quinta-feira, 22 de setembro de 2011

ROSTOS DA JUVENTUDE PERDIDA



"Para Simmel - este pintor do social para quem a sociologia era de resto, uma forma de arte [...] as observações fugazes da realidade constituem a essência de sua sociologia [...]. Neste deslizar do olhar pelo social - nos seus aspectos mais particulares, acidentais e superficiais - o fotografar é um processo de capturar o fugaz que o olhar vagabundo do fotógrafo (ou sociólogo) possibilita". (PAIS, José Machado:1993)

É impossível não evocar a imagem da Estátua da Liberdade à entrada do porto de Nova York acolhendo os imigrantes que deixaram os seus lares distantes à procura de uma vida melhor no Novo Mundo. Vinham de todas as idades, muitos chegavam ainda crianças no colo dos seus pais, olhando à volta para o ambiente estranho e fantástico da grande cidade. Desde logo começavam a trabalhar e a procurar, no fundo, a sua oportunidade na terra de todas as oportunidades, the american dream...

Mais por necessidade do que por ambição, desde tenra idade os futuros americanos davam à nação o seu esforço e a sua juventude numa época em que as crianças eram considerados adultos pequenos e em que possuir um emprego era privilégio. A América cresceu tanto à custa dos imigrantes como das suas crianças, adultos à força que não tiveram tempo de brincar.

É só lembrar das imagens realistas dos meninos de "Era uma vez na América", de Sergio Leone, das atribulações dos recém-chegados retratadas com ironia em "Os imigrantes", de Charles Chaplin, para falarmos apenas em termos de cinema; mas lembremo-nos também das fotografias de Alfred Stieglitz ou de Dorothea Lange, dois nomes consagrados. Menos conhecido foi Lewis Hine que dedicou grande parte da sua atividade de fotógrafo documentando cenas de trabalho infantil nos EUA.

Entre 1908 e 1912 Hine registou com a sua câmara aquilo que chamou de rostos da juventude perdida: crianças de todas as idades, algumas de apenas cinco anos, trabalhando como adultos. E não se julgue que eram trabalhos leves, pelo contrário. Encontramos meninos e meninas nas fábricas, no comércio, na pesca, nas minas, desde o amanhecer até noite alta, por vezes mais de doze horas...

O fotógrafo conheceu a todos: Michael, Manuel, Camille, Pierce. Conheceu as histórias de cada um. Posaram para ele, às vezes com o orgulho ingênuo de quem se julga gente grande, embora nos seus olhos estivesse toda a tristeza do mundo. As imagens são lancinantes, não se consegue fixá-las sem uma ponta de comoção.

Algumas destas crianças não passaram da sua meninice. Outras sobreviveram, cresceram e prosperaram, mergulhando fundo na embriaguez do grande sonho americano.

Fonte: Obvius















Lewis Wickes Hine (1874-1940), estudou Sociologia em Chicago e Nova York antes de trabalhar  na Escola de Cultura Ética (Ethical Culture School). Comprou sua primeira câmera em 1903 e aplicou a fotografia ao seu ensino estabelecendo o que ficou conhecido como fotografia documental. Em 1908, continuou suas pesquisas de campo com fotografias de trabalhadores metalúrgicos de Pittsburg.
Ele passou grande parte da sua vida registrando cenas que para a sociedade atual seriam inaceitáveis. O contexto daquela época (anos 1910, 20) carregava consigo uma série de injustiças, especialmente no que dizia respeito aos imigrantes e às crianças. Trabalhavam em condições terríveis e não eram bem remunerados, como se sabe.

Em 1908 o Comitê Nacional do Trabalho Infantil contratou Hine como seu detetive e fotógrafo, onde trabalhou por oito anos. Isso resultou em dois livros no assunto, "Child Labour in the Carolinas"  e "Day Laborers Before Their Time". Em 1909, publicou o primeiro artigo sobre crianças trabalhando em situação de risco.

Lewis Hine usava alguns artifícios para entrar nas fábricas de forma sutil. Para poder fotografar, inventava uma desculpa para entrevistar as crianças. Escondia em um dos bolsos a câmera e fingia tomar notas com um bloquinho. Muitas vezes se passava por um inspetor de incêndios. Assim, capturava fotos reveladoras sobre o verdadeiro funcionamento das fábricas dispostas por todo o território dos Estados Unidos.
Os dados estatísticos obtidos e as exposições fotográficas foram usados como armas para sensibilizar a opinião pública norte-americana, até que em 1916 o Congresso aprovou uma legislação de proteção à criança.

Pelo que se pode perceber em seu trabalho, não havia nenhum tipo de manipulação, até porque essa era uma de suas crenças, e também uma regra. Para ele, a imagem só tinha credibilidade quando não havia sequer um tipo de manipulação seja na cor, no contraste, ou o que fosse. Ao referir-se às suas fotografia usava a palavra "crua", que é auto-explicativa.
Lewis Hine usou sempre a fotografia como forma de denúncia social, mostrando as injustiças e as mazelas da sua época, pelas quais se sensibilizava.



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Izabel Liviski é Professora e Fotógrafa, doutora em Sociologia pela UFPR.  Pesquisadora de História da Arte, Sociologia da Imagem e Antropologia Visual.  Escreve desde 2009 a Coluna INcontros na Revista ContemporArtes.

1 comentários:

Francisco Cezar de Luca Pucci disse...

Izabel, duas aulas em uma: o texto, uma fotografia dos primórdios do capitalismo norte-americano; as fotos, textos dessa mesma época. Dialética interessante.
A colocação de que as fotografias não deviam ser manipuladas me pareceu muito interessante. Geralmente eu pensava na manipulação dos textos (e títulos) e nunca havia pensado mais seriamente no poder ideológico da manipulação das fotos.
Parabéns!
PUCCI

23 de setembro de 2011 às 11:12

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