sábado, 12 de novembro de 2011

O velho e bom Camões



Nenhum fato da vida de Luís Vaz de Camões pode ser proferido como verdadeiro, não há dados suficientes que mostrem como viveu, onde, com quem ou mesmo se tudo o que ele escreveu é, realmente, criação sua. Há sim alguns fatos, tidos como prováveis, relatados em documentos oficiais, e também em biografias dos nobres da época - que de alguma forma se relacionaram com esse autor – que são fatos utilizados por historiadores, críticos literários e escritores para traçar uma ideia do que foi a vida de Camões.

Especula-se que ele tenha nascido por volta de 1524-1525, não se sabe onde e, mas, conhece-se que não era um nobre, que frequentava a vida boêmia de Lisboa e também a corte. Foi uma pessoa que participou de farras, de arruaças, brigas e um fato interessante, foi o de Camões, considerado o maior poeta da Língua Portuguesa, não ter frequentado o circulo dos letrados de sua época.
Por ter uma vida conturbada e aventurosa, esse autor não era bem quisto pelas autoridades, muito menos pelos letrados da época, isso se comprova no momento em que Camões fere um homem em uma luta, é preso e depois é “deportado” para a índia como um soldado de guerra. Várias histórias lendárias giram em torno da estadia deste homem na Ásia, um que mais chama atenção é o fato de que o barco onde ele estava  naufragou e ele deixou de salvar a mulher amada para salvar os manuscritos d’Os Lusíadas.
A estadia dele na Ásia também foi marcada por confusões e tumultos, e com a ajuda de amigos conseguiu pagar suas dívidas e voltar para Portugal.Após chegar neste país, Luís  Vaz de Camões buscou editar Os Lusíadas e segundo Saraiva e Lopes (1996) essa obra alcançou um certo status, tendo suas composições percorrendo o território português.
Camões foi um autor efetivamente versátil, que escreveu poemas amorosos (lírica), poemas épicos (Epopéia) e também peças teatrais. Porém ele obteve um maior destaque em relação à sua obra épica, à Epopéia Os Lusíadas.
Este homem foi um autor de destaque, pelo fato de não ter se limitado a uma forma de escrita ou uma corrente que era vigente na sua época, a obra camoniana abrangeu correntes artísticas e ideológicas distintas, nela ele foi capaz de  assimilar diferentes valores e tópicos característicos  no século XVI. Ele soube também sintetizar os elementos da tradição literária portuguesa e as inovações que vieram do estrangeiro, principalmente, da Itália.
Já havia uma idéia de criação, por parte dos governantes portugueses, de uma obra que exaltasse todo o caráter de conquistas e aventuras de Portugal, perante as outras nações, ou seja, de um poema heróico que cantasse a expansão portuguesa. Camões é  a pessoa que consegue descrever esse processo expansionista português com grande maestria, para isso ele buscou escrever nos moldes Greco-romanos e dialogou constantemente com as obra épicas da Grécia e Roma antiga: Ilíada, Odisséia e Eneida.
Há uma questão em que o autor se baseia para construir sua obra, que é o fato de que da mesma forma em que outras nações exaltaram seus feitos e conquistas, os portugueses mereciam, também, uma canção épica que fizesse justiça às grandes navegações e à expansão mundial que se iniciou por causa daquela.
A obra camoniana dialoga com os textos de Homero e Virgílio, e também não exclui uma marca intertextual com o texto histórico ( mapas, histórias de viagens e um contexto cultural de crença na possibilidade humana de avanças e vencer desafios) e o texto literário, esse diálogo nasce a partir de uma motivação simbólica para consagrar um valor de virtude.
Como todos os escritores, Camões não escreveu um texto totalmente original, ele elegeu os textos com os quais dialogaria. Ele viveu em um período estético marcado pela primazia do clássico, por isso dialogou com os mitos gregos e romanos.
Os moldes em que Camões se baseou para a escrita de sua obra, eram moldes ligados diretamente às lendas, às criaturas majestosas, a Deuses que participavam da vida dos homens. Os homens por sua vez deveriam agir como verdadeiros heróis para fugirem do destino traçado para eles e para buscarem superar  através da astúcia e força os seus adversários e até os Deuses e os obstáculos que estes colocariam para tais “heróis”, esses homens buscavam superar condições inimagináveis e se sobressair a todas as lutas, como verdadeiros imortais.
