domingo, 26 de dezembro de 2010

Os Mercenários, mocinhos ou bandidos?


por José Alexandre da Silva.

Um filme pode gerar muitos significados. Provavelmente, boa parte desses pode ir de encontro à intenção inicial do autor. Entre a intenção desse último e a recepção do público existem filtros que podem dar novos significados à obra. Além dos autores, são os críticos e comentadores que desempenham um papel que pode inclusive influenciar o gosto do público e a forma como esse interpretará a obra fílmica.

Os Mercenários (The Expandables) é o último filme dirigido e protagonizado por Sylvester Stallone. O elenco conta com brutamontes dos filmes de ação que figuram no cinema estadunidense, desde os veteranos da década de 1980 até os surgidos mais recentemente e também a atriz brasileira Gisele Ytié. O enredo é referente a um grupo de paramilitar que é contratado para tirar do poder um general de um país latino-americano corrompido por um ex-agente da Cia.

O filme está repleto de estereótipos, ainda que possa não ter nenhuma intenção de dialogar com temas do presente. Somális fazem reféns em um navio e são massacrados pela milícia de Barney Ross (Stallone). O fictício país da América do Sul (Vilena) onde se passa maior parte da ação é governado por um militar corrupto, General Garza, (David Zayas) dando a entender uma fragilidade das democracias locais. Curiosamente, o corruptor do General e que controla o país é o ex-agente da Cia James Monroe (Eric Roberts). Mesma instituição que contrata o grupo de mercenários para tirar o país do domínio de seu antigo membro.

O enredo não consegue deixar de lembrar a influência que os Estados Unidos tiveram nas ditaduras dos países da América do Sul na segunda metade do século. Tinham pleno interesse no distanciamento dos demais países do continente de Cuba e da União Soviética. James Monroe que controla o fraco General Garza tem um papel de controle em Vilena, mas o envio de uma Milícia para tirar essa ilha de seu poder alude a uma possível redenção norte-americana.

O objetivo de Monroe em Vilena é a produção de tóxicos e é controlando Garza que o cumpre. Esse ditador latino-americano, ainda é um traidor de seu povo, vende o trabalho dos filhos de sua pátria a um representante do país que mais consome cocaína no mundo. A fictícia Vilena não é nada mais que um seleiro das drogas consumidas nos E.U.A. graças ao lucro de Monroe com a anuência do ditador. Situação que se reverte graças à milícia de Barney Ross que, por sua vez, nutre uma simpatia para com Sandra (Ytié) filha do General Garza.

O novo filme de Stallone constroi uma imagem de como os norte-americanos se relacionam com países que de alguma forma possam contrariar seus interesses. Para tirar Vilena do domínio de Monroe o lugar teve de ser destruído pelo grupo de Ross. Resta torcer para que a produção hollywoodiana não inspire a realidade, mas, a julgar pelo andar da carruagem, já apareceram previsões (espero que os analistas videntes sejam neuróticos) que depois do Oriente Médio a América Latina possa vir a ser palco de interferências norte-americanas.

Na divulgação do filme, no Comiccon 2010, Stallone declarou que filmar no Brasil foi bom. Disse que podiam matar pessoas, explodir tudo e diziam "Obrigado, obrigado e leve um macaco". Ainda traziam cachorro quente para aproveitar o fogo. Referiu-se também ao símbolo do Bope, uma caveira, duas armas e uma adaga cravada no centro, como elemento que mostra o Brasil como um país problemático. As afirmações do autor repercutiram instantaneamente pela internet. Esse desculpou via Twitter de imediato. O Fantástico ainda enviou um jornalista para entrevistá-lo, como que a tirar satisfações.

Se Sylvester Stallone quis ou não reproduzir, com seu filme, uma série de estereótipos sobre os países latino-americanos não importa. Se o preconceito demonstrado pelo diretor, com relação ao Brasil, interferiu em seu trabalho também não importa. Ocorre que o palco criado para seus brutamontes bancarem os heróis é uma suposta ilha na América do Sul.

Contribuição do leitor José Alexandre da Silva, Professor de História da Secretaria de Estado da Educação do Paraná (SEED) e membro do Grupo de Estudos em Didática da História (GEDHI).

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