O acaso distraído




Se acaso ser romântico anda fora de moda, eis aqui um relato muito diferente das gélidas esquinas de concreto declamadas por Caetano. Até típico de comédias românticas holywoodianas.

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Em uma cidade do interior de São Paulo dois jovens da mesma idade, com experiências distintas e estilos completamente diferentes trabalhariam no mesmo congresso como estagiários. Ele era uma pessoa introspectiva, inteligente, alheio ao estilo mercadológico da grande metrópole da qual Safira era oriunda. Ela crescera em São Paulo e com sua personalidade forte e sentimentos frágeis, Safira procurava sempre a distância que julgava saudável de envolvimentos sentimentais.

Safira chegou em Ribeirão Preto após uma viagem de longas horas, já era madrugada e tudo se lhe apresentava muito novo, mas sua amiga Caroline, mais experiente nesse tipo de viagem, já havia preparado a estadia e todo o resto em uma república feminina de estudantes.
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No dia seguinte, ambas foram conhecer a cidade e aproveitar para se interar das atividades que as aguardariam durante os dias que seguiriam, a verdade é que o restante da equipe só chegaria nos demais dias. Embora a companhia de Caroline fosse agradável, Safira estava inquieta com a possibilidade de conhecer outras pessoas, não sabia como isso seria, se seria bom, se não seria... Tudo que ela sabia é que, de fato, isso seria necessário e aquela viagem marcaria sua experiência de vida. Foi na noite daquele dia que Caroline recebeu a notícia de que Zeider estava na cidade. Ela o conhecia apenas por foto e já havia trocado curtos emails com ele, mas nada além disso. Em sua mente, esperava uma pessoa arrogante, idéia fomentada no pouco contato que tinham, mas ela mantinha um certo respeito sobre ele.


Era segunda-feira, o primeiro dia do congresso e todos se encontraram no local do evento, ocasião onde se conheceram, Zeider e Safira. Eles mal foram apresentados: o objetivo da reunião era apenas o trabalho que seguiria. E Safira não se desiludiu da opinião que tinha, ela não teve impressão alguma sobre a pessoa de Zeider, nem se manteve preocupada em analisá-lo, tão concentrada que estava em seus afazeres. Zeider também não demonstrou nenhum olhar de interesse ou de empatia por Safira. Sem a menor sinergia, começaram a conversar despretenciosamente. Fizeram um trabalho legal e cada um foi para seu lugar almoçar e descansar.


Na parte da tarde, Caroline precisaria de auxílio no preenchimento de formulários e todos se encontraram novamente: e foi nessa ocasião que Safira notou Zeider. Nada mudara, nada acontecera, mas já não havia adrenalina correndo em suas veias e Safira notou suavemente que Zeider era uma pessoa pouco compreendida, mas especial. Eles começaram a se tratar como amigos e Zeider não manteve nenhum tipo de receio sobre ela, abaixou a guarda e passou a tratar Safira de uma forma especial.
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À noite, Caroline, Zeider e Safira foram para um barzinho na cidade, Caroline estava se sentindo um pouco só com a amizade entre os dois, que crescia a cada instante e lá no barzinho, havia esperança de encontrar mais pessoas, alguns amigos que fizeram por lá. E foi o que aconteceu: Caroline começou a conversar com outras pessoas que se sentaram à mesa, Zeider e Safira começaram a criar um mundo particular. Perto da meia noite, começaria uma festa próxima à república onde Zeider estava e Caroline incentivou que eles fossem sem ela, já que estava cansada demais e queria descansar. Safira estava exausta, queria sua cama, mas não queria se separar de Zeider, tudo acontecia muito rápido, mas Zeider a deixou confortável durante toda a viagem. A caminho da festa, Safira confessou: "não aguento mais, preciso ir para minha cama!". Eles estavam longe e não seria uma boa idéia voltar atrás e Zeider a convidou para ficar em sua república com ele. Embora Safira relutasse, sabia que não tinha outra opção: ela teria que passar a noite com ele.



