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PoetiVidade - Vida e Poesia


Esta primeira publicação da coluna PoetiVidade é dedicada a pensar a Poesia como um estado de Vida. Poesia como própria Vida que se desvela perante o olhar e os pensamentos do Poeta. 

Tratando-se de uma coluna sobre poesia, a licença poética, sempre que necessária, se fará presente, e palavras “inventadas” ou com letra maiúscula “onde não devia estar”, etc., farão parte de nossas publicações.

Mas como podemos pensar a Poesia na Vida para além do que está ali, escrito no papel? É possível criar um bom poema se preocupando prioritariamente com sua forma, deixando o conteúdo em segundo plano? Qual relação deve haver entre forma e conteúdo?

As questões acerca da poesia e do poema que foram apresentadas acima são recorrentes entre aqueles que se interessam por este tipo de arte. Isso talvez porque muitas poesias não são fáceis de serem adentradas em sua essência, elas possuem camadas, níveis, e até mesmo ângulos de compreensão diferentes, mas que por vezes são complementares.

Há pessoas que pensam o poema de maneira primordialmente matemática, de modo que a “forma” seja o mais importante na criação poética. Para estas pessoas, o que importa é uma boa escrita, que significa um ótimo domínio da linguagem e um planejamento, ou cálculo do que será passado para o papel. É um pensamento interessante, porque preza pela beleza estética, que sem dúvidas é essencial para qualquer bom trabalho artístico, numa escrita que sempre busca surpreender o leitor, brincando com a forma e a relacionando com o conteúdo o máximo que puder. Este é um pensamento comum entre diversos círculos de literatos, e possivelmente seja, entre eles, o pensar dominante sobre o tema.

Apesar dos méritos da formalização matemática da criação poética, cremos que há um grande problema quando se exalta a forma em detrimento do conteúdo. Além de ser um pensamento elitista, porque segundo esta concepção somente os mais estudados e letrados é que seriam capazes de produzir boas poesias, é praticamente como se dissessem que, se não houver poema escrito, não há poesia no mundo, quando, ao contrário, vemos que nas Artes em geral há um elemento essencial, que entendemos por POESIA. 

Quando assistimos a um belo filme, observamos um quadro, ouvimos boa música, ou mesmo contemplamos a aurora do dia, a lua cheia... ou quando damos um abraço apertado, um beijo apaixonado... sentimentos, sensações e pensamentos nos tomam de forma que nos sentimos Vivos. Independente do que pensamos ou sentimos, em contato com as Artes temos momentos de relação mais próxima com a Vida, que pode ser pensada aqui como Existência, não se restringindo somente ao que nós, seres humanos, classificamos como Vida.

Desta maneira, a Poesia pode ser entendida como algo inerente à própria Existência e à nossa Vida. Ela pode ser pensada como Essência, ou Essências presentes em todos os ramos da complexidade da Existência. A Poesia é o Elo, o que enxergamos de Belo sem saber explicar. Ela está presente em todas as artes, sendo justamente o que nos chama a atenção nas mesmas, e quando em forma de poema, a arte mais democrática e barata de ser criada pois qualquer um com um papel e um lápis pode escrever, igualmente nos torce, arrebata, emociona, surpreende e encanta, da mesma maneira que todas as outras artes, e isto porque elas possuem Poesia, possuem Vida!

Todo poema possui conteúdo, e muitos dos poemas que já foram escritos nasceram primeiramente da reflexão sobre determinados conteúdos, e só depois eles ganharam suas formas no papel. A inspiração poética, que muitos ainda duvidam que realmente exista, se mostra presente na obra e nas falas de muitos artistas. Eles captam a Poesia do Mundo e da Vida e a transforma em obra de Arte.

Portanto, pensar a Poesia (ou o poema) sem Vida é algo que nos parece demasiado artificial. Ao mesmo tempo que conceber a Vida separada da Poesia é como tentar separar um rio de suas margens e contornos. É preciso um equilíbrio, é necessário ver a forma como poética, como contendo a própria poesia que É.

Para finalizar, abaixo estão poemas de dois amigos que já deixaram esta Vida, mas que por aqui permanecem em suas lembranças e Poesias:


Retiro Bucólico 

Fugindo da cidade titânica, trepidante 
Onde a vida aos poucos se consome... 
Encontrei refúgio num sítio verdejante 
Cujo sossego e alívio não tem nome... 

Tudo silêncio, paz, amenidade 
Pássaros revoam entonando seus trinados 
E para lenir, o travor de uma saudade, 
Fico divagando pelos prados 

Enrugando-se numa renda de recamos, 
Os regatos coleiam nas campinas 
Refletindo das ramagens os verdes ramos 
No claro espelho das águas cristalinas... 

"Longe do Mundo, do mal, da guerra" 
Viver assim, que bom será 
Vendo a palmeira, o canavial, a serra, 
E as tranquilas águas do Juquiá 

O pesado silêncio recaindo em tudo 
Quando o véu da noite a terra desce 
E envolvendo arvoredo mudo 
Que se desfaz em mistério, num quê de prece…

Severino da Silveira Lima (1923 - 1999)


Segundos

A vida é um breve relâmpago.
Quando penso que estou cantando
Vira passado o meu canto.

Réginaldo Poeta (1965 - 2014)



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“A oposição é a fôrma das formas.”
Victor Canti


Rafael Cavalcanti Braga mergulhou no universo da poesia no ano de 2003. Desde então, sob o pseudônimo Victor Canti,  tem se dedicado à criação poética em diversas esferas, já tendo participado da publicação de fanzines, blogs literários e vídeo-poesias. Em 2013 publicou seu primeiro livro, de nome Pensar em Pensar, e foi um dos autores em destaque da 3ª Bienal do Livro de São José dos Campos - SP.
O poeta é formado em Filosofia pela UFABC.

Mais sobre seu universo poético no sitE do autor.




