Bate mas não LEVA
Teria sido uma sexta-feira comum, se eu não tivesse ido ao teatro com uma grande amiga. Ela já tinha assistido a peça, mas vez questão de assisti-la mais uma vez, falou-me que valeria a pena. Confesso que os alertas dizendo que a peça era muito forte, principalmente porque vinham dela, me deixaram curiosa.
Bate. Bate mas não leva. Bate mas não leva. É esse o coro que inicia a peça “120 dias de Sodoma” que eu assisti na última sexta-feira, no Espaço dos Satyros. A peça de Rodolfo García Vázqez é baseada na obra do Marquês de Sade e, ao contrário do que minha amiga disse, ela não é forte, ela é muito mais que isso.
O espetáculo, que faz parte de uma trilogia, “a trilogia libertina”, faz com que o espectador mergulhe numa nação esfacelada onde crimes e corrupções são os protagonistas. As semelhanças com o nosso país são acentuadas em cada nome citado, em cada dossiê mencionado.
Durante toda a peça há uma inversão de valores, assim como a desconstrução do que de fato é a democracia representativa que vivemos em nosso país. A sujeira e a podridão são esfregadas em nossos rostos, não tem como fingir que não entendemos. Nem fingir que aquilo não está falando diretamente a nós, a mensagem é clara e dolorosa.
No fim, a platéia permanece calada, a dúvida entre aplaudir ou não é evidente. O incômodo que experimentei dentro daquele teatro permanece, reviro e reflito as cenas na minha cabeça, como eu disse, a peça é muito mais que forte. Ela é uma cutucada nas feridas de todos os brasileiros, uma cutucada onde mais dói. Mas sinceramente, prefiro sentir essa dor durante muito tempo, porque antes essa dor que a apatia do conformismo.
Ana Paula Nunes é jornalista e pós-graduanda em Mídia, Informação e Cultura pela Universidade de São Paulo - USP. Escreve aos domingos, quinzenalmente, na ContemporARTES.
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