segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Um dia de aniversário



           Hoje eu tomo a liberdade de publicar um conto meu. Um conto cujo título tem tudo a ver com o dia de hoje. Sem mais, deixo que o leitor se deleite com o texto.


Ele acordou. Não era um dia comum, como qualquer outro. Era o seu aniversário. - Grande coisa! - Como de rotina, despertou, abriu o blackout de seu quarto, abriu a janela. Respirou um pouco daquele dia. - Que dia! -. Foi ao banheiro. Escovou os dentes, vestiu roupas, tomou banho, fez a barba, penteou o cabelo. Nada foi nessa ordem. Mas fez tudo o que devia fazer. Ligou o computador. Não nessa ordem. Abriu seu email, suas redes sociais - facebook e twitter - e fechou. 15 minutos.

Estava feliz. Nenhuma razão aparente. - Ah, era meu aniversário! -. Mas essa não era a razão de sua felicidade. Tinha outra, mas não queria revelar logo pela manhã. Comeria o pão de ontem, se não estivesse cheio de formigas. Preferiu o achocolatado - Toddynho -. Saiu aquela manhã de casa, como qualquer outra manhã. 10 minutos.

08 minutos. Chegou na escola. Sempre adiantado. Não eram 7 ainda. Mas já haviam muito mais que 7 na sala dos professores. Vieram dar os parabéns. Não que todos lembrassem da data. O mural da escola acusava os aniversariantes do mês, com aqueles balões coloridos, impressos diretamente do clipart. Afinal, era onde a secretária da escola sabia trabalhar bem. Word. - Mentira! - Ela era melhor em adicionar os amigos que nunca conheceu em suas redes sociais - Orkut, ainda não sabia mexer no Facebook. Entrou no próprio Orkut apenas quando não era mais por convites e nem em inglês -. Não ganhou nenhum presente especial, até então, não ganhara nenhum. 12 minutos.

Chegou para dar sua aula. - Surpresa! - Era um amontoado de adolescentes, ou jovens, que fizeram uma festinha. Bolo de chocolate, Coca-cola, salgadinhos... Seria uma recepção calorosa, se a maioria desses alunos não quisessem apenas não ter aula nesse dia. Deu certo. As vezes é bom sair da rotina, usar o que a vida lhe oferece a seu favor. 54 minutos.

Os alunos, porém, não escaparam do segundo horário. Ele não tinha o terceiro. Depois haveria reunião. Chatíssima. Foi cancelada. 3 horas.

Almoçou em um restaurante muito caro. Resolveu gastar aquele dia. Gastou mesmo. Almoço e compras no shopping. Trocou de celular, comprou um relógio, uma carteira, alguns adesivos- pra quê? - roupas... só não usou todo o limite de seu cartão, pois era ilimitado. 4 horas.

No caminho de casa, os familiares ligaram. Iriam fazer uma festinha para ele - uma reunião. Cada um iria levar algo para comer e beber. Casa cheia, cerca de 12 pessoas. Agora sim ganhou presentes. Seus pais te deram um novo liquidificador, ele precisada - e como eu precisava. Ganhou de seu irmão um tablet (único item que não comprou, pois já era presente anunciado). O presente mais surpreendente foi de um primo. Ele deu um livro de auto-ajuda. Afinal, para professor de literatura se dá livros de presente. - Livros?! - Livros! - Livros... O título não lembro, era alguma coisa referente a mito, mitologia, ensinamento chinês, tailandês e o monge... algo do tipo. Festa ao fim. Convidados - que não chamei - indo embora. 3 horas.

Ainda restavam algumas horas do dia para limpar toda a bagunça. Começou. Jogou o liquidificador velho fora, e também a caixa do novo. Odiava guardar caixas e outros badulaques. Odiava quando diziam "Guarde, vai que um dia precisa?" - Se precisar eu compro! O que não vou é encher minha casa de coisas que não preciso! -. Jogou lixo fora, limpou, guardou, lavou... não nessa ordem. Mas fez tudo o que deveria fazer. O que não sabia o que fazer era com o livro que ganhou...

Iria guardar junto a outros, Guimarães, Balzac, Dante, Flaubert, Machado... mas um auto-ajuda não merecia estar ao lado dos grandes, ele sempre retrógrada dizia. Não sabia mesmo o que fazer com o livro. Sem opção, resolveu ler. Virou a noite lendo. leu o livro inteiro em uma noite. Após o fil da leitura jogou o livro longe e foi dormir. Caía de sono. Acordou horas depois. Estava pronto no outro dia para dar aula. Seguiria a filosofia chinesa, japonesa, holandesa e do monge... Parecia boa.

Não abriu o blackout, sequer a janela. Estava escuro. Sem perceber, tropeça no livro que havia jogado no chão. Cai. Bate a cabeça no criado mudo. Ambos nada falam. Naquele dia não foi dar aula, não seguiria a filosofia nova que resolveu adorar e nunca saberíamos o motivo da felicidade do dia anterior. O telefone tocava sem parar aquela manhã. A escola teve que substituí-lo naquele dia, e no dia seguinte e no outro. Os mais bem humorados diziam que ele saiu da vida pra entrar na literatura, em um clichê, talvez uma verdade. Ninguém saberia dizer.



Renato Dering é escritor, mestre em Letras (Estudos Literários) pela Universidade Federal de Viçosa (UFV), sendo graduado também em Letras pela Universidade Federal de Goiás (UFG). Atua como Professor em Literatura pela Universidade Federal de Goiás - Campus Jataí. Desenvolve pesquisas na área de Literatura e Cultura, Contística, Literatura Brasileira Contemporânea e Cinema.




2 comentários:

Cairo Trindade disse...

imagine: li este conto hoje, dia de meu aniversário. foi por si só uma celebração, já que não comemorei. gracias!

26 de novembro de 2012 às 23:34
Renato Dering disse...

Foi minha celebração também, Cairo. Obrigado pelo comentário.

29 de novembro de 2012 às 12:44

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