigração, alistamento, e não tardou
muito para as notícias de mortes e danos, tudo isso destruiu as afiliações
culturais da “cidade luz”. Após
1° de agosto de 1914, entre o círculo de artistas de Paris, os que foram
poupados do serviço militar experimentaram primeiro o sentimento de desamparo,
mas em seguida tentaram, lentamente, tirar o melhor partido da situação.
Modigliani que, à eclosão do conflito bélico, parece ter sido um voluntário
entusiástico para a frente de batalha, não tardou a ser rejeitado por razões de
saúde e esteve entre aqueles que viveram os anos da guerra em Paris. Depois da
sua fase de escultor, dedica-se inteiramente à sua criação junto dos pincéis, paletas, tintas e cavaletes, por volta de 1914, e
a sua arte vai se construindo cada vez mais de maneira independente das
correntes artísticas em voga em sua época. A concretização de sua poética
pessoal foi distanciando sua produção mais e mais das outras tendências.
Modigliani foi forjando de forma consistente e consciente o seu próprio estilo
e trajetória artística, que lhe valeu a fama de grande artista solitário. À parte, a série de nus de 1917 e algumas paisagens, dedica-se inteiramente ao retrato. Seus retratos para além do caráter do modelo, transmitem com perfeição o "sentido da vida". Mais que retratos, são composições poéticas de extrema elegância, delicados, e podem ser divididos em dois grupos: retratos de amigos e
conhecidos, muitas vezes identificáveis pela inscrição dos nomes, e retratos de
modelos anônimos, estilizados em diversos tipos. Os primeiros “Modiglianis” inconfundíveis
são retratos de Jacques Lipchitz e da esposa Berthe, de Max Jacob, de Jean Cocteau e do pintor lituano Chain Soutine, nomes sempre relacionados às vanguardas parisienses e a Modigliani.
Amedeo Modigliani, Retrato de Chaim Soutine, 1915, óleo sobre tela, Staatsgalerie, StuttgartAmedeo Modigliani, Retrtao de Jean Cocteau, 1916, óleo sobre tela, Princeton, NJ, The Art Museum Princeton University, cedido pela Henry and Rose Peralman FoundationAmedeo Modigliani, Retrato do casal Jacques e Berthe Lipchitz, 1916, óleo sobre tela, The Art Institute of Chicago, Helen Birch Barllett Memorial Collection, Chicago
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Amedeo Modiglini, O Grande Nu, 1917, óleo sobre tela, Museum of Modern Art, Nova Iorque. Por vários anos, Modigliani realiza estudos de nus que, tão somente ao fim de 1916, será plasmado numa tela que veio a suscitar escândalo durante sua primeira exibição organizada na galeria de arte de Berthe Weil, em Paris em 1917. "O nu em vermelho", em que a modelo posa voluptuosamente, languida e insinuante, chega a ser confiscado pela polícia.
Ticiano Vecellio, Vênus de Urbino, c. 1538, Galleria degli Uffizi, Florença. Outra referência da tradição da pintura italiana, Ticiano foi pintor da Escola de Veneza, que desenvolveu sua plasticidade com ênfase colorista, em contraposto à Florença, que primava pela linha. Na obra, há uma jovem figura feminina identificada como a deusa romana do amor em sua câmara nupcial. A permissividade do nu em questão se dá pela licença do tema mitológico, o que não ocorre com o nu de Modigliani, pois na arte moderna os cânones tradicionais da representação são quebrados, como já havia ocorrido na ocasião da exposição da Olympia de Édouard Manet em 1863
Sandro Mariano Botticelli, O Nascimento de Vênus, 1483, Galleria degli Uffizi, Florença
Os olhos, "espelhos da alma", desempenham um papel extraordinariamente importante na obra de pintores simbolistas, como Gustave Moreau e Odilon Redon, quer estejam fechados, mergulhados no sono, abertos ou cegos, eles são sempre um órgão visionário, capaz de se volver tanto para o exterior como para o interior. Este aspecto é significativo no desenvolvimento futuro de Modigliani, considerado por muitos críticos e historiadores da arte o "pintor da alma", e como afirmou Baudelaire em seus textos sobre o ser artista da modernidade "o vidente não nasce pronto, ele se faz e precisa se preparar para a sua vocação" (GAY, 2009, p.64). Na medida em que os olhos de seus modelos, plenos de doçura, assumem também um papel visionário que já haviam representado os simbolistas, apresentam-se ora bem delineados, ora turvos. Reside aí seus resquícios dannuzianos, em que "consiste em metamorfosear a extrema barbárie, inconsciente porém vital, em extrema civilidade europeia, refinada e até decadente" (ARGAN, 1992, p. 466). Por outro lado, a introversão silenciosa e o rosto despersonalizado, em que toda a subjetividade cede lugar a uma expressão que fica para além de todo o individualismo, vão caracterizar nos últimos anos da produção retratística modiglianiana sua ligação intelectual com a pintura do Simbolismo. Ainda sobre o olhar, o crítico de arte Teixeira Coelho define "as janelas da alma" modiglianianas: "com esses olhos opacos e vazios como nas estátuas gregas que sobrevivem ao tempo e chegaram até o presente com quase todas as suas partes intactas menos os olhos que, por serem à época pintados (como outras zonas do corpo), desapareceram, deixando espaços vazios como se fossem representações de pessoas cegas". ( 2008, p. 128). Nesse sentido, Modigliani é o homem visionário que enxerga o interior da alma.Via um longo, imenso e deliberado desregramento de todos os sentidos. Todas as formas de amor sofrimento e loucura, ele buscava a si mesmo.