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O poder da palavra




A palavra tem mesmo o poder de construir, de criar? Ou é nosso dever, como profissionais da palavra,  falar todas as coisas, esmiuçar sentimentos, temperamentos e coisas às vezes não tão bonitas? às vezes que até deveriam ser esquecidas ou refeitas?
Meus escritores favoritos falam de coisas ocultas, narram cenas complexas, aliadas a sentimentos contrários que se misturam em não pequeno número de coisas. A primeira vez que uma escritora realmente me entusiasmou foi  Lygia Fagundes Telles em Venha ver o pôr-do-sol. O rapaz conduzia a ex-namorada até um cemitério e a deixava lá, presa em um jazigo, num lugar ermo e vazio, numa linda tarde de pôr-do-sol, sob o pretexto do melhor lugar para assistir ao crepúsculo. Uma coisa aterrorizante, mas que fascina pelo improvável, por conduzir a esse lugar de coisas soturnas que todo mundo carrega (ainda que sem admitir) e que o escritor sabe transformar numa história da qual a gente não consegue despregar o olho - uma linha do sentimento humano que nos surpreende, ainda que seja  uma aberração.
Gostei também, ainda adolescente, de descobrir as vilanices dos capitães da areia, aquelas coisas que eles faziam no cais, que não eram próprias de meninos, mas que eram (são) reais, feliz ou infelizmente, não só nos cais, como nas cidades, ambientes em que a criança de rua desenvolve uma malícia, uma persistência e carapaça, que só a rua é capaz de dar e muitas vezes não a adquire tão fielmente, nem o adulto da mesma estirpe.



Não é necessariamente ao sombrio que me refiro, do qual é mestre Stephen King, que muito li e parecia me abduzir pra seu mundo de suspenses, mas ao real, a essa nuance assustadora, mas fascinante, que torna os personagens tão interessantes e que geralmente mistura esse ingrediente que queremos extinguir da existência: a maldade, o ciúme, a inveja, as incertezas : coisas do obscuro.
Como Mario Vargas Llosa em sua Conversas na Catedral, em que os diálogos se misturam, demandando toda nossa atenção, criando um ambiente de tênue loucura e a gente se depara com Santiago, o personagem principal, reconstruindo a própria vida a partir do zero, deixando a família que tanto o venera, sem compreender o porquê de tamanha distância e radicalismo, o tempo todo indagando o por quê de toda aquela revolta, para, ao final, descobrir a sordidez, ou a fragilidade de todo ser humano, ainda quando se trata do próprio pai.
Por isso fico um pouco besta com as pessoas que querem moralizar a literatura. Que querem censurar ou determinar o que deve ou não ser escrito, seja por que motivo for. Porque eu acho que a literatura tem um cárater que transcende o educacional, trata-se de arte, e a arte traz em si esses ingredientes indesejados, mas existentes, cuja alquimia compõe esse extraordinário mundo das histórias, que é também o mundo da humanidade, queiram ou não.
Meu livro preferido dos últimos tempos todos é o Fio da Navalha, de William Somerset Maugham. Sabe, a maioria das pessoas, principalmente as que se dedicam a escrever, gostam de livros difíceis de ler,  livros cuja maneira de conduzir seja inovadora, e costumeiramente demandem grande esforço. Eu prefiro histórias, sou apaixonada por boas histórias. E personagens fascinantes, inesquecíveis, ainda que nem sempre obscuros. Somerset Maugham constrói Larry, alguém que também abre mão da vida já desenhada na alta sociedade, para passar os dias lendo na biblioteca todos os livros que consegue ler. Algo simples, mas incomum e não menos surpreendente. Todos os personagens direcionam-se para a vida que querem ter, de maneira envolvente e sedutora, que traz o leitor pra dentro de um mundo novo, o mundo daquele livro.
É em nome dessa liberdade e também da habilidade de retrato humano, de nuances que gostaríamos mesmo de não encarar, bem como do bem estar, desse "entrar na história" que acho importante Monteiro Lobato e seus personagens, ainda que eles não sejam, hoje, éticos como gostaríamos. Querendo ou não, a literatura ali cumpre seu papel, um pouco como retrato de um tempo, pois envergonhados que somos dele, ainda assim existiu, outro pouco porque nos fascina, pois aqueles personagens são como vivos e podemos participar daquele tempo, estando em outro, e deleitarmo-nos da convivência daquele núcleo diverso e acolhedor, a ponto de nos sentirmos inseridos nele.



Acho que a palavra tem força. Acredito sim que devemos usá-la com prudência, mas ser a favor de seleção de assuntos, de cuidados quase religiosos na hora de compor uma história, seria como renegar tudo de mais extraordinário que já li, ainda que muitas vezes pérfido, ainda que muitas vezes inacreditável, que me fez transitar por tantos mundos, sentimentos e contextos e me tornaram uma viajante convicta, que quer conhecer todos os mundos, inclusive os mais sublimes e opulentos, inclusive os sórdidos e desprezados e tentar, pela compreensão a que a leitura conduz , um vértice com o marginalizado ou com o quase aristocrático.








Larissa Germano é autora de "Cinzas e Cheiros" e escreve nos blogs Palavras Apenas (naoapenaspalavras.blogspot.com) e Nunca Te Vi Sempre Te Amei (cafehparis.blogspot.com), tem perfil no facebook e no twitter e a página Lári Prosa e Trova no facebook. É também compositora intuitiva e tem perfil no Sound Cloud e Youtube. (as imagens utilizadas neste post foram pegas na rede, aleatoriamente)

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Incêndios



Lá pelas tantas de Esperando Zilanda, romance de Tamara Sender (Annablume, 2010), Estela lembra ao amigo José, com quem fala apenas por e-mail, que ainda existem chamas no mundo; que edifícios – como o da repartição em que ela trabalhava – pegam fogo; que há por aí “labaredas, saídas de emergência, mãos dadas, lances de escada, alarmes e alardes, gritos, fumaça, tudo fora dos padrões comerciais”.

