Direito à Memória e Africanidades
Durante
os dias 21, 22 e 23 de Novembro de 2013, ocorreu no campus da Universidade
Federal do ABC (UFABC) em São Bernardo do Campo-SP, o "Encontro da Diversidade Cultural do
ABC". O evento foi realizado pela UFABC e pelo SESC Santo André, com a
iniciativa da Pró-reitora de Extensão da UFABC e do Fórum Permanente de Debates
Culturais do Grande ABC e contou com a colaboração da Cultura Viva Santo André.
Começo
este artigo com as palavras do diretor regional do SESC São Paulo, Danilo
Santos de Miranda e o Pró-Reitor em exercício da UFABC, Prof. Francisco Comaru:
"Dialogar sobre temas como diversidade, produção e gestão cultural
requer disponibilidade para a troca e a reflexão acerca da complexidade dos
aspectos envolvidos na construção destes conceitos. A disponibilidade e o
desejo de enfrentar estas questões agregaram o SESC e a Universidade Federal do
ABC, instituições parceiras na realização deste Encontro da Diversidade
Cultural do ABC, com a participação efetiva de atores da sociedade organizada
representada pelo Fórum de Debates Permanentes e o Movimento Cultura Viva de
Santo André." (Miranda).
"O
Encontro da Diversidade Cultural do ABC é fruto de um processo de construção
coletiva envolvendo qualificados e legitimados parceiros regionais com larga e
intensa experiência no campo da cultura. Como todas as universidades públicas,
a UFABC tem um papel importante no tocante à definição e a implantação de sua
política de cultura e de extensão, além do ensino e da pesquisa. Esperamos que
o Encontro possa produzir vigorosos frutos, na perspectiva de ampliar o
conhecimento dos saberes e práticas culturais da região do ABC e,
particularmente, amplificar nossa capacidade de reconhecer as identidades e
alteridades que conformam este universo rico e diversificado." (Comaru)
É fundamental que ocorram
eventos desse nível e que envolvam toda a comunidade externa e acadêmica.
Deve-se haver um diálogo entre as diferentes formas de culturas e troca de
saberes entre elas, uma vez que essa troca permite a nós um maior entendimento
sobre a diversidade cultural que existe em nosso rico país e faz com que
enxergamos e respeitamos aquilo que era desconhecido até então.
O GT-2-Salvaguarda do direito a
memória e identidade cultural teve como mediadora a Profa. Dra. Ana Maria Dietrich
(Figura 1), docente da UFABC do Bacharelado em Ciências e Humanidades e
coordenadora de projetos de Extensão da Universidade, como o Memória dos
Paladares e Batuclagem. É doutora em História Social pela USP e pós-doutora em
Sociologia pela Unicamp. Em resumo o
GT-2 tinha como objetivo propor uma reflexão que a Salvaguarda do patrimônio
cultural, material e imaterial, deve representar um dos pontos centrais de
atuação das políticas culturais na busca do reconhecimento e identificação dos
valores simbólicos e das práticas do presente como forma de elaboração coletiva
do futuro desejado. Contou com a apresentação da Profa. Dra. Ana Maria Dietrich
"O direto a Memória X O dever a
Memória". Relatos de experiência do Pai Nelson de Iyêmanjá, contando
um pouco da história do Terreiro de Iyêmanjá e do Leandro Valquer do Grupo de
Jongo Preta Bandêra de Santo André.
Figura 1 –
Profa. Dra. Ana Maria Dietrich
|
O
grupo começou com o relato de experiência do Pai Nelson (Figura 2). Sua mãe
carnal há 50 começa a história ligada aos preceitos religiosos do culto
umbandista em uma casa, onde realiza atendimento espiritual. Aos oito anos de
idade, pai Nelson incorporou pela primeira vez um índio chamado Caboclo Peri,
que através da orientação espiritual de Mãe Augusta, passou a auxilia-la nas
tarefas gerais e religiosas do terreiro. Em 1974 saiu da Umbanda para se
iniciar no Candomblé na nação Ketú e em 1998 assume a nobre missão de zelar
pelos Orixás e a cuidar da espiritualidade da casa que permanece há 50 anos.
Pai Nelson de Iyêmanjá cultua os Orixás com senso, fé, respeito e dedicação,
por ser um legado de suma importância deixado pelos ancestrais
afro-brasileiros.
Figura 2 –
Pai Nelson
Pai
Nelson conta que não foi fácil manter a casa em funcionamento durante esses 50
anos. "Existe muito preconceito e
falta muita compreensão religiosa. Candomblé é uma religião e manifestação da
natureza". Ele espera um dia em que as pessoas respeitem e que vejam o
Candomblé como uma religião como as demais, que não julguem como coisas do
submundo, pois ali também tem Deus. Gostaria de um dia ver a comunhão das
religiões, sem preconceito e intolerância. Contou que tem coisas que
entristecem, como por exemplo, pessoas antigas e sofridas e que pertencem ao
Candomblé são muitas vezes taxadas como se fossem pessoas do mal, e que estão
naquela situação devido as suas experiências com a religião. Diz que o
Candomblé deve ser respeitado e lembrado, pois é uma herança e faz parte da
História do Brasil.