Safira temia se entregar ao desejo que estava sentindo de ficar com Zeider, ela tinha plena consciência de que aquilo logo acabaria e que poderia ser uma experiência ruim. Ninguém soube me dizer o que se passava na cabeça de Zeider, mas o que me contaram eu vou dizer: parece que Zeider estava realmente preocupado em levá-la para um lugar seguro. E foi o que ele fez, sem nenhuma tentativa de nada mais, ele a levou para a república e ambos foram dormir. Safira reconheceu o respeito que Zeider tinha por ela naquele momento em que ele deitou ao seu lado sem se quer tocá-la.


O restante da equipe chegou e quando os dois foram ao encontro de Caroline, eles já estavam lá. Safira, apesar da personalidade forte, era meiga e carinhosa ao contrário de Zeider que era ríspido a maior parte do tempo, exceto quando o assunto era Safira. E essa diferença entre os dois se destacou de tal forma que a equipe apelidou o casal de "a Bela e a Fera". Mas eles não eram um casal, eles eram 2 desconhecidos vivendo uma aventura indistinta e compartilhando um pequeno pedaço de sua vida.


Eles fizeram o trabalho como deveriam e foi no quarto dia que tudo aconteceu, durante a despedida dos novos amigos, o grupo resolveu brincar de verdade ou desafio, e os inseparáveis Zeider e Safira estavam lá! Todos perceberam o que eles não haviam percebido, e entre as verdades e desafios, a equipe desafiou Safira a beijá-lo, um selinho que devia demorar 3 segundos. Ela estava tímida, mas teria que pagar o desafio, o que fazia a brincadeira valer a pena. Ela já não conseguia mais adiar a vontade que tinha de ficar com ele e nesse momento foi difícil esconder: o beijo deve ter demorado uns 10 segundos e foi só o que Safira pode fazer naquele momento. Durante a brincadeira, em uma conversa aleatória, Zeider sentiu-se extremamente invadido e ofendido com um comentário, e como não era muito dócil, deixou o grupo e foi em direção a sua república com passos largos. A rua da república era uma ladeira de pedra sabão muito escorregadia e Safira não pensou duas vezes: tirou os sapatos e foi atrás de Zeider, correndo descalça ladeira abaixo. Ficou claro a ela e a todos suas verdadeiras intenções. Os dois conversaram carinhosamente e Safira o convenceu a voltar.

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Os amigos deles foram embora e ficaram apenas os 2 casais: Caroline e Diogo, Zeider e Safira. Enquanto Diogo e Caroline, que já se conheciam a muito tempo, conversavam, Zeider e Safira ficaram de uma forma apaixonada e intensa após aquele episódio, sabendo que no dia seguinte, cada um voltaria a sua realidade.


Todos dormiram na mesma república e no mesmo quarto, porém em camas separadas. Já era de manhã quando a cama de Safira quebrou e ela foi para a cama de Zeider. Eles puderam dormir abraçados por mais 2 horas, até que tiveram que se levantar para arrumar as malas. Zeider foi embora porque tinha que resolver uns problemas e prometeu retornar para se despedir de Safira. Porém, Zeider ligou dizendo que não iria se despedir dela e desejou uma boa viagem, de forma que Safira entendeu o que tinha acontecido: apenas um "sonho de uma noite de verão", durante o inverno! Não questionou a decisão de Zeider e apenas disse um seco tchau e continuou a fazer o que tinha que fazer. Mas quando chegou a hora de ir embora, Safira sentiu seu coração apertar, não era o que ela queria que acontecesse. O taxista já estava a espera de Caroline, Diogo e ela, quando o telefone tocou. Caroline atendeu e era Zeider: " quero me despedir de vocês, eu estou indo aí!". Elas tinham alguns minutos para partir, colocaram as malas dentro do táxi e nada de Zeider chegar. Aguardaram o quanto podiam, mas Zeider não chegara. Não havia mais tempo e quando o táxi começou a andar, Safira sentiu vontade de chorar, ela não poderia nem mesmo se despedir do que havia vivido.

