Eu, Tituba, uma reflexão
É, Tituba, senhora menina, o sangue que percorre suas coxas, expõe seu ventre
triste, que inunda alma da mais sufocante lagrima, que transborda o peito, mas
no olho se cala. Mulher, ao corpo da vida. E a vida? Diga lá o que é minha
irmã.
Doce
Tituba, em seu olhar deslumbro o mundo, desvendo o tempo, incerto em sua
aurora, traz esperanças poentes. Mais um dia se lança, alça ao chão esperança
de um novo caminho. O que importa é estar vivo. Hoje é o nosso presente, mas,
por vezes, parece martírio.
Nesses
dias que precedem o outono senti frio, suei frio, calei frio e me reservei a
leitura, pouco escrevi, refleti incessantemente sobre o amanhã. Tive medo e
sorri exposto pelo bom gosto que tenho pela vida, tive medo e sorri nervoso por
me ver sem saída, sorri exposto e sufoquei o amargo gosto das minhas feridas,
tive medo.
Medo
de não ter trabalho pra seguir o fardo que me deu a vida, medo de cair doente,
de ter dor de dente, de faltar o leite, de ter sangue quente e enfrentar
chefia, medo da carência, da reforma da previdência, da falta de moradia.
Tenho
medo do tempo, de me ver menino, arrastado por vielas e ruas, nú, desfalecido.
De me ver homem, jogado a sorte, cravado de tiros. De me ver velho, trabalhando
de sol a sol como se pagasse dívida por estar vivo.
Pobre
Tituba, nesses dias, recordo o lamento que me cantaste ao pé do ouvido:
“A
pedra da Lua caiu na agua
Na
agua do rio
E
meus dedos não conseguiram pesca-la de volta,
Pobre
de Mim!
A
pedra da lua caiu.
Sentada
na à beira do rio
Eu
chorava e me lamentava.
Oh!
Pedra doce e brilhante,
Luzes
no fundo da agua.
O
caçador vem passando
Com
as flechas e a aljava
Bela,
bela, por que choras?
Choro
pois minha pedra da lua
Ficou
no fundo da agua.
Vou
te ajudar
Mas
o caçador mergulhou e afundou.”
Tituba,
minha mulher sofrida, me ensina a suportar minhas dores, a derramar as lagrimas
devidas, a encharcar a terra com o sangue da vida, hoje sou mais forte, pois
aceitei minha parcela de amarguras e levantei para mais um dia, o importante é estar vivo. E a vida? É...
Referencia: CONDÉ, Maryse. Eu, Tituba, feiticeira...negra de Salem/Maryse Condé;tradução de Angela Melim. - Rio de Janeiro : ROCCO, 1997.
Augusto Lopes Ferreira é historiador pelo Centro Universitário Fundação Santo André - CUFSA. Atuou como professor de história na rede estadual e privada. posteriormente migrou para Saúde mental, tendo atuado em República Terapêutica Infanto Juvenil e atualmente no Programa De Braços Abertos.
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