Romantismo: Olhares Visionários - Reflexões acerca do movimento artístico cultural romântico

         
Johan Christian Clausen Dahl, Vista do Castelo de Pillnitz de uma janela, c. 1824, óleo sobre tela, Museum Folkwang, Essen
Quem nunca ouviu dizer que tal pessoa "é romântica"? Ainda mais usual é a expressão: "isso é muito romântico!", relacionada com algo de fantasioso ou imaginativo. Mas, afinal, o que é Romantismo? Uma escola literária, pictórica? Uma tendência de comportamento? Um fenômeno cultural do século XIX? Um estado de espírito? 

Tais indagações e provocações foram feitas motivadas pela fala que pude fazer, a convite do amigo e Professor Dr. Marcos Sidney Pagotto, dia 9 de novembro na faculdade de educação da Universidade de São Paulo, sobre o tema do movimento cultural que muito marcou a cultura artística brasileira. Muitos estudam o romantismo num recorte deslocado de seu sentido mais amplo, engendrado na própria cultura, na filosofia e nas artes visuais dos fins do século XVIII e início do século XIX, com seus desdobramentos em outros movimentos, como o Simbolismo e o Decadentismo, restringindo seu entendimento à literatura, que normal mente é ensinada (e aprendida) de forma desinteressante.


Suscitando um campo amplificado de indagações, o Romantismo emerge como movimento artístico na Alemanha, Inglaterra, França de fins do século XVIII, floresce até meados do século XIX, tendo logo ganhado campo por toda a Europa e as Américas, marcando presença inclusive na pintura e literatura brasileiras, respectivamente com Victor Meirelles e Álvares de Azevedo.

São tão variadas as manifestações do romantismo que é impossível formular-lhe uma definição única; mesmo assim, pode-se dizer que a sua tônica foi uma crença no valor supremo da experiência individual, configurando nesse sentido uma reação contra o racionalismo iluminista existência superior e à ordem do estilo neoclássico.

Por isso autor francês Charles Baudelaire propõe uma excelente fórmula: "há tantos ‘Romantismos’ quanto Românticos".
 
Armand  Rassenfosse, Baudelaire et as muse, óleo sobre tela, 1931-1932, Coleção Particular, Bruxelas

O Romantismo nasceu na literatura, sob a forma de um conceito aplicado à poesia medieval. Nesse sentido, ele falava de lendas. Mais adiante, os alemães (Schlegel, Novalis) começaram a falar em Romantike. Daí, o termo passou para a Inglaterra (Blake, por exemplo) e manteve a denominação, que estava ligada à ideia de um jardim desordenado, em oposição ao jardim ordenado da França. O sentido, portanto, era o de resgatar a natureza. O termo se espalhou pela Europa e chegou ao Brasil.

O Romantismo nasceu entre duas revoluções: a inglesa, industrial, e a francesa, burguesa. O movimento se colocou contra a burguesia e opôs o “espírito” ao capital. Por conta disso, sua reação foi contra o materialismo, o iluminismo, o racionalismo cientificista do século XVIII. Sua ênfase foi colocada na individualidade, espontaneidade, e na busca de transcendência, isto é, em uma ordem fora do mundo, em uma ordem que quebrasse a dicotomia de Bem e Mal.
 

Caspar David Friedrich, O  Viajante diante do mar de névoas, 1818. Hamburgo, Kunsthalle



Baudelaire falava dos paraísos artificiais – o haxixe, por exemplo – em que se devia buscar uma ordem xamanística, visionária. Era preciso ver além de uma sociedade burguês, monótona, que visa somente o lucro, mas que não tem a capacidade de desenvolver o espírito, o sonho. Curiosamente, o Romântico é um burguês, mas é o mais antiburguês dos burgueses. Ele quer o mistério. Na França, Victor Hugo volta-se, então, às catedrais góticas, por seus excessos, por sua transcendência, anti-classicismo.
 
Henry Wallis, A morte de Chatterton , 1856, óleo sobre tela, Birmingham Museum and Art Gallery, Birmingham

Em seus Devaneios do Caminhante Solitário, o filósofo Rousseau fala de um “sentimento da natureza”, do homem consigo mesmo. O Romântico é, por excelência, um solitário. Por tudo isso, a ideia de Romantismo também está associada ao amor trágico. O herói romântico era chamado de Lúcifer (lux= luz; ferum=portador), onde aquele que porta a luz é aquele que traz a nova ordem.

