sexta-feira, 15 de junho de 2012

Jogos e Truques



Olá caros leitores,

Nesta sexta os convido a vivenciar uma simbiose de sensações. Do mergulho num instante de vazio existencial à ousadia irônica dos câmbios do afeto. Em "Ventos e vazios" e "Jogos e Truques" reflete-se a inconstância das possibilidades humanas, seus desencontros, desacertos, desencantos, fascínios e recomeços. Marca-se a essência da continuidade, da intensa vontade de acertar.


Adriano Almeida


Ventos e Vazios


São dias difíceis.
Difíceis de pensar. Difíceis de ser.
É como se não estivesse em mim,
mesmo quando deveria estar.


Escrevo páginas de uma história,
que não é a minha.
É como se a cada instante,
sentisse que me perdi.
Em algum canto, em algum lugar.


Busco no vento respostas...
Que nunca virão...
Sinto-me as certezas escaparem.
Sinto a luz fugir,
restando-lhe apenas uma fresta.


Tudo é tão silencioso,
doloroso como uma clausura.
Nada ao longe...
Nenhum sinal, nenhum passo,
nenhum sorriso.
Todos os que me vinham, se foram.


Nenhum sinal no céu,
nenhuma estrela, nenhuma nuvem 
Ainda que passageira.
Não há ninguém,
não há nada,
nenhum vestígio de vida,
que possa livrar-me
desse silêncio.


Restam-me só os meus próprios pensamentos,
restam-me os meus devaneios, 
as minhas loucuras, 
as minhas neuroses infindáveis.
Restam-me os meus fantasmas.
Na obscuridade vacilante, 
de um frio lugar...

No triste entardecer e amanhecer,
que se sucedem incansáveis,
e me deixam sem explicação,
 ou sentido...
Sem porquê,  e sem resposta.
Só um triste e trêmulo som,
um gotejar, leve e longínquo,
de uma chuva que se anuncia...





Jogos e Truques


Não quero mais esses jogos de azar,
porque essa brincadeira nos machuca...
Provocar a sua raiva,
ousar em minha ironia...
Rejeitar seu lábio,
para ganhar seu toque...
Como um câmbio fútil.
Medíocre de mim...


Tudo que preciso é não pensar,
pra só imaginar você.
Quando por certeza não desejo mais,
eu ainda preciso,
e num  único vôo te alcanço.
Que vício é esse?

Esse jogo de sonhos, me destrói...
Me constrói,
me amedronta,
torna-me menino, 
e num passo, faz-me homem.


Faz-me sentir indelicado,
estúpido, como se não fosse eu...
Excito seu desejo,
ensejo a sua vontade.
Sinto-me mal.
Percebo seu calor, seu cheiro,
faço-me humano.

Você é a face,
a necessidade intrínseca.
A dialética da minha dor, 
da minha raiva,
do meu ódio,
do meu desejo,
dos meus sonhos.


Eu sou tão imperfeito, 
satirizo as minhas próprias neuras. 
Vejo ridículo o meu ciúme,
a minha raiva infantil.
Causa-me sensações estranhas, 
espúrias, delicadas.
Percorro os círculos,
mergulho em minhas contradições.
O reflexo que surge, 
me leva pra você...


E quando desejo fugir,
tudo que encontro, 
é a certeza de que você é 
a minha resposta.
Sou tragicamente contraditório,
sou humanamente eu,
porque não há mesmo coerência.
Os meus devaneios e os meus descompassos,
me mostram a certeza,
no mais claro de mim,
dessa constante efêmera,
de não querer buscar,
e só me restar, você...





Adriano Almeida é pesquisador na área de cultura, imaginário e simbologia do espaço. Mineiro, tem se dedicado a escrever poemas, crônicas e contos. Seus escritos, de caráter introspectivo, retratam, quase sempre, questões da existencialidade humana.


2 comentários:

Ana disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Ana Dietrich disse...

querido, que presente mineiro para minha madrugada fria paulistana. Amei! me lembrou Esperando Godot do Beckett...a musicalidade que dá ao vazio, que se espalha, cresce e vai tomando a existencia... um bj ... e que bom te encontrar nesse espaço virtual tao a nós caro. e que fotos lindas... mil maneiras de afetos...um mais delicado do que o outro.

15 de junho de 2012 às 01:34

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