sábado, 21 de novembro de 2015

FESTA A CAVALOS – UM ESTUDO DA MEMÓRIA CARNAVALESCA DA CIDADE DE BONFIM- MG



“O que jamais mudará em nosso carnaval é o clima de alegria e inocência que permeia o espírito de cada cavaleiro e amazona, de cada expectador, de cada turista, enfim, de cada bonfiense que se orgulha muito de ter a tradição do “Carnaval a Cavalos” e que faz e fará de tudo para que tal tradição nunca deixe de existir.”
                                                       Grupo Carnavalesco de Bonfim.MG


           As pesquisas e estudos em torno da festa de Bonfim são variados, isso porque o tema mobiliza as disciplinas humanas e a sociedades de modo geral em entender esse fenômeno cultural da cidade, que é a festa a cavalos. Para Freud (1913), a ideia de festa associa-se aos excessos e transgressões permitidas que estivessem na base das expressões coletivas de alegria. Já para Durkheim (1912) à força criadora exercida pela efervescência social sobre a própria consciência humana. Para Bakhtin (1987), a festa, intimamente ligada à ideia de carnaval, é forma primordial da civilização humana a abrigar o princípio transcendente do cômico ridículo. Este artigo propõe a compreensão da festa, do carnaval em cavalos, não como instituição autônoma, mas como atividade ritual a compartilhar características chaves com outras atividades e condutas simbólicas. A compreensão de sua natureza, e mesmo de seus traços peculiares, inscrevem-se, assim, no amplo campo das teorias antropológicas do ritual. 

Cavaleiros de Bonfim.MG.   Fonte: Inventário de Patrimônio Cultural do Município

        A experiência brasileira das festas, assim como ocorre em Bonfim, MG emerge e contrasta fortemente com tal paisagem nostálgica. A vitalidade contemporânea das festas na cultura popular brasileira busca raízes na história mesma da constituição do país como nação. 
       O impacto da atuação do Movimento Folclórico Brasileiro foi de suma importância para a consagração de certas expressões populares como especialmente características de uma originalidade cultural nacional. No amplo conjunto de iniciativas então empreendidas em prol do conhecimento e valorização das expressões populares, vale destacar a relevância do estudo dos carnavais à cavalo, compreendidos como uma totalidade viva que articulava no ambiente festivo uma variedade de formas expressivas. O estudo do carnaval permitia a apreensão da dinâmica e do caráter contemporâneo das expressões festivas, mostrando a cultura popular como um todo integrado, inseparável da vida cotidiana (Carneiro, 1982). Entendido como objeto em ação, aberto e contraditório, ligado ao passado e expressamente adaptado ao presente - um caminho privilegiado para captar a originalidade do processo de formação da cultura brasileira e seu movimento.
           A história do Carnaval a cavalos no interior do estado das Minas Gerais, possui outras versões, segundo o Inventário de Proteção ao Patrimônio Cultural de Bonfim(MG), o carnaval a cavalos teve sua origem na metade do século XIX, como corrida de cavalos introduzida na antiga Vila de Bonfim por um padre chamado Francisco.Com o passar dos anos, a corrida se transformou em Cavalhada, uma simulação de guerra, trazendo como objetivo geral elevar a Igreja Católica e atrair fiéis, os cavaleiros derrotados imploravam pelo batismo como forma de perdão pelo ocorrido. Tal festa ocorria sempre nos dias 21 e 22 de julho.
         Ainda segundo o Inventário de Proteção ao Patrimônio Cultural de Bonfim (1999) as casas eram enfeitadas com colchas coloridas anunciando a entrada dos cavaleiros com o badalar dos sinos das Igrejas, os cavalos seguiam o mesmo padrão de enfeites, com muitas fitas, laços e penachos. Com a morte do padre Francisco, o padre sucessor proibiu a festa alegando ser profana, essa proibição foi o ponto que desencadeou a festa nos moldes que é feita hoje, no carnaval. Como era um ato proibido, os cavaleiros participantes eram considerados “infratores” e estes não poderiam ser identificados, isso explica o uso das máscaras. A resistência do povo de Bonfim em manter essa identidade cultural fez com que houvesse a manutenção da festa visse o cavaleiro como um “herói” por dar manutenção nos processos da festividade, mesmo quando estes pudessem ser ameaçados pelas “teias do esquecimento”. Segundo Candau (2012) incontestavelmente, a sensibilidade patrimonial se exacerbou ao mesmo tempo em que as sociedades conheceram uma mutação acelerada e temiam, portanto, pela perda e pelo esquecimento. Assim, garantir a existência no tempo presente de fatos que representem o patrimônio de uma coletividade é o papel de uma parcela da sociedade, que terá como função manter a existência desses elementos simbólicos. 
       Os cavaleiros mascarados tinham suas vestimentas feitas por muito cuidado e mantidas em segredo até o dia da festa, geralmente feita na sexta feira de carnaval anunciada por um fazendeiro de nome José dos Passos da Silva Pereira, montado em uma égua de cor branca acompanhado de sua escrava de confiança chamada Generosa. (CAMPOS,1990). Para a tranquila cidade de Bonfim era o anúncio que a festa iria começar, com tiros e chuvas de flores, tal tradição foi se modificando e foram introduzidos confetes e fitas.

Cavaleiros de máscara. Ano: 2013   Arquivo pessoal.

         Diante do exposto, observa-se que a antropologia contesta que em praticamente todas as culturas você tem rituais de rompimento com as normas, com as regras, como observado na história do Cavalaria de Bonfim.MG. E o Carnaval é justamente um desses rituais. Esse tempo do Carnaval, ou tempo do ritual de quebra de regras, é um tempo para revigorar as próprias regras. 


Referências
CARNEIRO, Édison. Folguedos tradicionais.Rio de Janeiro : Fundação Nacional de Arte, 1982.
CAMPOS, José Eustáquio de ,1951 – A estória da história do Carnaval a Cavalo, Belo Horizonte, Carvale, 1990.
CANDAU. Joel. Memória e identidade. Trad. Maria Leticia Ferreira. SP, CONTEXTO,2012.
DURKHEIM, Émile. As formas elementares da vida religiosa. SP : Martins Fontes, 1996 [1912]. 
FERRETTI, Sérgio. A dança do Lêle na cidade de Rosário no Maranhão. São Luís, MA
FREUD, Sigmund. Totem e tabu. Rio de Janeiro : Imago, 2005 [1913].
HALBWACHS. Maurice. A Memória coletiva. Trad. Beatriz Sidou, SP, Centauro, 2006.



Rodrigo Fraga Garvão
Especialista em Desenvolvimento Humano pela FGV. Mestrando em Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente pela Universidade da Amazônia, atualmente atua com pesquisas ligadas ao comportamento humano antropológico e meio ambiente.


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