A busca de herois apaixonados – como Napoleão e o “judeu errante” – interessava pelo insólito, pelo oculto. Tudo, no entanto, estava destituído de valor moralizante. Toda arte tem que ter emoção: arte é aquilo que desloca, que toca fundo; arte é paixão. Segue-se que o Romantismo recuperou toda uma “horda bárbara” da pintura, poesia, etc., que havia ficado no ostracismo: artistas proscritos, malditos, como Grunewald, Bosch, Boticelli. Arte, portanto, tem que acionar a imaginação. Arte é labirinto!
 


O Romantismo não buscava uma totalidade da história. Ele preferia os fragmentos e não a sua relação com o todo. O detalhe seria interessante por si mesmo, pela forma como ele se conecta com nosso imaginário. Não há relação causal entre as partes. Por serem contraditórias é que elas causam estranheza.
 

Vladyslav Podwowinski, Frénésie, 1894, óleo sobre tela, Museu Nacional da Cracóvia



Nas artes plásticas, o Romantismo busca as belezas estranhas, inquietantes, a beleza do assombro, do soturno, do não obvio. Rompe com a tradição acadêmica, reinventa os temas sacramentados, reelabora seus sentidos, valoriza a imaginação, a criação, o ato artístico, o gênio.
 
Nos últimos tempos ouvimos dizer de mil maneiras diferentes:‘Copiai
apenas a natureza. Não existe maior prazer nem mais belo triunfo que
uma cópia excelente da natureza’, E esta doutrina, inimiga da arte,
pretendia ser aplicada não apenas à pintura mas a todas as artes (...). A
esses doutrinários tão satisfeitos um homem imaginativo teria
certamente o direito de responder: “acho inútil e fastidioso representar
o que existe, porque nada do que existe me satisfaz. A natureza é feia, e
prefiro os monstros da minha fantasia à trivialidade positiva’ (...). O
artista, o verdadeiro artista, o verdadeiro poeta, não deve pintar senão
segundo o que vê e o que sente. Deve ser realmente fiel à sua própria
natureza (...). Ora, se os pedantes de que falo (...) achamos que eles
queriam simplesmente dizer: ‘nós não temos imaginação, e decretamos
que ninguém a terá’. Misteriosa faculdade, esta rainha das faculdade!
Ela está relacionada com todas as outras; excita-as, remete-as para a
luta (...). Ela é a análise, ela é a síntese; e contudo, há homens hábeis
na análise e suficientemente aptos a fazer um resumo que podem ser
desprovidos de imaginação (...). A imaginação é a rainha do verdadeiro,
e o possível é uma das províncias do verdadeiro”.
[Baudelaire, Charles. A Invenção da Modernidade. Lisboa: Relógio d’Água, 2006, p. 157-159.]
 
Eugène  Delacroix, Morte de Sardanapalo, 1827. Paris, Musée du Louvre
 
Romantismo é arte para os nervos! É pathos, é intensidade, é transbordamento das emoções, é utopia, é mistério, é fantasia
 
In Ars veritas
 
*.*.*
 

 Bibliografia:
      ABRAMS, M. H. The Mirror and the Lamp; Romantic Theory and the Critical Tradition. London / Oxford / New York: Oxford University Press, 1977.
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      BENJAMIN, Walter.  O conceito de crítica de arte no romantismo alemão. São Paulo: Iluminuras, 2002.
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      JANSON, H. W; JANSON, Anthony F. Iniciação à História da Arte. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
      MEYER, Marlise.  Folhetim: uma história. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
      PERKINS, Christine. 100 autores que mudaram a História do Mundo. Trad. Marise Chinetti de Barros. Rio de Janeiro: prestígio Editorial/Ediouro, 2003.
      PERRONE-MOISÉS, Leyla. “A Luta com o Anjo: Baudelaire e Delacroix”. In: NOVAES, ADAUTO (Org.). Artepensamento. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.
      PRAZ, Mario. A Carne, a morte e o diabo na Literatura Romântica.  Campinas, SP: Editora da Unicamp, 1996.
      RICCIOPPO, Carlos Eduardo; BENETTI, Liliane. História e Imagem: Introdução à História da percepção das Artes Visuais. São Paulo: CAIXA ECONÔMICA CULTURAL/ Famiglia Produções, 2011.
       SIEBERS, Tobin. The Romantic Fantastic. Ithaca; London: Cornell University Press, 1984.
      SILVER, Philip W. Ruin and Restitution; Reinterpreting Romanticism in Spain. Vanderbilt University Press, 1997.
      TALMON, J. L. Romantismo e revolta; Europa 1815-1848. Trad. Tomé Santos Jr. Lisboa: Verbo, s/d.
      THOMPSON, Edward Palmer. Os Românticos: a Inglaterra na era revolucionária. Trad. Sérgio Moraes Rêgo Reis.  Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.
      WOLF, Norbert. Romantismo. Trad. Isabel Falcão. Colônia, Alamanha: Taschen, 2008.
 