Odilon Redon, A Mulher Velada, c. 1895-1899, pastel sobre papel, Rijksmuseum Kröller-Müller, Otterlo
Amedeo Modigliani, Renée, a Loura, 1916, óleo sobre tela, Museu de Arte de São Paulo, São Paulo
Em vida Amedeo não vende muitas obras, fez uma exposição individual, porém não foi bem aceito em virtude da repercussão negativa causada por seus nus expostos na vitrine da galeria de Berthe Weil em 1917, onde permaneceram por somente um dia.Vendia por alguns vintens desenhos admiráveis, executados com segurança desconcertante, e por alguns francos retratos e nus que hoje galerias, colecionadores milionários e museus disputam por cifras astronômicas. Viveu uma vida sacrificada, sem o dinheiro suficiente para o sustento. Talvez por isso se entregava por inteiro ao trabalho, ao álcool e às drogas. Viveu intensamente, sua alma era ampla. Sofreu como poucos.Teve inúmeros amores, mas nenhum tão forte quanto sua musa Jeanne Hébuterne. Moça muito jovem, oriunda de uma família católica conservadora, a quem Modigliani conhece em uma aula de desenho.Com ela desposa e tem uma filha. A família de Jeanne não aceitava sua relação com o pintor por causa de sua origem judaica e também por sua condição financeira e hábitos boêmios. A reprovação do relacionamento culminou em o pai da moça colocá-la filha em internato longínquo a fim de impedir o pintor de vê-la. A partir desse epsodio, Modigliani, alcoolizado e com o ego ferido, inscreve-se no Salão anual de arte, evento que reunia artistas sem expressividade, porém buscava vencer o certame para ganhar o prêmio em dinheiro, para assim conseguir trazer Jeanne e pequena filha de volta. Sua inscrição no salão inspira seu rival, Picasso, a participar também. Como numa narrativa mítica, sai do salão de arte vitorioso, apoteótico. Porém, como todo herói romântico, tem um fim trágico.
A essência de nossa modernidade é que a fragilidade, a fugacidade das vivências, a tragédia no esvaziamento dos sentidos, como afirmou Marx em seu Manifesto de 1848 “tudo que é sagrado é profanado” (BERMAN, 2007, p. 31 ). Em 21 janeiro de 1920, passando por uma triste penúria, sendo consumido por febre, abatido pela tísica, é levado pelo pintor Ortiz Zárate ao Hospital de la Charité. Jeanne, grávida de oito meses e atordoada, é levada a casa dos pais. Foi a última vez que viu Modi com vida. Modigliani morre no dia 24 de janeiro de 1920. Coube ao amigo Ortiz levar a má notícia à Jeanne, que, num ato desesperado, põe fim à própria vida, atirando-se de costas do quinto andar da casa de seus pais. Seu corpo foi sepultado às escondidas no Cemitério de Bagneux e o do artista no Cemitério de Pére-Lachaise, em Paris. O irmão mais velho de Amedeo, somente nove anos depois, conseguiu convencer a família Hébuterne a trasladar os restos mortais de Jeanne e seu filho não nato para o Pére-Laichaise. Envoltos pela lenda e imaginação, Amedeo e Jeanne, personagens dignos de sua modernidade entorpecida, descansam juntos.
Retrato fotográfico de Jeanne Hébuterne, aos 17 anos quando conhece Modigliani. Galerie André Roussard, Montmartre
Amedeo Modigliani, Retrato de Jeanne Hébuterne, 1918, óleo sobre tela, coleção particular
Ao deter-me às pesquisas para a produção deste artigo, fiquei absorta pelos livros e imaginativa: como teria sido se eu tivesse vivido na Paris dos 1900? Certamente uma viagem mágica, semelhante à história de Meia Noite em Paris, de Woody Allen. Venderia minha alma ao diabo, num ato baudelairiano e visionário, para ter vivido heróicamente em uma época que a arte era feita com a integridade do ser e os amores vividos intensamente, até o esgotamento, a exemplo da linda e trágica história de Amedeo e sua eterna amada, Jeanne Hébuterne. Daria tudo para que eu pudesse ter sido a modelo da tela Mulher em vestido azul sentada.
Amedeo Modigliani, Mulher em vestido azul sentada, 1918, Museu de Arte Moderna de Estocolmo, Suécia
E fica recado aos queridos leitores da Contemporates: parafraseando o poeta maranhense Ferreira Gullar, a Arte é necessária pois a vida é pouca.