Segundo Saraiva e Lopes (1996), Camões se baseou principalmente nos textos homéricos, pelo fato destes terem surgido como literatura oral e tidos como verdadeiras as suas histórias, e que depois de várias mudanças ocorridas, devido ao fato destas canções épicas terem  diversificadas versões, elas se tornaram muito inverossímeis.Ou seja, por terem sido as duas primeiras obras a criar esse modelo de epopéia é que Camões se baseou nos textos homéricos, para ele a Eneida teve sim importância, mas não tanta quanto os outros dois, pelo fato de ter sido criada a partir dos modelos de Homero.
O autor escreveu a exortação a Portugal e seu povo – com um recuo do olhar no passado - , se apoiando num passado de uma população que já estava recuada e que já havia perdido todo o brilhantismo que lhe cabia e que viveram durante  os anos iniciais da expansão marítima.Ele fez isso como uma ótica do presente e disse que essa história por ele escrita, que ele viveu, viu e sentiu, faz jus ao povo português , pois foi o momento em que Portugal deu ao mundo novos mundos, ele trabalhou, então, com a tentativa de impedir um esquecimento de uma era tão grandiosa para sua nação.
 A obra camoniana foi a única capaz de dar forma a um sonho de criação de uma epopeia de Portugal, este autor, através de sua criação artística, conseguiu feitos nunca esperados, e altamente a frente séculos e séculos de sua época, já que depois dele não se conhece nenhum autor que conseguiu de maneira majestosa exprimir a soberania de um povo perante aos demais. Esse ideal humanístico de Camões, de exaltação do humano, é um impulso de construção d’Os Lusíadas, pois este livro diz respeito a uma experiência do mundo em que o homem é o centro, existe uma crença na capacidade de superação do ser humano.
No momento em que o mundo deixara de ser teocêntrico, as pessoas já não acreditavam mais em vários Deuses , como os Deuses gregos, momento em que  os modelos literários que prevaleciam eram os do romance de cavalaria e  que a narrativa – oral ou não – maravilhosa, perde lugar para à leitura de textos mais limitados, desprovidos de qualquer característica do maravilhoso, Camões busca novamente o gênero épico.
Possivelmente, para o maior autor de Língua Portuguesa, o texto para ser considerado engenhoso, ele deveria seguir modelos ditados pela antiguidade, para ele um valor mais alto deveria surgir e se impor como superior aos que o antecedem.Deveria surgir um canto que superasse os modelos dos grandes textos anteriores a ele.
A partir da idéia de expansão marítima portuguesa é que nasce a ideia de uma epopeia. “Segundo essa ideologia, os Portugueses cumpriam uma missão providencial, dilatando tanto o Império como a Fé: eram os cruzados por excelência.[1]”Ou seja, segundo a visão do autor, os homens que participavam efetivamente da expansão marítima portuguesa agiam de maneira expansionista, não só no sentido de aumentar o império, mas também de levar junto com essa crescimento a ideologia cristã (Católica) e expandi-la também.
Nota-se neste ponto que Camões, por mais arruaceiro que possa ter sido, se revelou como um homem que amava a seu rei, seu país e seguia “fielmente” a doutrina da Igreja Católica, ele vivia ainda em um ambiente  impregnado pelas cruzadas em relação aos mouros, à expansão das terras portuguesas e de toda  a ideologia que conseqüentemente a ela tinha se tornado inerente. 
O autor enxerga a história de Portugal, a história da expansão, como uma verdadeira cruzada que deveria servir de exemplo aos demais povos cristãos. Vale ressaltar todo o ideal guerreira de conquista que perpassa o texto camoniano. Na obra deste autor ele exprime a ideologia de uma nobreza guerreira – herança da idéia de nobreza guerreira que perpassou pela Idade Média – e  culta, dentro da qual ele está contido.
Ele se fixa tanto na ideia de expansão, que desconsidera a ganância mercantil, os comerciante e o comércio – que antes era  a economia para a qual os portugueses se dedicavam – era algo muito ínfimo perante tudo de novo e grandioso que surgia.
