Recentemente, escrevi um
artigo sobre as publicações Skinheads autodenominadas Integralistas,
conhecidas pelo nome de Skinzines, para o livro “Entre Tipos e Recortes:
histórias da imprensa Integralista – 2”. Na coluna de hoje, pretendo tratar, em
linhas gerais, um dos temas abordados no artigo: os argumentos utilizados na defesa da principal “ideia força”
dessa tendência, a Tríade Integralista “Deus, Pátria e Família”.
Os primeiros Skinheads entusiastas do Integralismo
(movimento político nacionalista, autoritário e cristão da década de 1930)
surgiram na região do ABC e da Capital
paulista, em meados dos anos 1980, em meio a grupos de Skinheads
conhecidos como os “Carecas do Subúrbio”
e “Carecas do ABC”. A antropóloga Márcia Regina da Costa, em seu livro “Os
Carecas do Subúrbio: caminhos de um nomadismo moderno”, já apresentava, por
meio das entrevistas com seus informantes, o interesse de alguns Carecas pelas
ideologias nacionalistas autoritárias locais, a partir do contato com
militantes de outras gerações.
Com o tempo, essa
tendência ganhou espaço e se consolidou como uma nova
força organizada, procurando se distanciar do “ganguismo” característico
do meio. Nesse processo, os Skins “verdes” elaboraram um repertório de
argumentos, que definiu como principais características identitárias o
anticomunismo, o repúdio às drogas e ao aborto, a homofobia, o antirracismo, o
antissionismo, o antiliberalismo, a xenofobia, a defesa do Estado forte e
interventor e dos valores cristãos.
O objetivo do artigo foi apresentar ao leitor, que não é especialista
no tema, uma breve trajetória dessa tendência, suas características
identitárias e os principais argumentos a respeito de alguns temas que no
imaginário dos Skinheads “verdes”
seriam considerados ameaças à Tríade Integralista “Deus, Pátria e Família”, a
saber: o racismo, o sionismo, a homossexualidade e o comunismo.
Skinzine
é um neologismo criado a partir da fusão das palavras Skinhead e Magazine.
Ele deriva, por sua vez, da expressão Fanzine (revista produzidas por
fãs, em tradução livre), ou simplesmente, Zine.
De acordo com o antropólogo Carles Feixa, os Fanzines são elementos culturais que se transformaram em “emblemas
de uma cultura juvenil internacional popular”. Eles têm a função de “reafirmar
as fronteiras do grupo” (função interna) e “promover o diálogo com outras
instâncias sociais e juvenis” (função externa). De acordo com o autor, o
material publicado nos zines busca
[...] inverter a valoração negativa que se atribui socialmente a
determinados estilos, transformando o estigma em emblema: as marcas do grupo
encontradas através do estudo dos diferentes produtos comunicacionais.
Assim, o leitor se mantém atualizado sobre a “cena” com a qual está envolvido,
no que diz respeito a, por exemplo: resenhas de discos,
CDs e Fitas Demo,
entrevistas com as bandas
e militantes, agenda de Gigs (shows), textos
doutrinários e material de propaganda (cartazes, panfletos, etc.),
textos e notícias sobre manifestações
públicas, réplicas a artigos e notícias publicadas em outros meios de
comunicação (geralmente na “grande imprensa”), comércio de
produtos dos mais
variados tipos
e tudo mais que for do interesse do (os) editor (es).
A tiragem dos zines é feita por meio de fotocópia, permitindo que se produza uma quantidade razoável de exemplares a um custo não tão elevado e circulam nas Gigs ou são enviados por
correios. Com o advento da World Wide Web, os zines feitos em papel e fotocopiados coexistem com zines digitais, como os blogs, além dos e-zines distribuídos em formato PDF.
As ameaças à Tríade Integralista
Veremos, a seguir, os principais
argumentos veiculados nos Skinzines contra as ameaças à Tríade Integralista
“Deus, Pátria e Família”: o racismo, o homossexualismo, o comunismo e o
sionismo.
Entre as “ameaças à Pátria”,
denunciadas pelos Skinzines, está o
racismo. Segundo eles, tanto a cultura Hip Hop, quanto os Skinheads White Power são responsáveis,
na mesma medida, pela difusão do racismo no Brasil, pois colocam o orgulho
étnico acima do orgulho de sua nacionalidade, pois valorizam elementos da
cultura africana e européia, respectivamente, em detrimento da cultura
brasileira.
