quinta-feira, 23 de março de 2017

Como tudo começou? Um Departamento de Cultura na cidade de São Paulo

Depois de 2016, nós, brasileiros, temos vivenciado tempos difíceis!
Árduos e inaceitáveis por professores, artistas, intelectuais, estudantes e todo cidadão que atua em esferas, digamos, menos pragmáticas e lucrativas!

Por que aceitamos?

Por que não lutamos?
Lutamos!

Com palavras, linguagem não verbal
protestos virtuais
desabafo com amigos
alusão aos nossos heróis

Solução?
Apenas para os grandes empresários

Evolução. Revolução. Revoltarão.


“Cala-te boca pelas milícias do não!”


             O então “presidente” Michel Temer, em maio de 2016, decidiu extinguir o Ministério da Cultura (MinC).  Fazendo usos de verbos como “redirecionar”, “alocar”, “remanejar”, houve uma tentativa de amenizar as contestações que surgiam em meios artísticos e algumas manifestações populares contra essa decisão.
            Houve, também, pronunciamentos de representantes do governo, sobre os novos rumos planejados para o Ministério da Cultura: como vincular a Cultura ao Ministério da Educação (MEC). Essa medida parecia ser, para algumas pessoas, a decisão correta. Afinal, era (é) preciso gastar gastos, e, assim sendo, para que cultura?


          No nosso dia-a-dia é comum encontrarmos frases do tipo: “mas aquele ali não tem cultura”, “que pessoa sem cultura”...
         Se assim fosse, Michel Temer não estaria tão equivocado por extinguir o MinC para cortar gastos. Já que poucas pessoas têm cultura, de acordo com o senso comum, é aceitável acabar com um Ministério insignificante.
            Mas, vamos por partes porque a prosa é longa!
        Antes de apresentar uma contextualização sobre a criação do Ministério da Cultura, é primordial que conheçamos os motivos que impulsionariam a sua criação. Por isso, na nossa primeira conversa sobre o MinC iremos falar sobre o Departamento de Cultura de São Paulo.
        A criação do primeiro Ministério da Cultura ocorreu no ano de 1985, no governo de José Sarney. Mas vamos começar antes desse marco de Ministério independente.
            Nosso ponto de partida começa no ano de 1935, quando Mário de Andrade tomou posse como diretor do Departamento de Cultura da cidade de São Paulo. Departamento na época equivalia a Secretaria e Mário de Andrade foi o primeiro secretário de cultura do país.
Fábio Padro assumia o poder local em 1934. Pautado em ideais ideológicos, o mandato do prefeito, membro da família de maior prestígio da elite paulista, destacou-se pela tentativa de superar os conflitos das classes trabalhistas, investimento na educação infantil, gestão vinculada ao taylorismo, transformação de diretorias em departamentos, dentre as quais ressaltamos a criação do Departamento de Cultura, e algumas construções como a Avenida Nove de Julho, a Biblioteca Municipal, o Estádio do Pacaembu e o novo Viaduto do Chá que seguiam os caminhos arquitetônicos das obras do período anterior (CAMPOS, 2002, p.499).
Naquela época, a Prefeitura de São Paulo contava com seis departamentos: Obras; Expediente e Pessoal; Higiene; Fazenda; Jurídico; Cultura e Recreação.
O Departamento de Cultura abrigava ações de Assistência Social, Esportes, Lazer, de Turismo, Estatística e Planejamento, Meio Ambiente e contava com 10% do orçamento da Prefeitura, conforme decisão do prefeito do mandato, Fábio da Silva Prado.
            De início, traçaram o seguinte objetivo para o DC: “estimular e desenvolver todas as iniciativas destinadas a favorecer o movimento educacional, artístico e cultural” da cidade. Para isso, quatro divisões compunham o Departamento: Expansão Cultural, Educação e Recreio, Documentação Histórica e Social, e Bibliotecas.
            De acordo com Carlos Augusto Calil e Flávio Rodrigo Penteado, a primeira providência do DC foi atuar sobre a realidade de São Paulo por meio de pesquisas sociais e etnográficas que detectassem problemas na alimentação, moradia e educação. A ideia foi ampliada para fundir educação e lazer, visando o desenvolvimento das crianças por meio de acompanhamento profissional. Dentre os projetos criados no D.C, merece atenção as bibliotecas ambulantes e a Seção de Rádio-Escola.
            Além disso, a preocupação com o patrimônio imaterial foi uma constante na gestão de Mário de Andrade. No intuito de investigar aspectos formadores de uma verdadeira “brasilidade”, realizaram-se pesquisas de manifestações da cultura popular no interior do estado de São Paulo e na Bahia. Essas iniciativas culminaram naquele que talvez tenha sido o mais ambicioso dos projetos do Diretor do Departamento de Cultura: a Missão de Pesquisas Folclóricas.
            A meta da Missão era registrar as manifestações da cultura popular em vias de desaparecimento, face à industrialização e à difusão massificada de referências culturais estrangeiras por meio do rádio ou do cinema.
Durante cinco meses, a missão atravessou Pernambuco, Paraíba, Ceará, Piauí, Maranhão e Pará, enfrentando toda sorte de problemas, decorrentes, em grande parte, do momento político vivido pelo Brasil, pois em novembro de 1937 instalara-se o Estado Novo.
O Departamento de Cultura permitiu a Mário de Andrade colocar em prática alguns assuntos que vinha estudando e que, até então, existiam no plano teórico. Nesse sentido, ele fez desse organismo político um local capaz de implantar atividades humanistas na cidade, as quais foram demolidas em prol da priorização da urbanização da metrópole, pois governantes como Abraão Ribeiro e Prestes Maia demoliram as faíscas que sobraram do Departamento de Cultura dando ênfase na construção das grandes avenidas paulistanas.
            Com a implantação de uma nova política em 1936, os responsáveis pela fundação do Departamento de Cultura começaram a ser afastados e suas propostas iam sendo, aos poucos, exterminadas. Exemplo notório foi as apresentações artísticas exibidas gratuitamente pelo Departamento de Cultura que passaram a ser cobradas, e os concertos nos bairros operários que foram suspensos. Mário de Andrade, vítima desse sistema político, além de ser demitido do Departamento, foi reprendido pela ditadura, a qual fiscalizava cartas e crônicas do escritor.


 Referências Bibliográficas:
CALIL, Carlos Augusto. PENTEADO, Flávio Rodrigues. Me esqueci completamente de mim, sou um departamento de cultura. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2015.

CAMPOS, Candido Malta. Os rumos da cidade: urbanismo e modernização em São Paulo. São Paulo: SENAC, 2002.


Bruna Araujo Cunha é doutoranda em Teoria e História Literária pela Universidade Estadual de Campinas, mestre em Letras/Estudos Literários pela Universidade Federal de Viçosa, graduada em Letras pela mesma instituição. Tem experiência na área de Letras, atuando principalmente nos seguintes temas: Literatura e Sociedade, Literatura e espaço urbano e poesia brasileira.

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