Autodeclarada bomba em caixa de fósforos, Estela/estrela é dessas chamas: faísca num firmamento afogado em cinzas.

Numa época em que não se comover com os discursos do papa, o PIB da Suazilândia e as eleições nas Ilhas Maurício pode soar como pirraça ou indolência, ela foge sem cerimônia da voz do William Bonner. Não quer ouvir o Jornal Nacional. Simplesmente não quer. Prefere jornais velhos e cafés frios.

Enquanto os outdoors do senso comum enaltecem a perseverança, o esforço e a superação – atitudes que para a moça só aumentariam nosso desgaste cognitivo –, ela defende a resignação como ato heroico. A desistência como gesto muito mais humilde. Nobre até. Não por acaso o fato de reconhecer a existência de “histórias magníficas de boicote a si mesmo” a leva a admitir que au-to-fla-ge-la-ção, “palavra de respeitosa divisão silábica”, poderia fazer parte de uma lista de vocábulos felizes.

Falando em lista, a de suas dificuldades para lidar com as coisas ditas mais simples vai longe. Contrariando as bulas de felicidade, Estela considera a gravidez uma invasão de privacidade e o contato diário/compulsório com seres humanos algo extremamente nocivo à saúde. Nada a deprime mais do que contribuir para a perpetuação da espécie. A não ser, talvez, uma praça de alimentação cheia de pessoas trocando presentes de Natal.

Ou a tevê ainda acesa no meio da madrugada. Olimpíadas ao vivo. A atleta com a tão sonhada e suada medalha de ouro no peito. A bandeira verde-amarela tremulando o hino nacional. Os locutores gritando Brasil mil vezes seguidas. Os recordes quebrados. As histórias edificantes. As gagueiras intencionais. Os infartos iminentes. E então Estela se pergunta: o que leva uma pessoa a dedicar a vida ao salto com vara?

Poucas vezes conheci protagonista tão deliciosamente desprovida de paciência para céus, luas, estrelas ou quaisquer grandiosidades e lirismos, o que explica, aliás, o desgosto que sente pelo próprio nome. Raras vezes encontrei narradora tão obstinadamente disposta a desarrumar – com tantas entrelinhas de ironia – o “ambiente de acontecimentos retumbantes” em que vivemos.

Logo, não surpreende que – apesar ou por causa dessa infinita disposição para a desordem – ela use o título de seu diário para sublinhar a rotina de esperar a empregada, aquela que vem toda semana para pôr as coisas no lugar, uma das poucas criaturas capazes de alertá-la para sutilezas da vida como o Vidrex: o Veja específico para limpar vidros e afins.

Surpreende menos ainda que cative o leitor – em especial aquele mais atento aos sinais de fumaça que escapam pelas frestas do noticiário, mais arredio ao mundo das exclamações pré-fabricadas – e o conduza sem alarmes ou alardes pelas páginas do nosso absurdo cotidiano. Onde quase sempre parecem faltar saídas de emergência.








Fábio Flora é autor de Segundas estórias: uma leitura sobre Joãozito Guimarães Rosa (Quartet, 2008), escreve no Pasmatório, tem perfil no Twitter e no Facebook.
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A Relíquia de Eça de Queirós: entre o Sagrado e o Profano

Nessa semana o Espaço do Leitor apresenta um ensaio de  Welton Pereira Silva, que analisa o romance A Relíquia, de Eça de Queiroz.




A Relíquia de Eça de Queirós: entre o Sagrado e o Profano

A Relíquia, de Eça de Queirós, é um romance que possui a típica denúncia social realista. Nas páginas dessa obra, o autor português narra as peripécias de Teodorico Raposo, um rapaz que passa a viver com uma tia, a Titi, uma senhora muito beata e, principalmente, rica. Para fazer com que a velha senhora lhe tenha em graças e lhe atribua sua herança, Raposão resolve fazer uma viagem à Terra Santa para representar sua tia nas indulgências necessárias a um bom católico para ganhar os Reinos dos Céus. Como Dona Maria do Patrocínio, a Titi, não tinha condições de efetuar por si só a santa viagem, seu sobrinho, muito solícito, resolve fazer a peregrinação em seu nome.


Nesse ponto é interessante observarmos a onomástica, os nomes, dos personagens principais, afinal, Teodorico Raposo, o Raposão, é esperto e oportunista como uma raposa, enquanto sua tia, Maria do Patrocínio, serve justamente para isso: patrocinar a viagem à Terra Santa.
Para que sua tia custeasse a sua viagem, e deixasse para ele sua herança, Raposão se passa por um devoto convicto. O que na verdade era apenas uma fachada, como podemos observar em várias partes da obra, que é narrada pelo protagonista em primeira pessoa. Observe, por exemplo, o trecho no qual Teodorico, enquanto rezava uma Ave Maria, se recorda da bela “inglesa do senhor barão”:

Era a inglesa do senhor barão. No meu leito de ferro, desperto pelo barulho das seges, eu pensava nela, rezando Ave-Marias. Nunca roçara corpo tão belo, de um perfume tão penetrante; ela era cheia de graça, o Senhor estava com ela, e passava, bendita entre as mulheres, com um rumor de sedas claras... (p. 05)

Durante o ato sagrado da oração dedicada à Virgem Maria, Raposão se vê imerso em uma lembrança pecaminosa que o faz desejar a mulher do próximo. Como se não bastasse, sua falta de atenção à oração faz com que ele passe a dedicar as características que os fieis evocam a respeito da Virgem à inglesa do senhor barão, dedicando a ela os atributos “cheia de graça” e “bendita entre as mulheres”.