Os sionistas são acusados também de estimular a
cizânia entre os brasileiros, na forma de conflitos raciais. Segundo esta
concepção, das três “raças fundadoras” da nacionalidade brasileira, a saber: o europeu,
o africano e as populações autóctones, as duas primeiras deveriam ser mantidas
em constante conflito, enquanto a última seria impossibilitada de se integrar,
pois deveria viver apartada da sociedade brasileira.
Como forma de evitar acusações de racismo, na
maioria do textos veiculados nos Skinzines
dessa tendência há o cuidado em distinguir o Judeu, grupo cultural, do
Sionismo, movimento político.
Sobre a homossexualidade, os Skinheads dessa
vertente se posicionam a favor da família heterossexual e monogâmica, como
padrão de moralidade. Eles entendem a homossexualidade como uma ameaça à
família, à pátria e aos valores cristãos. Segundo essa concepção, os homossexuais
disseminam exemplos de conduta consideradas libertinas (relação homo afetiva e
infidelidade), definindo um novo padrão de comportamento para a população.
Quanto ao comunismo, considerado
uma ideologia destruidora da pátria, da família e da religião, os textos
publicados nos Skinzines, procuram denunciar um “complô vermelho” no campo das
artes, no qual vários artistas estariam difundindo o “ideário comunista”. O
estilo musical, por exemplo, MPB (Música Popular Brasileira) é criticada por
não ser “inspirada pelo espírito católico, patriótico e tradicionalista”. Em um
dos zines a sigla MPB é traduzida como “Música Profana Brasileira”. O Comunismo
também é visto como uma ideologia que tem por finalidade a internacionalização
dos povos e a destruição do Estado.
Nesse processo de construção de
argumentos que definem a identidade de “si” e a do “outro”, os Skinzines se
constituem como um poderoso instrumento na elaboração de uma ideologia própria,
o autoproclamado Nacionalismo de Terceira Posição, considerado uma opção ao
comunismo e ao capitalismo, criados, segundo eles, pelos “dominadores do
mundo”.
Além da apresentação das
principais características identitárias desta tendência ao público leigo no
assunto, o artigo procurou problematizar a análise de segmentos da juventude,
considerando fundamental a percepção e apreensão de suas singularidades, pois
isso evita que as generalizações venham a dificultar ainda mais a diferenciação
de grupos como os Skinheads.
Como resultado, podemos afirmar que atualmente, no
Brasil, a cultura Skinhead é dividida em várias tendências, muitas delas
antagônicas. Ainda que não seja o escopo deste artigo, considerei a existência
das seguintes tendências: Skinheads Nacionalistas (na qual se enquadra
os Skins integralistas), Skinheads Antifascistas (Comunistas e
Anarquistas), Skinheads Tradicionais (Apolíticos), Skinheads Racialistas (White Power) e Skinheads Cristãos
(predominantemente Evangélicos Neopentecostais).
Desta maneira, postulo que a
atenção deve ser redobrada quando se investiga grupos que mantém alguns
aspectos visuais imediatamente identificáveis, mas defendem bandeiras distintas
e, muitas vezes, conflitantes.
Alexandre de Almeida é graduado em Historia e mestre em Antropologia, ambos pela PUCSP. Atualmente é Doutorando em História Social na Universidade de São Paulo (USP). Sua pesquisa tem como foco os grupos juvenis urbanos e seus posicionamentos políticos/partidários. Também realiza pesquisa na área de Arquivologia, com ênfase em documentos audiovisuais e sonoros. Foi radialista na Patrulha FM, em Santo André (SP), especializada no gênero Rock, no final da década de 1990, onde além de apresentar a programação comercial noturna, produziu e apresentou o programa “Expresso da Meia Noite”. Trabalha, há mais de dez anos, com patrimônio histórico arquivístico, atuando em instituições como o Arquivo Público do Estado de São Paulo e Centro de Memória Bunge. Atualmente, coordena a área de Arquivos Sonoros e Audiovisuais do Acervo Presidente FHC e trabalha como professor na rede pública de ensino de São Paulo.