O HIPER-REALISMO RUSSO NA FOTOGRAFIA

    

A fotografia surgiu em meados do século XIX, e desde então percorreu um longo caminho na descoberta de  novas tecnologias e temas. Na Rússia também houveram os pioneiros, e entre eles destaca-se Sergei Mikhailovich Prokudin-Gorskii ou Gorsky (1863-1944) que realizou um levantamento fotográfico do Império Russo, com o apoio do Czar Nicolau II, usando uma câmera especial para capturar imagens em P&B com o uso de filtros vermelho, verde e azul, que posteriormente eram recombinados e projetados com lanternas para mostrar imagens com um colorido próximo da realidade, em um processo conhecido como de "filtros sucessivos".



A alta qualidade das imagens assim obtidas, torna difícil acreditar que elas foram realizadas há mais de um século quando nem a Revolução Russa, nem a I Guerra Mundial tinham sequer iniciado. A sua formação como químico foi de grande valia para o trabalho que Gorskii veio a desenvolver. Inicialmente, ele conciliava as atividades fotográficas com a rotina de diretor da fábrica do seu sogro, um dos grandes industriais russos e membro da Sociedade Tecnológica da Rússia.  Essa Sociedade tinha um setor específico – do qual ele também foi diretor -  para desenvolver a fotografia, bem como os métodos de ampliação. Vale a pena conferir os resultados hiper-realistas conseguido por esse fotógrafo de "vanguarda".




















A coluna Incontros vai ao ar uma vez ao mês, com a autoria de Izabel Liviski, fotógrafa e doutoranda em Sociologia pela Universidade Federal do Paraná.






















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Nem vermelho, nem racista: os Skinheads integralistas






           Recentemente, escrevi um artigo sobre as publicações Skinheads autodenominadas Integralistas, conhecidas pelo nome de Skinzines, para o livro “Entre Tipos e Recortes: histórias da imprensa Integralista – 2”. Na coluna de hoje, pretendo tratar, em linhas gerais, um dos temas abordados no artigo: os argumentos utilizados na defesa da principal “ideia força” dessa tendência, a Tríade Integralista “Deus, Pátria e Família”.

            Os primeiros Skinheads entusiastas do Integralismo (movimento político nacionalista, autoritário e cristão da década de 1930) surgiram na região do ABC e da  Capital paulista, em meados dos anos 1980, em meio a grupos de Skinheads conhecidos como  os “Carecas do Subúrbio” e “Carecas do ABC”. A antropóloga Márcia Regina da Costa, em seu livro “Os Carecas do Subúrbio: caminhos de um nomadismo moderno”, já apresentava, por meio das entrevistas com seus informantes, o interesse de alguns Carecas pelas ideologias nacionalistas autoritárias locais, a partir do contato com militantes de outras gerações.

            Com o tempo, essa tendência ganhou espaço e se consolidou como uma  nova  força organizada, procurando se distanciar do “ganguismo” característico do meio. Nesse processo, os Skins “verdes” elaboraram um repertório de argumentos, que definiu como principais características identitárias o anticomunismo, o repúdio às drogas e ao aborto, a homofobia, o antirracismo, o antissionismo, o antiliberalismo, a xenofobia, a defesa do Estado forte e interventor e dos valores cristãos.

O objetivo do artigo foi apresentar ao leitor, que não é especialista no tema, uma breve trajetória dessa tendência, suas características identitárias e os principais argumentos a respeito de alguns temas que no imaginário dos Skinheads “verdes” seriam considerados ameaças à Tríade Integralista “Deus, Pátria e Família”, a saber: o racismo, o sionismo, a homossexualidade e o comunismo.







O que é um Skinzine?

Skinzine é um neologismo criado a partir da fusão das palavras Skinhead e Magazine. Ele deriva, por sua vez, da expressão Fanzine (revista produzidas por fãs, em tradução livre), ou simplesmente, Zine.

De acordo com o antropólogo Carles Feixa, os Fanzines são elementos culturais que se transformaram em “emblemas de uma cultura juvenil internacional popular”. Eles têm a função de “reafirmar as fronteiras do grupo” (função interna) e “promover o diálogo com outras instâncias sociais e juvenis” (função externa). De acordo com o autor, o material publicado nos zines busca

[...] inverter a valoração negativa que se atribui socialmente a determinados estilos, transformando o estigma em emblema: as marcas do grupo encontradas através do estudo dos diferentes produtos comunicacionais.

Assim, o leitor se mantém atualizado sobre a “cena” com a qual está envolvido, no que diz respeito a, por exemplo: resenhas de discos, CDs e Fitas Demo, entrevistas com as bandas e militantes, agenda de Gigs (shows), textos doutrinários e material de propaganda (cartazes, panfletos, etc.), textos e nocias sobre manifestações públicas, réplicas a artigos e notícias publicadas em outros meios de comunicação (geralmente na “grande imprensa”), comércio de produtos dos mais variados tipos e tudo mais que for do interesse do (os) editor (es).