Em outra passagem, a libertinagem profana do protagonista se mostra ainda mais saliente, já que a própria imagem do Cristo na cruz evoca em Teodorico mais alguns pensamentos pecaminosos:

À noite, depois do chá, refugiava-me no oratório, como numa fortaleza de santidade, embebia os meus olhos no corpo de ouro de Jesus, pregado na sua linda cruz de pau preto. Mas então o brilho fulvo do metal precioso ia, pouco a pouco, embaciando, tomava uma alva cor de carne, quente e tenra; a magreza de Messias triste, mostrando os ossos, arredondava-se em formas divinamente cheias e belas; por entre a coroa de espinhos, desenrolavam-se lascivos anéis de cabelos crespos e negros; no peito, sobre as duas chagas, levantavam-se, rijos, direitos, dous esplêndidos seios de mulher, com um botãozinho de rosa na ponta; e era ela, a minha Adélia, que assim estava no alto da cruz, nua, soberba, risonha, vitoriosa, profanando o altar, com os braços abertos para mim!
Eu não via nisto uma tentação do demônio; antes me parecia uma graça do Senhor. (p. 26)

Acontece, nessa parte, uma verdadeira metamorfose a partir da qual a própria imagem sagrada se converte no objeto de desejo por parte do protagonista. O ápice profano da visão praticamente alucinatória tida por Teodorico é a conclusão à qual ele chega de que aquela cena, que lhe afastava da contemplação sagrada, era uma graça de Deus e não um ardil do Demônio. Dessa forma, o Sagrado e o Profano parecem se mesclar na mente do protagonista, que não vê pecado em seu desejo, mas vê sua alucinação como uma dádiva divina.


O romance prossegue com outras muitas referências sarcásticas em relação ao catolicismo, chegando ao cume quando o protagonista faz com que seu companheiro de viagem, o arqueólogo Topsius, arrancasse alguns galhos de um arbusto espinhoso e entrelaçasse com eles uma coroa de espinhos, alegando que fora daquela árvore que fizeram a coroa com que foi coroado o Cristo. Estava garantida a relíquia sagrada com a qual ele presentearia sua tia rica.
Certamente fora por essas referências profanas àquilo que era, e ainda é, considerado tão sagrado por alguns, que esse romance acabou por entrar na listagem do Index Librorum Prohibitorum, o índice de livros proibidos mantido pelo Vaticano até a data de hoje. Apesar de que, em 1966, a proibição terminou. Hoje esses livros são apenas não recomendados ao bom seguidor das doutrinas católicas.

Referências bibliográficas
QUEIRÓS, Eça de. A Relíquia. São Paulo: Publifolha, 1997.

Site da Asociación Almude de Valencia. Disponível em: . Acesso em: 06/03/2015




Welton Pereira e Silva é mestrando em Letras: Estudos Linguísticos na Universidade Federal de Viçosa (MG). Cursou Letras: Português e Literatura também na UFV e se licenciou em Português na Universidade de Coimbra, em Portugal. Trabalha com a Análise do Discurso, mas seu lado crítico literário persiste em continuar. 




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Centro Cultural Alpharrabio & UFABC: um corredor cultural para formação, pesquisa e extensão acerca da memória e da história cultural da produção e difusão das linguagens da literatura e das artes na região do ABC paulista



O Centro Cultural Alpharrabio, também livraria e editora independente, foi fundado em fevereiro de 1992, na cidade de Santo André, sendo a iniciativa definida em seu convite de inauguração como “muito mais que uma livraria, um ponto de encontro cultural, um centro irradiador e procriador de idéias”. Em 2015, com uma festa-sarau e uma exposição fantástica feita a partir de achados e guardados encontrados dentro de livros antigos, o Centro Cultural Alpharrabio completou 23 anos como parte da história cultural e artística não apenas da cidade de Santo André, mas de toda a região do ABC paulista, pois tornou-se um polo de debates, criações e produções artísticas e culturais, abrigando artistas, grupos e agentes culturais, educadores, estudantes e membros da comunidade da região metropolitana, desenvolvendo ações de apoio às mais variadas expressões artísticas e manifestações culturais que representam a rica diversidade cultural da região.


Capa do Blog do Centro Cultural Alpharrabio, com a fachada de sua sede na R. Eduardo Monteiro,151 - Santo André - SP

Desde 2002, ao completar dez anos, o Centro Cultural Alpharrabio abriu um site (www.alpharrabio.com.br) através do qual divulga atividades cujo portfólio está amplamente documentado também no livro “12 Anos uma história em curso” (Edições Alpharrabio, 2004). Em 2007, foi criado o blog (http://alpharrabio.com.br/blog/), considerado um caderno virtual de registros do cotidiano e das ações do Centro Cultural Alpharrabio.
O Centro Cultural Alpharrabio é coordenado por Dalila Teles Veras, personalidade literária e reconhecida agente cultural da região do ABC paulista, posto que é poeta, cronista, blogueira, editora, livreira e ativista cultural. Desde 1992 dirige, junto com Luzia Teles Veras, responsável pela produção editorial e curadoria de atividades artísticas e culturais, a Alpharrabio, livraria, editora e centro cultural em Santo André, SP, referência na região voltada para a divulgação da cultura e das artes no Grande ABC. Desde 2007, Dalila Teles Veras também coordena o Fórum Permanente de Debates Culturais do Grande ABC.

O Projeto aprovado para compor o Plano de Cultura da Universidade Federal do ABC (UFABC), “Centro Cultural Alpharrabio &UFABC: um corredor cultural para formação, pesquisa e extensão acerca da memória e da história cultural da produção e difusão das linguagens da literatura e das artes na região do ABC paulista”, é fruto de uma parceria entre o Grupo de Pesquisa e Extensão ABC das Diversidades (UFABC) e o Centro Cultural Alpharrabio, fundado em 1992, que abriga o ABCs Núcleo de Referência e Memória, constituído por um acervo de mais de mil livros, hemeroteca, revistas e documentos diversos de autores residentes na região, bem como estudos diversos sobre o ABC, incluindo teses e dissertações acadêmicas, aberto aos pesquisadores e interessados na história cultural da região do Grande ABC paulista.

