terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Bar ContemporArtes

Contemporâneos. Relutei muito e, confesso que tentei conciliar meu atual momento pessoal com o trabalho e lazer. Não deu. Agradeço imensamente a colaboração de todos vocês leitores, colaboradores e difusores - meus novos-velhos amigos. Peço que continuem a prestigiar este trabalho de voluntários que esmeram-se em trazer o melhor das artes contemporâneas com responsabilidade, atualizando o blog diariamente. Equipe que doa tempo e talento com alegria e satisfação porque acredita num mundo melhor, num mundo cidadão capaz de salvar e ser salvo pela Educação e Cultura.Obrigada, sempre!


Estarei sem acesso a internet, impossibilitada de responder aos emails. Desculpe-me e obrigada!


PERGUNTE AO PÓ


A doença do tio-avô foi como aviso de casa abandonada. Sinais de pequenos reparos que quando ignorados se transformam em danos irreversíveis, até só restar como solução a demolição, reduzi-la a pó. Foi assim com ele, que estava à beira da morte e conseguira o direito de se despedir com calma e privacidade de todos os familiares, inclusive da pequena Jussara, de 10 anos, filha de sua irmã caçula.

Ele próprio caminhava para o pó.

E, pela primeira vez a menina encarou seu futuro, ao fitar aquele selo usado, guardado sabe-se lá porquê.Talvez viesse de uma carta de amor, ela pensou, talvez de uma notícia importante ou mesmo trágica. A única pista era o carimbo que mostrava que havia sido enviada da Inglaterra. A carta, no entanto, ela nunca encontraria.

O tio, ainda mais branco do que os lençóis que o abraçavam, conseguiu com muito esforço libertar seus olhos das manchas de bolor no teto. Ele as admirava como se fossem obra de Michelângelo, como se estivesse diante do teto de sua capela sistina particular. Era como se mantinha lúcido, já que as flores de plástico desbotadas que decoravam a capelinha de santos, num canto do quarto, anunciavam o fim. A decomposição. O pó.

Direcionou a voz e a mão trêmulas na direção da sobrinha-neta:

_ Menina, aqui está um futuro promissor. Pega este selo e guarda num lugar onde seja fácil de você olhar para ele. Eu quero que você olhe-o sempre que puder. Mas, só na sua maioridade é que você encontrará a resposta.

Ela não viu sentido naquilo, mas como não se nega o pedido de um moribundo, o obedeceu pelos anos que se seguiram e até se acostumou a olhar o selo.

_Meus parabéns senhorita. Vinte e um anos, linda idade. Pode seguir por aquele corredor. Obrigado pela preferência – disse a mulher bem maquiada e com sorriso enorme no rosto.

Jussara então abre a carteira e retira o único presente de seu tio-avô, já quase reduzido a pó. Pronto a misturar-se ao passado. Abre um sorriso, beija-o e diz a si própria em voz baixinha:

_ Eita tio, velho danado. Você sabia...

O som dos auto falantes encobre sua voz miúda:

- Última chamada para o vôo 717 para Londres. Dirijam-se ao portão seis e boa viagem!

Ao decolar, o avião levantou poeira que sumiu rapidamente no céu.
Rosana Banharoli

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