Realengo : morte, dor, excesso de modernidade?
Quando chegaram a mim as primeiras notícias do massacre do Realengo que aconteceu na manhã da última quinta-feira, dia 7 de abril, não pude acreditar. Imediatamente veio a minha cabeça acontecimentos semelhantes que tiveram cenário nos Estados Unidos, e destes sobressaiu o massacre de Columbine em 1999. Em primeiro lugar, ambos tiveram palco em uma escola. No Rio de Janeiro, na Escola Municipal Tasso de Oliveira localizada no Bairro de Realengo e nos EUA, o massacre em massa aconteceu na Escola de Columbine, no subúrbio de Denver. O protagonista da brutal ação no Brasil foi Wellington Menezes de Oliveira, de 23 anos, enquanto em Columbine, a ação foi deflagrada pelos também muito jovens Eric Harris, de 18 anos e Dylan Klebold de 17 anos.
As semelhanças não param aí: em ambos os casos, os jovens assassinos estavam perigosamente armados com potentes armas de fogo. A matança foi coletiva: em Columbine, os dois estudantes causaram a morte de 12 estudantes e um professor e depois cometeram suicídio; no Realengo, 12 pessoas foram assassinadas e o agressor também cometeu suicídio. Nos dois acontecimentos, a suspeita é de buyling, uma espécie de sistemática humilhação que estudantes sofrem por seus companheiros mais enturmados. Sobre isso, ver artigo Do espetáculo a rotina: o terror e suas multifaces do historiador Emílio Gomes de Andrade (Contemporâneos, nr. 4, maio a out. de 2009). É importante mostrar, no entanto, que nem Columbine, nem Realengo são acontecimentos isolados. Somente nos EUA contabilizam-se no ano de 1997/98, 43 homicídios em escolas.
A filmografia norte-americana já se focou sobre Columbine com dois filmes em especial. O Tiros em Columbine, do polêmico Michael Moore (EUA, 2002), e Elefante, de Gus Van Sant (EUA, 2003). Mesmo com narrativas e ênfases tão diferentes, as abordagens se focam na juventude e no desconexo tempo contemporâneo. No caso do primeiro, a linguagem é documental – aborda a questão do desarmamento, da desigualdade do subúrbio perante a opulência dos bairros mais nobres. Elefante, utilizando a linguagem ficcional, inova pela narrativa fragmentada e a história contada e recontada diversas vezes pelas diferentes testemunhas do acontecimento. A análise paira pelo lado psicológico dos personagens, perturbados, com mentes confusas em uma sociedade que não lhes acolhe.
Estudiosos também já se debruçaram sobre a temática. Ana Lucia Emme, por exemplo, classifica Columbine como um distúrbio da contemporaneidade que isoladamente não pode ser explicado, mas que seria como a ponta de um iceberg da modernidade, uma combinação de todos os seus excessos e violências: aceleração do tempo, isolamento dos indivíduos, sociedade de consumo. A causa não seria estaria centrada no indivíduo causador da ação – classificado como psicopata ou maluco, mas seria um sintoma de toda sociedade na qual as relações sociais se encontram cada vez mais deterioradas.
Depois do fatídico 7 de abril, o assunto também ocupou os principais blogs e portais da internet. Um me chamou a atenção em específico, o de Nelson Valente. Valente cita Freud para avaliar o grau de agressividade do jovem assassino. Segundo ele, Freud considera a agressividade “como um impulso inato no homem, em consequência do qual "o próximo não representa para ele somente um auxiliar e objeto sexual, mas também uma tentação para libertar suas tendências agressivas contra ele". Assim, tal massacre expressa uma agressividade que canaliza não apenas a destruição e morte dos indivíduos que lhe foram alvo, mas também busca atacar um problema que poderia estar no próprio agressor. Por esse raciocínio, ele agiria em “defesa” de si, pois se encontra assim posicionado em uma sociedade que o agride constantemente.
Coordenadora da Contemporartes - Revista de Difusão Cultural
Laboratório de Estudos e Pesquisas da Contemporaneidade
Núcleo de Ciência, Tecnologia e Sociedade - UFABC
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