Propomos a formalização do corredor cultural, literário e artístico Centro Cultural Alpharrabio & UFABC, para desenvolver e apoiar a circulação entre a Universidade e o Centro Cultural de saberes e conhecimentos referentes à diversidade cultural da região por meio de ações artísticas e de formação culturais, sobretudo, organizando e disponibilizando para as comunidades acadêmica e artístico-culturais o rico acervo do ABCs Núcleo de Referência e Memória, promovendo assim pesquisa e extensão acerca da produção e difusão das linguagens da literatura e das artes na região do ABC paulista.

É sabido que o Centro Cultural Alpharrabio está presente há mais de vinte anos na região do ABC paulista, fomentando a produção e difusão das Artes e suas linguagens em interface com a Literatura; e, desde 1998, colocando à disposição de estudantes, pesquisadores, artistas e agentes culturais um amplo e específico acervo que se constitui num local único de memória e patrimônio artístico-cultural sobre Arte e Cultura; contribuindo com o mapeamento da diversidade cultural da região, bem como com a formação, a pesquisa, a extensão e a inovação quanto às ações artístico-culturais e às políticas culturais e educacionais no ABC paulista.



Exposição Perdidos - Achados - Escritos, cuja abertura foi na festa do aniversário dos 23 anos do Centro Cultural Alpharrabio, em 21 de fevereiro de 2015, que contou com a presença maçiça de escritores e artistas da região do ABC 

A partir de 2010, com a criação do Grupo de Pesquisa e Extensão ABC das Diversidades na UFABC passou a ser ampliada a circulação de inúmeros estudantes, artistas, pesquisadores, educadores e agentes culturais, configurando-se um forte elo entre a Universidade e este tradicional espaço cultural independente da região. Tem sido por meio da presença frequente em várias ações culturais do Centro Cultural Alpharrabio e, sobretudo, junto ao ABCs Núcleo de Referência e Memória que estas comunidades acadêmica e externa têm ampliado sua formação, com desenvolvimento de pesquisa e extensão acerca da produção e difusão das linguagens da Literatura e das Artes na região do ABC paulista. Portanto, propomos a formalização do corredor cultural, literário e artístico Centro Cultural Alpharrabio & UFABC, com os objetivos de:
a) organizar, digitalizar, catalogar e disponibilizar o acervo de história cultural ABCs Núcleo de Referência e Memória;
b) desenvolver ações culturais e oficinas que interliguem o acervo com a formação, a pesquisa, a extensão e a inovação quanto às ações artístico-culturais e às políticas culturais e educacionais da região do ABC;
c) contribuir com o fomento, sob a forma de um corredor cultural, histórico-literário-artístico entre o Centro Cultural Alpharrabio e a UFABC, à circulação da produção e difusão das artes e suas linguagens em interface com a literatura existentes graças à colaboração entre a comunidade acadêmica e aos artistas e agentes culturais deste espaço cultural independente.

Complementamos a justificativa para este projeto, que agora também compõe o Plano de Cultura da UFABC a ser apresentado ao Ministério da Cultura (MinC), com o riquíssimo depoimento da coordenadora do Centro Cultural Alpharrabio, Dalila Teles Veras, personalidade literária e reconhecida agente cultural da região do ABC paulista, por ser poeta, cronista, blogueira, editora, livreira e ativista cultural: “O Núcleo ABCs é parte integrante de um projeto maior, o Alpharrabio (Livraria, Editora e Centro Cultural), fundada em 1992, em Santo André, SP, que, por sua ação ininterrupta de fomento à cultura é referência cultural. Muito mais que uma simples livraria de livros usados, como reza seu contrato social, foi idealizado como polo fomentador da produção cultural e do debate de ideias. Um lugar de estar, onde as pessoas se reconhecem como seres culturais, um lugar com significados e pertencimento.

Iniciado com o acervo pessoal da proprietária, escritora e ativista cultural residente em Santo André desde 1972, o ABCs é inovador por ser a única biblioteca particular do gênero aberta a pesquisadores na região do ABC dedicada a preservar e divulgar a memória da história e cultura local. Além dos livros, guarda inúmeros depoimentos em áudio e vídeo de personalidades da cultura, muitos dos quais já impressos, além de um acervo de milhares de imagens das dezenas de centenas de atividades realizados no espaço físico Alpharrabio.”

Também trazemos para justificar a importância para formação, pesquisa e extensão acerca da memória e da história cultural da produção e difusão das linguagens da literatura e das artes na região do ABC paulista da criação do corredor cultural, histórico-literário-artístico Centro Cultural Alpharrabio & UFABC as contribuições de Dalila Teles Veras para uma história das editoras independentes no Brasil quando trata da Edições Alpharrabio:

“Editar livros não foi propriamente uma escolha, mas o resultado de determinadas circunstâncias. Em decorrência do encontro permanente de pessoas interessadas em literatura, a efervescência artístico-cultural instalada, fez-se urgente a criação de uma editora que desse conta de registrar e divulgar a notável produção literária e do pensamento ao redor. Graças ao decisivo entusiasmo e capacidade criativa de Luzia Maninha Teles Veras, criamos a chancela Alpharrabio Edições.
Desde então, seguimos com a tarefa sem fim, sem jamais descuidar do rigor em nossa linha editorial que, diga-se, já projetou além fronteiras muitos de nossos autores. Pela estreita relação que estabelecemos com estes, nosso catálogo foi-se compondo majoritariamente por escritores residentes na região do ABC, onde estamos fisicamente estabelecidos. Longe de qualquer caráter regionalista ou coisa que o valha, aquilo que seria apenas um dado facilitador do trabalho, acabou por compor uma certa cartografia literária de uma região fortemente industrializada, mais conhecida pelo mundo do trabalho.
Ao lado de edições comerciais, também nos dedicamos a edições alternativas, artísticas e artesanais, com tiragens que vão de 38 a, no máximo, 300 exemplares. (…) Na contramão de uma sociedade em permanente revolução tecnológica, que supervaloriza hipérboles, assumimos cada vez mais essa condição, movidos a paixão e comprometimento. Num tempo de urgências, optamos pela "slow edition", que vai do computador caseiro a uma gráfica, passando eventualmente pela tipografia do mestre Raul e sempre pelo "Casulo 3x4" de Maninha, na certeza de que esta silenciosa revolução representa não só um gesto de resistência, como também um projeto político e cidadão.
Por fim, devo confessar que, ao menos uma vez por ano, baixa um certo desânimo e a ideia de encerrar as atividades é muito forte. Mas logo volto atrás, convencida, afinal, pelos mais próximos, de que esta história foi construída por muitos e fechar um bem comum não nos é mais permitido.”