Em seguida, a Profa. Dra. Ana
Maria Dietrich iniciou sua apresentação intitulada "O direto a Memória X O dever a Memória" (Figura 3)
indagando o que deve ser preservado em termos de memória e em termos de
patrimônio? Sobre o direito a memória citou
a cidade de Ouro Preto-MG. Na praça central há o monumento de Tiradentes e o
museu da Inconfidência que relembram o passado e as atividades daquele grupo,
que foram de extrema importância na história do Brasil. Mas e as memórias dos
quilombos que existiam naquela região, onde estão? Pergunta ela. Houve uma
batalha de diversos grupos e a memória hegemônica da cidade de Ouro Preto é a
memória relacionada ao passado de Tiradentes e ao passado colonial.
Figura 3 -
Apresentação "O direto a Memória X O
dever a Memória"
da Profa. Dra.
Ana Maria Dietrich
Sobre
o dever a memória (que está relacionada a algum acontecimento traumático que
devemos ter o dever de lembrar), ela diz que é mais complicado, mas citou como
um exemplo o Holocausto, que é um assunto de debate mundial, pois muitas
pessoas morreram e sofreram, e essa fato a sociedade tem o dever de lembrar.
Porém há grupos que querem apagar, passar uma borracha em muitas atrocidades
sobre esse passado, então historiadores erguem a bandeira do dever de lembrar a
sociedade desse acontecimento e outros acontecimentos. "... foram atrocidades terríveis dentro da nossa história e deve
ser lembrada para que isso nunca mais aconteça e para que as futuras gerações
estejam imbuídas nessa discussão e saibam o que aconteceu e se sintam
protegidas contra esse fantasma do negacionismo". Ela cita no Brasil,
um caso semelhante, que é caso da Memória da ditadura militar, citando a lei da
anistia que está sendo revista em diversos países da America Latina, mas não no
Brasil. Ela (anistia) passa uma borracha no passado relacionado a ditadura
militar. As pessoas que cometeram crimes e que estão envolvidas com o desaparecimento
de presos políticos, continuam impunes. Esse crime que o Estado brasileiro fez
durante a ditadura tem que ser punido ou indenizado.
Foi passado também o conceito de
Patrimônio. Muitas vezes patrimônio passa a ideia de monumentos e lugares.
Porém patrimônio possui um conceito mais amplo. Por exemplo, conceito de patrimônio
cultural e a questão do pertencimento que está ligado a um grupo de identidade.
O relato do Pai Nelson é um patrimônio, dado pela fala, oralidade. O Brasil é
um país essencialmente oral. Patrimônio então não é um monumento como muitos
pensam. É uma percepção que temos da própria vida e de tudo o que ela
representa, os demais seres, a natureza, o humano como ser biológico e social,
produtor de cultura, isso é também é produto da trajetória humana sobre o
planeta, seria um patrimônio cultural. Por fim ela enfatiza que não devemos
pensar o patrimônio como algo antigo, que sobrou, mas como algo vivo, algo a ver
com a nossa identidade.
Por fim, Leandro Valquer (Figura
4), do grupo de Jongo Preta Bandêra de Santo André contou um pouco sobre a
história do grupo. Fundando em janeiro de 2013, se originou de outros grupos
locais como o Toadas e Atrovadas e Angô Anama. O Preta se propõe a pesquisar
única e especificamente a prática do jongo (Manifestação cultural e de
resistência que surgiu no sudeste do Brasil no período da escravidão) em toda
sua rica diversidade de expressões e maneiras diferentes de fazê-lo. A meta do
grupo é a interação da arte com o público por meio de apresentações em espaços
diversificados, especialmente espaços de culturas alternativas, movimentos
sociais e ruas e praças públicas, onde são realizados os ensaios do grupo e,
desta forma, ocupar espaços públicos com cultura transformadora,
revolucionária, que proponha outro tipo de relação com a cidade.
Figura 4 – Da esq.: Pai Nelson, Profa. Ana M. Dietrich e Leandro Valquer
|
O
que ficou marcado nesse evento é o respeito que devemos ter com as diversas
manifestações de culturas que existem e que elas devem ser lembradas e
transmitidas às futuras gerações e jamais deixar cair no esquecimento. O que
pode parecer anormal para uns é completamente normal para outros grupos. O que
temos que fazer é compreender e nunca julgar sem antes conhecer as lutas e a
história de cada movimento cultural. Vivemos em um país com grande diversidade
cultural e em tese deveríamos estar aptos a conviver com tantas diferenças que
existem nos quatro cantos do país, porém isso não acontece na prática. As
pessoas se fecham em seus mundos e agem como se fossem superiores aos outros. Eventos
como esses promovidos pela UFABC e o SESC ainda é muito pouco para divulgar e
alcançar as pessoas e fazê-las entender que o mundo é plural e não singular.
Mas em vista de todos os acontecimentos é um passo muito importante, as portas
da universidade foram abertas para a discussão, problematização e reflexão desses
temas com pessoas "não muito comuns" da sociedade.
O GT foi transmitido ao vivo pela internet e quem quiser conferir mais um pouco do que rolou no dia acesse abaixo
Bacharelado em Ciência & Tecnologia da
Universidade
Federal do ABC e bolsista do
projeto de Extensão Memória dos Paladares
0 comentários:
Postar um comentário
Seja educado. Comentários de teor ofensivo serão deletados.