domingo, 2 de agosto de 2015

Fim de mundo que liberta.



Às vezes nossa pior tragédia, pode ser nossa salvação.
É difícil pensar isso, porque nossa pior tragédia parece ser o fim de tudo, sendo difícil mesmo imaginar uma continuidade qualquer depois dela.
Mas nossa pior tragédia pode ser tudo o que a gente precisa pra se reinventar, viver de um outro jeito, iniciar uma nova forma de levar a vida, uma nova maneira de encarar o mundo e encontrar soluções para problemas truncados, questões que pareciam insolúveis.
A nossa tragédia particular é, sob esse ponto de vista, libertadora. Quando o pior que nos poderia acontecer, enfim acontece, é como se a partir de então não houvesse mais o que temer, e se pudesse seguir em frente sem o peso de evitar uma perda... parece que, afinal, nesta caminhada, tudo foi pensado, cuidadosamente arquitetado, para "sofrer" perdas.
E não há o que se fazer a esse respeito, a não ser conformar-se, adaptar-se, desapegar-se.
Sou uma pessoa apegada. Coleciono coisinhas, que sei dizer o dia em que foram havidas, as pessoas a que me remetem, às vezes a roupa que eu vestia.
Sou tão apegada que as músicas, por exemplo, raras exceções, ficam indelevelmente ligadas aos momentos de vida que permearam, episódios da minha história de que foram trilha sonora, e é difícil pra mim, no futuro, ouvi-las novamente, desligá-las daquele período de vida, pensá-las apenas como músicas. Fico avessa a muitas delas, não importa quanto tenham sido importantes, quanto tenham condecorado os pequenos clímax do meu enredo.
O apego...
Meu pai um dia me disse: "você se apega a tudo!" e eu pensei, com certo pesar, que era verdade.
Mas não totalmente. Aprendi, nas encruzilhadas da vida, que há certas bagagens que a gente não deve carregar. 
E hoje sou tão boa em guardar tranqueiras e penduricalhos, quanto em faxinar armários, gavetas, arruinar caixas inteiras de lembranças.
E olhar para o outro lado, hábito muito difícil, que requer prática, requer persistência... acabou virando uma sabedoria concreta, uma coisa que sei fazer bem, ainda que não sem sofrimento (ainda).
Ninguém quer que a tragédia aconteça. Ninguém anseia pelo fim do mundo. Mas de um jeito ou de outro a gente descobre que depois do fim do mundo existe um novo começo, às vezes de um mundo muito melhor e mais leve de levar. Porque depois que se abriu mão do mundo inteiro uma vez, aprende-se que é possível continuar sob qualquer circunstância e que ter o corpo, sim, parece ser fato de máxima importância.
Aquela frase batida "saúde e paz, o resto a gente corre atrás", penso que até de paz a gente corre atrás... e que saúde é o que de verdade importa, ainda que muita gente sem saúde ou com pouca saúde, consiga dar passos largos em direção à evolução e à felicidade.
Mas, pra mim, que gosto tanto da natureza, que gosto tanto de sair por aí sentindo o vento e deixando as coisas se organizarem sozinhas, como uma história que a gente conta e que vai se inventando em si mesma à medida que nasce - a saúde,  ter as pernas e poder andar, ter o corpo que seja, pra sentir mergulhar numa piscina azul numa tarde quente, ter a pele que seja pra sentir um beijo, o toque suave e terno de uma mão amorosa percorrendo as costas, é o mais importante de todas as coisas e nenhuma tragédia pode ser maior que deixar de ter o corpo (neste sentido).

Mergulhar no azul e sentir todo o corpo envolto pela água, a densidade suave da água envolvendo-nos inteiramente, como de volta ao ventre da mãe.

Um sonho:

Engraçado e bonito é que tinha uma grande piscina, e bem azul. Eu saio dela molhada e atravesso o saguão sem saber se é permitido andar molhada por ali. Encontro algumas pessoas da literatura, que, em sonho, eu conhecia e abro a porta: do outro lado há outra piscina bem azul, maior que a primeira, e eu fico admirada que haja no meu hotel duas piscinas tão grandes, perto do mar, e mergulho: tchibummmm. 
Bom presságio, porque pra mim nada se aproxima mais do conceito de felicidade que um mergulho de corpo inteiro numa piscina bem azul, em dia de sol.


que me desculpe o Chico,
mas nada é "pior do que se entrevar",
enquanto se puder correr, correr
ir por aí
tá tudo bem.

Discordo de Chico. Pra mim, nada é pior do que se entrevar. 
Mas como eu dizia ao início, mesmo depois do fato mais terrível, do assombro mais temido, da perda mais insuportável, começa uma estrada. E pode ser acalentador caminhar por ela sem apego de nada, perdido das coisas mais preciosas, tendo-se a si mesmo, apenas.
E dentro de si, a força que não acaba, a qual você pode chamar de Deus, e que você pode conhecer melhor, compreender uma nesga que seja, quando estiver despido de tudo (quem sabe também do corpo? - a minha pior tragédia).




escute esta canção e entenda com o coração, o que não está dito.









Larissa Germano é autora de "Cinzas e Cheiros" e escreve nos blogs Palavras Apenas (naoapenaspalavras.blogspot.com) e Nunca Te Vi Sempre Te Amei (cafehparis.blogspot.com), Tem perfil no facebook e no twitter e a página Lári Prosa e Trova no facebook. É também compositora intuitiva e tem perfil no Sound Cloud e Youtube.


2 comentários:

Marcos Liotti disse...

É gostoso ler um texto que espelha nossa vida... No fundo, todos vivemos tragédias que se tornam experiências do ser... Sofrimento nos eleva bastante até descobrirmos isso... Como a tragédia pode o ser para quem vive fechada em um meio, sair pelo mundo sem rumo, apenas em mente... Like this!... :)))

2 de agosto de 2015 às 13:23
Ana Dietrich disse...

Também acho que tragédias nos fazem lembrar o quão humanos somos e fazer uma escala de prioridades desapegando do que não importa. Bjs e muitas piscinas azuis para vc

4 de agosto de 2015 às 09:11

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