Registros de atividades culturais como o lançamento do livro "Bandido", do poeta Helio Neri, um dos frequentadores históricos do Centro Cultural Alpharrabio, assim como Júlio Mendonça, importante agente cultural da região do ABC e um dos atuais curadores da Casa das Rosas, pessoas que estão sempre promovendo debates e ações artísticas no corredor cultural

Portanto, o projeto para um corredor cultural entre o Centro Cultural Alpharrabio e a UFABC como parte do seu Plano de Cultura justifica-se pela inequívoca ligação cada vez maior entre as comunidades acadêmica da UFABC, de artistas, de escritores e de grupos da diversidade cultural. Estes agentes culturais frequentam simultaneamente a Universidade e o Centro Cultural Alpharrabio, levando e trazendo, tanto aprendendo quanto produzindo novos conhecimentos e saberes literários, artísticos e culturais em processos de ampla produção e circulação cultural. Nesse sentido, o acervo de milhares de documentos e livros ABCs Núcleo de Referência e Memória, que propomos organizar e disponibilizar digitalmente, tem a clara função de subsidiar ações e formação artísticas e culturais, ao mesmo tempo que faz a guarda da nossa memória e da história cultural regional caracterizada por tais processos de criação literária e artístico-cultural que ganham visibilidade e reconhecimento no projeto do corredor cultural Centro Cultural Alpharrabio & UFABC.

Para o desenvolvimento do Projeto “Corredor Histórico-Literário-Artístico Centro Cultural Alpharrabio–UFABC: formação, pesquisa e extensão acerca da memória e da história cultural da produção e difusão das linguagens da Literatura e das Artes na região do ABC paulista” defendemos a construção de uma metodologia transdisciplinar.
Partimos da necessidade de organizar o trabalho em torno de acervos sobre políticas culturais e expressões literário-artístico-culturais, no caso o ABCs Núcleo de Referência e Memória do Centro Cultural Alpharrabio, por perceber a urgência de se criar ligações entre saberes específicos ligados aos fazeres da cultura contemporânea para conseguir compreender e atuar sobre os problemas culturais locais e que também nos habilitam a uma intervenção no mundo que nos rodeia.
O olhar trazido pelas artes – e, sobretudo, o olhar de uma metodologia transdisciplinar no caso deste projeto do corredor cultural Centro Cultural Alpharrabio & UFABC, com foco na constante construção e disponibilização do acervo ABCs Núcleo de Referência e Memória, claramente entrelaçado com ações de formação artística, educacional e cultural – pode trazer outras visões, problemas, dilemas, soluções onde observadores de outras áreas não enxergavam nada ou muito pouco…

Em nossa perspectiva metodológica de trabalho transdisciplinar, o conhecimento e a compreensão da diversidade cultural é uma das temáticas mais destacadas, com ênfase no reconhecimento de conflitos entre culturas, e na multiplicidade de tecnologias culturais e artísticas que cada sujeito e/ou grupo social cria e utiliza para viver e lidar cotidianamente. Tudo isso pode ser conhecido e estudado, servindo de subsídios para o desenvolvimento de políticas culturais e criações literárias e artísticas, por meio da disponibilização digital do acervo ABCs Núcleo de Referência e Memória numa ação de corredor cultural entre a universidade e este centro cultural independente.


Conversa e confraternização no Centro Cultural Alpharrabio sobre Intercambio Cultural e Cultura Viva Comunitária no Peru na Semana Cultura Viva Comunitária em dezembro de 2014, com o ativista cultural peruano Eduardo Gustavo Espinoza Carrasco sob a coordenação de Dalila Teles Veras e membros do Movimento Cultura Viva em Santo André.


Nesse sentido, nossa metodologia busca conhecer as condições e as estratégias de formulação e gestão compartilhada da política cultural independente, num centro cultural que se preocupa em criar um acervo de suas práticas, ao longo de sua trajetória com mais de vinte anos na região do ABC paulista, com sistematização e análise de desenvolvimento de práticas, processos, produtos culturais, artísticos e educativos, em conjunto com a avaliação das próprias ações culturais e artísticas como parte de uma política cultural independente desenvolvida desde 1992. E que passa a interagir com a comunidade acadêmica da UFABC desde 2010, quando é criado o Bacharelado em Ciências e Humanidades e se intensificam os debates sobre a criação de um Bacharelado em Arte e Tecnologia, abrangendo propostas outros Bacharelados em Gestão de Arte e Cultura, Museologia e Curadoria e Licenciatura em Artes, em andamento.

A utilização regular do acervo do Centro Cultural Alpharrabio pela comunidade acadêmica não apenas da UFABC, mas de várias outras instituições de ensino superior da região, aponta para uma metodologia de trabalho que transita entre pesquisa quantitativa e qualitativa, com o objetivo de elaborar e disponibilizar um catálogo digital de documentos e livros como instrumento de pesquisa. Poderemos assim mapear aspectos existentes nos documentos, depoimentos e livros do acervo referentes às dinâmicas relacionadas à diversidade cultural local, que representam também o esforço de um centro cultural independente quanto à concepção e à gestão compartilhada da política cultural local e suas relações com sujeitos e grupos que atuam em circunstâncias peculiares do desenvolvimento da arte e da cultura na região.