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O trânsito decorrente do congresso iria ajudar os dois. Ao chegar na avenida, uma obra causou um complexo caos na pista que levava à rodoviária. O taxista parou aguardando a liberação da via quando Safira avistou passando na outra pista o ônibus local, onde estava Zeider. Caroline falou para Safira - "desce, corre atrás dele". Safira não pensou duas vezes, jogou suas coisas no colo de Caroline e desceu passando entre os carros, correndo em direção a Zeider. A outra pista estava livre e talvez não seria possível alcançá-lo antes do farol abrir. Ela correu o quanto pôde e quando o ônibus já estava de partida ela gritou: - "Zeider". Ele não a ouviu, mas o motorista parou e sinalizou questionando se ele deveria parar e Safira acenou que sim. O motorista avisou Zeider ,que desceu rapidamente do ônibus, os demais carros que vinham pararam, ela correu atravessando a rua e o abraçou - cena típica de filme holywoodiano, diz que não? - eles se beijaram e correram para alcançar o táxi, ainda parado no trânsito (incrível não?!). Eles entraram no táxi que partiu sentido a rodoviária e eles ficaram por lá. Lá os pombinhos se despediram não apenas um do outro, mas de tudo que haviam vivenciado naqueles dias. Quando o ônibus partiu, apenas uma certeza ficou no coração de Safira: de que nada daquilo seria levado de lá.






Eles não se falaram mais depois daquilo, cada um voltou para sua cidade e continuou sua vida comum, não como se nada tivesse acontecido, mas como se tivessem acordado de um estranho e gostoso sonho, mas nada mais! Alguns desses fatos foram aumentados (ou diminuídos), pois já dizia o velho ditado: "quem conta um conto, aumenta (ou diminui) um ponto." Essa história é baseada em fatos reais, mas qualquer semelhança é mera coincidência!

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Uma homenagem à Bela e à Fera, que particularmente, é meu conto de fadas favorito!





Yone Ramos é historiadora, teóloga e parte de uma maravilhosa equipe chamada ContemporArtes!



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Yndio do Brasil: Sylvio Back à procura do índio brasileiro



Quando criança, na escola,  aprendi que existia um dia no ano que em que a professora falava de índio. Nesse dia, nós alunos recebíamos uma folha mimeografada com algumas fotos de índio para pintar; outras vezes ainda, os professores pintavam nossos bochechas com marcas pretas e dançávamos algumas músicas que citavam índios. Muito pequena, só sabia que existia um ser, quase alienígena, que aparecia nesse dia e depois sumia do nada, como Tiradentes e Dom Pedro I. Quando cresci mais um pouco, percebi que existia também marchinhas de carnaval e filmes que passavam na televisão nos quais também existiam índios. Lógico, nascida e criada na metrópole paulistana, vivia em contato direto com pessoas que andavam apressadas pelas calçadas e ruas, ruas essas que tínhamos de compartilhar com carros, muitos carros e obviamente, muito, muito trânsito.
Sem idéia formada a respeito do que seria propriamente um índio, seguia com minha encruada ignorância. Assistia aos filmes americanos, aqueles que costumam ser exibidos na Sessão da Tarde, com índios do norte da América, os barulhentos apaches. Eles gritavam em cima de cavalos enormes e lustrosos com arcos e flechas nas mãos, bravos e guerreiros como no clássico Rastros de ódio, 1956, de John Ford na inesquecível atuação vingativa de John Wayne.  Esses westerns me encantavam, mais pela garra e energia que via naqueles índios do que pela história propriamente dita. A meu pedido, meus pais me davam muitos apaches em miniaturas, aqueles de plásticos que vem com apoio para ficarem de pé (Forte Apache). O desenho do pica-pau também referenciava os apaches em algumas de suas edições.

Índio quer apito
Haroldo Lobo - Milton de Oliveira
Ê ê ê ê ê índio quer apito
Se não der
pau vai comer
Lá no bananal mulher de branco