Ars Longa Vita
Brevis.
In Ars Veritas.
Para conhecer algumas obras de Amadeo Modigliani:
Modigliani em acervos de São Paulo
O Museu de Arte de São Paulo (MASP) possui seis obras de Amedeo Modigliani em seu acervo. O destaque vai para um retrato, em óleo sobre papelão, de Diego Rivera, pintado por Modigliani no próprio atelier do pintor mexicano em Montparnasse, em 1916. De tom "japonisante", traz elementos étnicos nos traços do retratado e formas caligráficas no pintar, lembrando muito o "action painting" de Jackson Pollac. Integram também a coleção o retrato de Leopold Zborowski, poeta e negociante de arte polaco e melhor amigo de Modigliani em Paris, um óleo sobre tela datado entre 1916 e 1919, e o retrato da esposa do marchand, Madame Hanka Zborowski, um óleo sobre tela de 1918. Os dois personagens são de suma importância na trajetória do artista italiano, tendo-o sempre apoiado abnegadamente. Em determinada ocasião, quando Midigliani abandona o apartamento que partilhava com a escritora inglesa Beatrice Hastings, na Rue Norvain em Montmartre, o casal Zborowski o acolheu em sua casa e ainda disponibilizaram uma sala para ele utilizar como estúdio. Outra obra que vale a visita ao museu paulistano é o retrato de "Renné, a loura", óleo sobre tela, de 1917, onde o olhar da figura feminina é vivaz, todavia não não confrontando com o ar reservado da modelo. Os olhos brilhantes, de um azul expressivo, absorvem a atenção do espectador. Também estão no acervo o retrato de Madame G. van Muyden, óleo sobre tela de cerca de 1916, e o retrato da imigrante do leste europeu, Chakoska, obra de 1917.
http://masp.art.br/masp2010/acervo_busca_autor.php
O Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC-USP) tem como uma das obras mais preciosas de sua coleção um autorretrato do pintor de Livorno. A relevância da tela não se dá unicamente pelo valor econômico da tela, mas pela qualidade de execução e também por ser o único autorretrato pintado pelo artista. A obra foi incorporada ao acervo do museu universitário por doação do industrial italiano Ciccilo Matarazzo e de sua esposa Yolanda Penteado em 1963.
Referências Bibliográficas:
ARANHA, Carmen; et alli. Museu de Boloso - Museu de Arte Contemporânea de São Paulo. São Paulo: Lemos Editorial, 200.
ARGAN, Giulio Carlo. Arte
Moderna. Trad. Denise Bottman. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
__________. A Arte Moderna na
Europa: de Hogarth a Picasso. Trad., notas, pósfácio Lorenzo Mammì. São
Paulo: Companhia das Letras, 2010.
BERMAN, Marshall. Tudo que é
sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade. Carlos Felipe Moisés, Ana Maria Ioriotti. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
CHILVERS, Ian (Org.). Dicionário Oxford de Arte. Trad. Marcelo Brandão Cipolla. São Paulo: Martisn Fontes, 2007.
COELHO, Teixeira; MOLINO, Denis. Olhar e ser visto - To look and to be seen. São Paulo: Comunique, 2008.
DUPRAT, Carolina. Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand. Coleção Folha Grandes Museus do Mundo. Rio de Janeiro: Mediafashion, 2009, v. 8.
GAY, Peter. Modernismo: fascínio
da heresia – De Baudelaire a Beckett e mais um pouco. Trad. Denise Bottman. São
Paulo: Companhia das Letras, 2009.
KRYSTOF, Doris. Modigliani. Trad.
Teresa Curvelo. Colônia, Alemanha: Taschen, 2007.
POLETTI, Federico. El Siglo XX - Vanguardias. Coleção Los Siglos del Arte. Barcelona: Electa, 2006.
Na internet:
http://www.poeticasvisuais.com/wp-content/uploads/2011/08/a-poetica-de-amedeo-modigliani-o-anjo-de-olhar-grave.pdf,
31 de maio de 2012, 15:47
Mariana Zenaro é graduada e licenciada em História pelo Centro Universitário Fundação Santo André e bacharel em Comunicação Social, com ênfase em Jornalismo, pela Universidade Metodista de São Paulo. Tem Pós-Graduação, MBA em Bens Culturais: Cultura, Economia e Gestão, pela Fundação Getúlio Vargas. Frequentou os cursos livres de História da Arte na Escola do Museu de Arte de São Paulo (MASP) por dois anos e meio. Trabalhou em Museus, Arquivos e Instituições Culturais. Foi voluntária no Centro de Documentação e Biblioteca do Museu de Arte Moderna de São Paulo. Dá cursos e palestras sobre história da arte em fundações, centros culturais e no Centro de Capacitação para professores da rede pública municipal de São Caetano do Sul (CECAPE- SCS). Atualmente trabalha na divisão de pesquisa e produção da Difusão Cultural da Fundação Pró-Memória de São Caetano do Sul.