Alguns estudantes já atuam como voluntários e os futuros bolsistas que serão contemplados para Residência Artística estarão envolvidos no processo de organização e disponibilização do acervo e dessas informações, atividade que visa fomentar o desenvolvimento de suas pesquisas para subsidiar ações de formação cultural e educativa, tais como as oficinas e ciclo de conversas e debates, bem como suas criações culturais que estarão presentes nos produtos culturais em circulação no corredor cultural (cadernos de depoimentos, livros, exposições, sites/blogs). A metodologia transdisciplinar visa propiciar, dessa forma, o entrelaçamento das atividades de ensino, pesquisa e extensão com a produção cultural no âmbito das Artes e Humanidades, por meio da valorização e da hibridização do conhecimento histórico, educativo e de linguagens literárias e artísticas.

Para finalizar, é notória a contribuição deste projeto para o Plano de Cultura da UFABC quanto ao aspecto relacionado à diversidade cultural brasileira, pois a região do ABC paulista é reconhecidamente marcada pelo fluxo incessante de migrantes e imigrantes, que construíram manifestações e expressões artísticas e culturais em diversas linguagens relacionadas à literatura, às artes em geral e à cultura popular, tradicional e contemporânea. O acervo ABCs, a ser mapeado e disponibilizado no âmbito do Projeto Corredor Histórico-Artístico-Cultural Centro Cultural Alpharrabio-UFABC, é prolífero em documentos, livros e testemunhos da riqueza dessa diversidade cultural, pois abarca desde a produção literária de editoras independentes, como a própria Alpharrabio, que dão visibilidade e reconhecimento para escritores e artistas de várias origens étnicas, estilos e hibridismos culturais, chegando à produção musical, em artes visuais e em arte e cultura popular. Graças a este acervo podemos conhecer muito da história, por exemplo, da congada em São Bernardo do Campo, da folia de reis em São Caetano do Sul, do samba rural paulista, em Mauá, da literatura de cordel e da xilogravura em Diadema, do hiphop dos jovens de toda a região. Estes são alguns dos frutos da diversidade cultural – existentes no acervo e na circulação feita no corredor cultural – representados pelo trabalho de inúmeras pessoas e grupos, provenientes de famílias migrantes ou descendentes da população indígena e afro-brasileira, junto com imigrantes portugueses (é o próprio caso da escritora e agente cultural Dalila Teles Veras, que coordena o Alpharrabio), italianos, árabes, entre outros que constituem a complexidade do hibridismo cultural do ABC paulista.    

Fontes extraídas do Blog da Alpharrabio, com textos de Dalila Teles Veras, poeta e coordenadora do Centro Cultural Alpharrabio e imagens feitas por Luzia Maninha, curadora de inúmeras exposições no Centro Cultural Alpharrabio e responsável por edições gráficas primorosas dos livros da Editora Alpharrabio:
"A América Latina unida pela cultura" 
http://alpharrabio.com.br/blog/2015/01/16/cultura-viva/
"Helio Neri autografa seu mais recente livro, Bandido"
http://alpharrabio.com.br/blog/2015/01/07/helio-neri-autografa-seu-mais-recente-livro-bandido/

Andrea Paula dos Santos Oliveira Kamensky é historiadora, focalizadora de Danças Circulares, estuda Artes Visuais, leciona na Universidade Federal do ABC (UFABC). Coordena o grupo de pesquisa ABC das Diversidades, o Curso “Gênero e Diversidade na Escola” na rede pública de educação (PROEX-UFABC/MEC/ Secr. de Direitos Humanos Pref. SP). É autora de blogs educativos, poesias e contos em livros artesanais, além do livro Ponto de Vida: cidadania de mulheres faveladas (Ed. Loyola, 1996) e co-autora dos livros Vozes da Marcha pela Terra (Ed. Loyola, 1998, finalista do Prêmio Jabuti, cat. Reportagem); Patrimônio Natural dos Campos Gerais do Paraná (Eduepg/Fund. Araucária, 2007); da Col. História em Projetos (4 v., São Paulo: Ed. Ática, 2007, ganhadora do Prêmio Jabuti, cat. Livros Didáticos, em 2008); Simão Mathias Cem Anos: Química e História da Química no início do século XXI (Ed. SBQ/Cesima, 2010); História e Memória (M. Marchiori, org., v. 4, Col. Faces da Cultura e da Comunicação Organizacional, Difusão Ed./Ed. Senac RJ, 2013).
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FICÇÃO CIENTÍFICA E LITERATURA

 

NOTAS DE UM LEITOR: BREVE REVISÃO HISTÓRICA 



“Tendo em vista os céticos, como George, vou logo de saída dizendo que, haja ou não algo de sobrenatural nisso, a verdade é que funciona.”


Arthur C. Clarke / O Fim da Infância (1953)