A tiragem dos zines é feita por meio de fotocópia, permitindo que se produza uma quantidade razvel de exemplares a um custo não tão elevado e circulam nas Gigs ou são enviados por correios. Com o advento da World Wide Web, os zines feitos em papel e fotocopiados coexistem com zines digitais, como os blogs, além dos e-zines distribuídos em formato PDF.
           
            As ameaças à Tríade Integralista

            Veremos, a seguir, os principais argumentos veiculados nos Skinzines contra as ameaças à Tríade Integralista “Deus, Pátria e Família”: o racismo, o homossexualismo, o comunismo e o sionismo.

            Entre as “ameaças à Pátria”, denunciadas pelos Skinzines, está o racismo. Segundo eles, tanto a cultura Hip Hop, quanto os Skinheads White Power são responsáveis, na mesma medida, pela difusão do racismo no Brasil, pois colocam o orgulho étnico acima do orgulho de sua nacionalidade, pois valorizam elementos da cultura africana e européia, respectivamente, em detrimento da cultura brasileira.

Os sionistas são acusados também de estimular a cizânia entre os brasileiros, na forma de conflitos raciais. Segundo esta concepção, das três “raças fundadoras” da nacionalidade brasileira, a saber: o europeu, o africano e as populações autóctones, as duas primeiras deveriam ser mantidas em constante conflito, enquanto a última seria impossibilitada de se integrar, pois deveria viver apartada da sociedade brasileira.

Como forma de evitar acusações de racismo, na maioria do textos  veiculados nos Skinzines dessa tendência há o cuidado em distinguir o Judeu, grupo cultural, do Sionismo, movimento político.





Sobre a homossexualidade, os Skinheads dessa vertente se posicionam a favor da família heterossexual e monogâmica, como padrão de moralidade. Eles entendem a homossexualidade como uma ameaça à família, à pátria e aos valores cristãos. Segundo essa concepção, os homossexuais disseminam exemplos de conduta consideradas libertinas (relação homo afetiva e infidelidade), definindo um novo padrão de comportamento para a população.

Quanto ao comunismo, considerado uma ideologia destruidora da pátria, da família e da religião, os textos publicados nos Skinzines, procuram denunciar um “complô vermelho” no campo das artes, no qual vários artistas estariam difundindo o “ideário comunista”. O estilo musical, por exemplo, MPB (Música Popular Brasileira) é criticada por não ser “inspirada pelo espírito católico, patriótico e tradicionalista”. Em um dos zines a sigla MPB é traduzida como “Música Profana Brasileira”. O Comunismo também é visto como uma ideologia que tem por finalidade a internacionalização dos povos e a destruição do Estado.

Nesse processo de construção de argumentos que definem a identidade de “si” e a do “outro”, os Skinzines se constituem como um poderoso instrumento na elaboração de uma ideologia própria, o autoproclamado Nacionalismo de Terceira Posição, considerado uma opção ao comunismo e ao capitalismo, criados, segundo eles, pelos “dominadores do mundo”.




            Além da apresentação das principais características identitárias desta tendência ao público leigo no assunto, o artigo procurou problematizar a análise de segmentos da juventude, considerando fundamental a percepção e apreensão de suas singularidades, pois isso evita que as generalizações venham a dificultar ainda mais a diferenciação de grupos como os Skinheads.

            Como resultado, podemos afirmar que atualmente, no Brasil, a cultura Skinhead é dividida em várias tendências, muitas delas antagônicas. Ainda que não seja o escopo deste artigo, considerei a existência das seguintes tendências: Skinheads Nacionalistas (na qual se enquadra os Skins integralistas), Skinheads Antifascistas (Comunistas e Anarquistas), Skinheads Tradicionais (Apolíticos), Skinheads Racialistas (White Power) e Skinheads Cristãos (predominantemente Evangélicos Neopentecostais).

            Desta maneira, postulo que a atenção deve ser redobrada quando se investiga grupos que mantém alguns aspectos visuais imediatamente identificáveis, mas defendem bandeiras distintas e, muitas vezes, conflitantes.


Alexandre de Almeida é graduado em Historia e mestre em Antropologia, ambos pela PUCSP. Atualmente é Doutorando em História Social na Universidade de São Paulo (USP). Sua pesquisa tem como foco os grupos juvenis urbanos e seus posicionamentos políticos/partidários. Também realiza pesquisa na área de Arquivologia, com ênfase em documentos audiovisuais e sonoros. Foi radialista na Patrulha FM, em Santo André (SP), especializada no gênero Rock, no final da década de 1990, onde além de apresentar a programação comercial noturna, produziu e apresentou o programa “Expresso da Meia Noite”. Trabalha, há mais de dez anos, com patrimônio histórico arquivístico, atuando em instituições como o Arquivo Público do Estado de São Paulo e Centro de Memória Bunge. Atualmente, coordena a área de Arquivos Sonoros e Audiovisuais do Acervo Presidente FHC e trabalha como professor na rede pública de ensino de São Paulo.
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