domingo, 23 de março de 2014

Ah, Curitiba, Curitiba, Curitiba!


Há algum tempo deixamos  o assunto "Teatro" de lado, e é com muito orgulho que hoje voltamos a discutir o teatro brasileiro por meio da colaboração da atriz e produtora Sonia Morena que faz uma leitura crítica da produção teatral e seu financiamento no Paraná.


 Ah, Curitiba, Curitiba, Curitiba!



“Projeto realizado com o apoio do programa de apoio e incentivo à cultura – Fundação Cultural de Curitiba e da Prefeitura Municipal de Curitiba”. 
              Os frequentadores pagantes mais assíduos dos teatros curitibanos estão acostumados a ler essa frase em cartazes de peças para variados públicos, gêneros e propostas cênicas. De fato, a inicialmente conhecida como Lei Vanhoni, aprovada em agosto de 1991, contribuiu e muito para a estruturação de espaços cênicos, incentivou a criação de grupos de pesquisas de novas linguagens e ainda potencializou o desenvolvimento de vários outros segmentos artísticos na cidade de Curitiba, motivando outros municípios e o próprio Estado a criar leis de renúncia fiscal em favor dos artistas e suas obras. 
                Nada disso é novidade para os jovens leitores, mas a propósito de comparação, houve um tempo em que não havia tal incentivo, logo havia uma quantidade menor de produções profissionais em cartaz e um movimento forte e organizado de grupos de teatro amador por toda a cidade. 

              Cada bairro tinha seu grupo e havia uma generosa troca de apresentações entre os bairros que trazia toda gente para o teatro do colégio, salão paroquial ou para a praça, afoitos por assistirem as peças feitas com tanta paixão que até a pouca experiência dos atores e a simplicidade das montagens passavam despercebidas. 
              Já os grupos profissionais se empenhavam em realizar o melhor trabalho possível para conseguir trazer público, garantir bilheteria, poder pagar suas despesas e o cachê dos atores. 
Voltando aos dias atuais, quando já há toda uma profissionalização na elaboração de projetos culturais, captação de verbas e prestação de contas, a vida cultural da cidade está exorbitante, se comparada aos anos oitenta, por exemplo. No entanto, pra quem acompanhou toda essa mudança, ficou a impressão de algo se perdeu pelo caminho. 
                  Dos mais românticos e idealistas sobraram críticas a quem soube ganhar dinheiro com arte. Isso talvez porque, no início, alguns empresários da área acabaram tentando monopolizar o acesso às verbas públicas. Algumas polêmicas desconcertantes depois começaram as revisões no texto da lei, o que segue acontecendo até hoje. Talvez faltasse aos artistas da época certa maturidade para lidar com tanto dinheiro, que nem era tanto assim, mas certamente era uma fonte que garantia o pagamento da produção e dos profissionais, sem a necessidade de que houvesse garantia de público e bilheteria.
             Liberdade! Liberdade para criar, para montar aquele texto sonhado, experimentar novas linguagens, ter o direito de exercer o ofício de artista criador, mergulhando em processos criativos que poderiam demorar meses, muito diferente dos antigos ensaios rápidos para montar algo em um mês e garantir (?) o leitinho das crianças. Nessa transição observamos que as peças são montadas com o incentivo da lei de renúncia fiscal, mas continuam cobrando ingresso. Talvez a grande perda tenha sido daquele acesso que o público tinha de forma mais democrática às peças de Teatro. 
                 Não importava se eram profissionais ou amadores, o público era cativado pelas boas peças e havia um deleite maior e mais frequente. A pergunta que fica talvez seja qual a função que o poder público tem e qual é a função que ele exerce de fato. Existe verba, programas de apoio e incentivo à cultura, mas existe uma política cultural justa e equânime? Se acaso esse texto lhe parecer muito batido, ou até antiquado, saiba que esse problema só aumenta e a cada nova gestão política, renovam-se as esperanças de que os objetivos mais nobres em incentivar a cultura numa cidade tão bem quista como a nossa Curitiba velha de guerra* sejam finalmente consolidados e que, como resultado para o bem de todos, haja a integração da arte e da cultura em todos os segmentos da sociedade, contribuindo no desenvolvimento da cidadania, além de proporcionar ao contribuinte um retorno, um contorno, um acesso, uma volta ao deleite lúdico e merecido.

*Curitiba velha de guerra, estreou em 1979 com direção de Antonio Carlos Kraide e um grande elenco.

Sonia Morena, 43 anos, atriz desde 1984, atuou em mais quarenta peças em vários gêneros e público diverso, também é Diretora, Professora, Produtora Teatral, com ampla experiência em eventos culturais para empresas e escolas. Desde 2012 dedica-se à Fotografia e a peças Audiovisuais. Formada pelo Curso de Ator – Colégio Estadual do Paraná (1990), em Artes Cênicas – Bacharelado em Interpretação – Faculdade de Artes do Paraná (2000) e Master Class en Interpretación - Escuela de Teatro David Amitín, Madri (2010). Atualmente, prestes a estrear seu monólogo em comemoração aos trinta anos de Teatro, dirige seu próprio grupo e faz coaching de interpretação para Teatro e Cinema.

3 comentários:

Soraia O Costa disse...

Importante reflexão. Parabéns!
Vou compartilhar iniciativa com camaradas de Curitiba!

24 de março de 2014 às 14:48
Olinto A. Simões disse...

Soninha querida:

- Ao ler seu artigo, revi-me nas antiga e saudosa campanha que fazíamos, como você bem frisou, lá pelos anos 80, quando uma Kombi vendia os ingressos, no meio da Rua XV, e nós "Artistas" com garbo e elegância ostentávamos um 'Boton' de plástico com alfinete de fraldas, feito à mão, coisa muito artesanal, mas, que não saíamos de casa sem que 'aquilo' estivesse preso ao peito.

Hoje vejo gente que diz..., "Eu faço Teatro", e melhor faria se o fizesse na expressão da palavra, colocando tijolo sobre tijolo, e nem sei se o Mestre de Obras contrataria tal pessoa, de tão ruim que é. Claro é óbvio que sei, existirem os bons, jovens e atuais talentos, como que a garantir que toda regra tem a exceção necessária.

De mais, reconhecer que você tem história no Teatro Paranaense e Mundial, seria chover no molhado. Contudo, quantos de nós, que vivemos a Arte, também na expressão da palavra, somos responsáveis por tudo que acontece nos dias atuais ?

Nossos sonhos, nossos ideais, nossa história nos precedem, mas, a bem da verdade, precisamos das 'Leis' de incentivo, as tais que oferecem a quem "Mecenas" não é, o direito a renúncia fiscal, uma renúncia que a nada renuncia, pois, somos nós que pagamos os mesmos impostos que nos dão, para que sobrevivamos no nosso 'Digno Trabalho'.

Se é assim que segue a vida..., "Que se abram as cortinas", porque nós, teimosos sonhadores..., ainda continuamos aqui.

Um beijo.

24 de março de 2014 às 17:20
Olinto A. Simões disse...

Terceiro sinal..., estou indo.

24 de março de 2014 às 17:21

Postar um comentário

Seja educado. Comentários de teor ofensivo serão deletados.