Podemos começar? (Diz o autor prefigurado) Creio que sim, mas... por onde? Século XVI, o Golem de Rabbi Loew, o Maharal de Praga, Kepler e seu Somnium, de 1634, ou Cyrano de Bergerac e os Selenitas? Distante demais? Certo. As viagens de Gúliver, Jonathan Swift, de 1726? Mais? Século XIX – talvez, Frank de Shelley, o Médico e o Monstro de Stevenson, alguma coisa do Poe? Não? Entendi. Muitas origens poderiam ser apontadas, muitos princípios obscuros, claros, óbvios para um consenso geral ou profundamente contrários ao que diz a maioria. Entre escolhas e dizeres, concatenações, murmúrios e alaridos, que seja feita a vontade do autor. Júlio Verne, por um motivo muito simples, parece-nos ser um bom palpite (de uma forma ou de outra, é sempre
Julio Verne (1828 - 1905)
disso que se trata, um palpite). O escritor francês, falecido em 1905, é o mais traduzido da história e, possivelmente, o mais adaptado. Dentre as obras fílmicas que renovaram o interesse pela literatura verniana está A Ilha Misteriosa (com tradução de Clarice Lispector), de 1951, protagonizada por Richard Crane (do
Commando Cody: Sky Marshal of the Universe), 20.000 Léguas Submarinas, de 1954, onde Kirk Douglas (do Spartacus) está no papel de Ned, e muitas outras adaptações, como a recente Journey, que contou com a participação, no primeiro filme da série, de Brendan Fraser (Richard "Rick" O'Connell d’A Múmia). Poderíamos ainda citar outros escritos de Verne que constituíram verdadeiros mitemas, como Da Terra à Lua (1865), A Volta ao mundo em oitenta dias (1872), As Índias Negras (1887), O Senhor do Mundo (1904) e etc. – SÃO MUITOS.
            Possível AND Provavelmente, muitos amantes da ficção científica atribuem a certidão de nascimento do gênero à Hugo Gernsback. De fato, se Júlio Verne foi o Pai popularizador do gênero, Gernsback foi o padrinho. Em 1908, a primeira edição da Modern Electrics sai nos Estados Unidos, em pouco tempo ela se transformaria no primeiro magazine dedicado exclusivamente à “cientificção” (termo cunhado por Gernsback), mudando o nome para Amazing Stories, em 1926, consagrando o termo “Ficção Científica” e abrindo caminho para grandes nomes como Isaac Asimov, Arthur C. Clarke, Robert A. Heinlein, entre outros. Na linha dos patriarcas, se elegemos Júlio Verne como o Noé "pós-dilúvio intelectual" do século XIX, identificamos Abrahão em Asimov.


Arte conceitual - Isaac Asimov | por Rowena Morrill


            O gênero ganhou novas proporções. Outros escritores como Aldous Huxley, em Admirável Mundo Novo (1932), e C. S. Lewis, autor d’As Crônicas de Nárnia, em Trilogia Cósmica (1938 – 1945), que não se dedicavam exclusivamente a esse tipo de escrita, contribuíram para a valorização do gênero.
            Após a Segunda Guerra Mundial, a ficção científica, não só na literatura, mas também em outras linguagens, tomou proporções muito maiores, best-sellers surgiram e uma nova geração de grandes escritores ganhou o mercado. Bradbury publica Crônicas Marcianas, em 1950, e Fahrenheit 451, em 1953. O Planeta dos Macacos (readaptada para o cinema, em 2011, por Rupert Wyatt) é publicado por Pierre Boulle em 1963. Philip K. Dick começa suas tiragens em 1955, com Loteria Solar / Solar Lottery (alguns tradutores mantiveram o título original), e segue publicando até 1982, fechando sua grande série – bem grande –com A Transmigração de Timothy Archer. Uma tradição foi criada, formas foram inauguradas e toda uma cultura estabelecida ao longo dos anos e das gerações.
            Alguns podem se perguntar: _A linha foi partida? Não há mais escritores de ficção científica? O gênero – enquanto literário - está embalsamado? Muito pelo contrário. Dentre vários autores, podemos nomear a “continuidade imediata” a partir de William Gibson, vencedor do Philip K. Dick Award, em 1984, com o Neuromancer, e que publicou, recentemente, em 2010, Zero History (ainda sem tradução); ou o ganhador do mesmo prémio, em 1999, herdeiro estético de Arthur C. Clarke, o escritor inglês Stephen Baxter; OU o ganhador do John W. Campbell Award for Best New Writer de 2000, o canadense Cory Doctorow (já publicado no Brasil pela Editora Record). Isso só citando os premiados – para que vocês tenham uma ideia da continuidade. A linha não só se manteve, ela também se fortaleceu. 
            Antes de fechar, vocês se lembram do Frank(enstein) da Shelley, apontado no início desse artigo? Não foram só os rapazes que mantiveram e fortaleceram o “gênero”. Há também uma tradição matriarcal de peso. Na retrospectiva, podemos levantar nomes como Gwyneth Jones, escritora britânica premiada pelo romance Life, em 2004, com o Philip K. Dick Award (o mesmo prêmio de Gibson e Baxter); ou ainda, voltando um pouco mais, a história das quatro J (Jael, Joanna, Jeannine e Janet) em The Female Man, de Joanna Russ,  obra indicada como Melhor Romance na Nebula Award em 1975; ou – mais -  A história da Aia / Conto da Aia (o título original é The Handmaid's Tale), de 1985, escrita pela premiadíssima e atualíssima escritora canadense – vencedora do Prémio Arthur C. Clarke de 87 - Margaret Atwood. Arrisco-me a dizer que uma História da Literatura: Grandes Autoras na Ficção Científica está nos planos para nossa coluna. Não sei para quando e muito menos – ainda – como, mas vai sair. Fico em débito.



Projeto em andamento

            No mais, após o atropelo e uma breve correria por entre nomes e datas, resta-nos concluir que a literatura de ficção científica está mais viva do que nunca e, se para/na academia brasileira, para os estudos literários, ela está “obscurecida”, no momento, não é por falta de bons autores. O que também nos leva à seguinte questão: Há / Houve literatura de ficção científica no Brasil?



CONTINUA...




BIZU do próximo "episódio":
Lobato e as previsões

“[...] o radiotransporte tornará inútil o corre-corre atual. Em vez de ir todos os dias o empregado para o escritório e voltar pendurado num bonde que desliza sobre barulhentas rodas de aço, fará ele o seu serviço em casa e o radiará para o escritório. Em suma: trabalhar-se-á a distância. E acho muito lógica esta evolução.”

Monteiro Lobato / O Presidente Negro (1926)





Lucca Tartaglia está onde Deus é servido conceder-lhe que esteja, em companhia dos anseios, desejos, moscas, mosquitos e outros elementos auxiliares do bom estado das casas e dos sonhos. Graduou-se (ou Graduaram-no) na Faculdade de Letras e Artes da Universidade Federal de Viçosa onde - por ocorrência - agora cursa o mestrado. É colunista na ContemporARTES desde que se tem por isso. Desenvolve pesquisas na área de Literatura (Cabala e Estudos Pessoanos).
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