 Mariana Zenaro é graduada e licenciada em História pelo Centro Universitário Fundação Santo André e bacharel em Comunicação Social, com ênfase em Jornalismo, pela Universidade Metodista de São Paulo. Tem Pós-Graduação, MBA em Bens Culturais: Cultura, Economia e Gestão, pela Fundação Getúlio Vargas. Frequentou os cursos livres de História da Arte na Escola do Museu de Arte de São Paulo (MASP) por dois anos e meio. Trabalhou em Museus, Arquivos e Instituições Culturais. Foi voluntária no Centro de Documentação e Biblioteca do Museu de Arte Moderna de São Paulo. Dá cursos e palestras sobre história da arte em fundações, centros culturais e no Centro de Capacitação para professores da rede pública municipal de São Caetano do Sul (CECAPE- SCS). Atualmente trabalha na divisão de pesquisa e produção da Difusão Cultural da Fundação Pró-Memória de São Caetano do Sul.
 
 
 
 
 

 

 


 
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São Paulo em Cena VII: Bairro da Liberdade; arquitetura, comidas típicas, artesanatos japoneses... linda SP

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Igreja dos Aflitos vai ser restaurada na Liberdade, no centro de SP

Quem sai da feirinha da Liberdade e desce a rua dos Estudantes em busca dos tantos utensílios japoneses à venda quase não percebe a pequena capela com mais de 200 anos escondida no final de um beco entre os prédios, no centro de São Paulo.

Em 1779, a igreja de Nossa Senhora dos Aflitos foi erguida ali, ao lado do primeiro cemitério público da cidade, onde eram sepultados escravos, indigentes e condenados à morte. Até então, os enterros eram feitos nas igrejas.

Agora, o local vai ser restaurado. A Arquidiocese de São Paulo confirmou que já avalia os projetos de reforma.

Além do ataque de cupins aos batentes, portas e forro rústicos, o local sofreu um incêndio há cerca de 15 anos e perdeu parte das talhas barrocas de seus oratórios.

A igreja é muito popular devido a Chaguinhas, soldado negro enterrado lá. Ele foi condenado à morte em 1821, no largo dos Enforcados (hoje, da Liberdade), por protagonizar uma revolta contra falta de pagamento do soldo.

Conta-se que houve três tentativas de enforcamento, mas a corda arrebentava. Por fim, o carrasco tomou emprestado de um vaqueiro o laço de couro que consumou a pena do soldado. A história correu São Paulo e atraiu a devoção de fieis.

Dentro da capela, mulheres batem três vezes na porta de madeira que dá para a sala onde ficava a cela dos que aguardavam execução. "Por que a senhora bate na porta?" "Para o Chaguinhas ouvir meu pedido". "E ele atende?" "Ô!" Diz convicta Rosa Ferraz, 70, que há 45 anos vai semanalmente à igrejinha. (1)

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Visitem o Bairro da Liberdade em SP, lindas imagens, lindas igrejas, boas comidas... 

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1- http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/775755-igreja-dos-aflitos-vai-ser-restaurada-na-liberdade-no-centro-de-sp.shtml



Kátia Peixoto é doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Mestre em Cinema pela ECA - USP onde realizou pesquisas em cinema italiano principalmente em Federico Fellini nas manifestações teatrais, clowns e mambembe de alguns de seus filmes. Fotógrafa por 6 anos do Jornal Argumento. Formada em piano e dança pelo Conservatório musical Villa Lobos. Atualmente leciona no Curso Superior de de Música da FAC-FITO e na UNIP nos Cursos de Comunicação e é integrante do grupo Adriana Rodrigues de Dança Flamenca sob a direção de Antônio Benega.
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