Para a escrita de sua epopeia, Camões escolheu como tema toda a história portuguesa e, conseqüentemente, dos portugueses, por esse motivo dá ao livro o nome de Os Lusíadas, que remete a lusos, que seria o povo português.
O autor, ao contrário de Homero e Virgílio, não elegeu um só herói para sua narrativa, ela é composta de vários heróis  nem tão atuantes como Ulisses e Enéias, mas escolhe uma viagem, elege uma rota para sua história que é a Viagem de Vasco da Gama. Essa viagem não foi suficiente para a construção de uma epopéia, pois faltava-lhe enredo e paixões, ela era composta somente por uma narrativa cronológica.
Por esse motivo, o poema é constituído de protótipos Greco-romanos, principalmente de disputas entre os Deuses, como se um Deus estivesse a favor do povo português e outro não e os dois estivessem entre si em uma luta constante.Os obstáculos e lendas que os portugueses enfrentaram em toda a jornada da expansão foram narrados inspiradamente nas narrativas de Homero e Virgílio. Isso Que dizer que “ a mitologia desempenha portanto uma função  central n’Os lusíadas: a de lhe dar uma unidade de ação  enredo dinâmico.Mas Camões procurou tirar dela um partido concepcional e estético mais original[2]”.
Além de contar uma história, ele também descreveu em sua obra acontecimentos, doenças, obstáculos que enfrentavam durante as viagens expansionistas. Descreveu regiões, fenômenos naturais, ele utilizou de tudo de maravilhoso que as descobertas lhe proporciovam para  a construção de sua obra, trouxe à tona verdades, mentiras e mitos os quais por séculos não deixaram que os homens tentassem vencer o mar e buscar novos mundos.
N’Os Lusíadas há também toda uma exaltação do amor, não como um fato erótico, mas como uma tensão que  transfiguração de todo essa mundo encantador e maravilhoso real e amoroso.O mito antigo assume a função alegórica, os feitos portugueses são ainda mais intensos que os de Ulisses e Enéias, aqueles também lutam contra bestas, contra Deuses e se engrandecem ao ponto de se tornarem os verdadeiro Deuses do mar e da expansão marítima.
O amor que nasce no “Herói” camoniano diz respeito muito mais a um amor pela pátria, pelos descobrimentos e até mesmo pela religião, do que a um amor carnal que os heróis Greco-romanos estavam envolvidos em suas histórias. Aquele tenta passar para a História do mundo como o homem que descobriu o mundo, que fez a ligação entre mundos diferentes, que expandiu as fronteiras do que se conhecia como terra, que proporcionou a todos uma expectativa e um anseio por uma vida melhor relacionada a ambientes extremamente maravilhosos e encantadores. Foi esse herói de Camões, o homem capaz de enfrentar os medos, os mares, os mitos, e descobrir para sua pátria um novo horizonte de vida.
Segundo Saraiva e Lopes (1996) na epopeia camoniana são encontradas as únicas críticas sociais feitas por camões – formuladas a partir de um ponto de vista aristocrático e monárquico – em que ele se recusa a cantar a “virilidade” do rei ou a ambição dos aduladores deste, de suas amantes e também há uma crítica aos clérigos que ao invés de se preocuparam com a salvação das almas e em expandir a palavra de Deus, se preocupam somente com dinheiro e ambições.
O autor em questão, transmite-nos a idéia clara de que ele não vê o processo expansionista como uma revolução social, mas sim como um processo político, estético , religioso, científico e estético, que já é motivo de orgulho para a nação portuguesa.
Todo o sentimento patriótico da obra camoniana serviu não somente para exortar o feitos de guerra de um povo sofrido, por causa destas, mas também como um culto ao idioma que Camões , senão é o responsável, é um dos grandes responsáveis pelo estabelecimento do Português como idioma- idioma esse que juntamente com as expansões marítimas se expandiu e hoje é falado em quase todos os continentes terrestres.

Referências Bibliográficas:
SARAIVA, António José e LOPES, Oscar. História da Literatura Portuguesa. Porto: Porto Editora, 1996.










Rodrigo C. M. Machado é mestrando em Letras, com ênfase em Estudos Literários, pela Universidade Federal de Viçosa. 




[1]  Idem, Ibdem, p.334
[2] Idem. Ibdem. P.337

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