Levou pra pra índio colar esquisito

Índio viu presente mais bonito

Eu não quer colar

Índio quer apito

Índio Apache











Grupo Mawaca

No entanto, apesar dessas referências um tanto confusas, continuava sem saber muito bem o que era índio. Um pouquinho mais crescida e pesquisando sobre o assunto, li em uma enciclopédia que o nome índio vinha dos povos da Índia e que esse termo foi usado por Cristóvão Colombo quando chegou à América pois acreditava que havia chegado à Índia. Índio ficou sendo o povo nativo da terra que geralmente era vencido pelo invasor dominante.
O tempo passou e a minha curiosidade levou-me a estudar as manifestações rítmicas e musicais dos povos. Atualmente ministro a disciplina Etnomusicologia na faculdade de música da FAC FITO.  Estamos formando grupos de alunos músicos para pesquisarem sons (ex-acústicos) e imagens ( exóticas) das manifestações musicais das variadas etnias brasileiras, desde as mais remotas como a dos nativos Guaranis, Potiguaras, Caingangues, Tupinambás, Carajás, Tapajós, Ianomâmis, até as mestiçagens sonoras oriundas das variadas culturas que povoam e povoaram essa terra brasileira no decorrer de muitos anos de história.  A variedade cultural é inesgotável, alguns trabalhos como o da musicista Marlui Miranda ou do grupo Mawaca nos mostram um universo repleto de sons, imagens e crenças. A Orquestra Mundana de Carlinhos Antunes, por exemplo, nos oferece viagens sonoras múltiplas por várias regiões da terra com os múltiplos sons e instrumentos. 

Carlinhos Antunes
Marlui Miranda
O filme Yndio do Brasil, 1995, de Sylvio Back, relançado em DVD numa versão que acompanha outro filme do diretor sobre o poeta simbolista Cruz e Souza, é uma montagem composta por filmes nacionais e estrangeiros de ficção, cine jornais, documentários e  poesias concretas que nos fornece um panorama interessante da condição do índio brasileiro dentro do seu próprio território. O filme denuncia a enorme falta de cuidado com que essas questões foram tratadas no decorrer dos governos, principalmente militares, criando dilemas e incertezas que se arrastam e perduram até os dias de hoje. Quem assiste ao filme consegue entender muito mais sobre o tratamento político e social dado ao índio no Brasil, desmistificando muitas idéias equivocadas que nos foram empurradas goela abaixo naquelas  tediosas e antigas aulas de história, nas quais o aluno estava fadado a aceitar o túnel e a linha do tempo como condição única para aprender a matéria.  Repletos de nomes, datas e fatos isolados, sem  contextualizacão e discussão, esses conceitos duros e estáticos do índio brasileiro, deixavam de lado questões imprescindíveis para o entendimento do nosso povo brasileiro. 

Sylvio Back
Yndio do Brasil é um ótimo filme para ser assistido, discutido em aulas, congressos, grupos de estudo contribuindo para formar pessoas mais conscientes a respeito da nossa cultura e da nossa própria dor. A questão do pertencimento, de se identificar, entender, saber quem somos para a partir daí defendermos nossos direitos. Tomara que a escola venha a ser o lugar no qual esses debates, oriundos no nosso próprio conhecimento e reconhecimento como nação, possam enfim formar o tão falado, cidadão brasileiro.

DVD do Sylvio Back

Assistam, recomendem, utilizem em aulas, congressos, usem e abusem de Yndio do Brasil,
obrigada Sylvio Back. 


Kátia Peixoto é doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Mestre em Cinema pela ECA - USP onde realizou pesquisas em cinema italiano principalmente em Federico Fellini nas manifestações teatrais, clowns e mambembe de alguns de seus filmes. Fotógrafa por 6 anos do Jornal Argumento. Formada em piano e dança pelo Conservatório musical Villa Lobos. Atualmente leciona no Curso Superior de de Música da FAC-FITO e na UNIP nos Cursos de Comunicação e é integrante do grupo Adriana Rodrigues de Dança Flamenca sob a direção de Antônio Benega.



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EM RISCO DE PALAVRA


Hoje a coluna INcontros traz uma contribuição preciosa, um texto da querida professora Glória Kirinus.*

"Cabeça, tronco, extremidades e palavra...

Encarnada, na vasta unidade do corpo, a palavra faz p(arte) de nossa condição humana. Ela integra e revela, sabiamente, uma cartografia inquieta de necessidades e desejos do Ser diante do mundo e diante de si mesmo. Como estranho registro de identidade, ou variante eficaz do DNA, nosso acervo pessoal de palavras congrega a condição filo-onto-genética que nos sustenta.


Manifestação estudantil - UFPR
Foto: Izabel Liviski
Assim, afetos e desafetos; tramas e traumas; medos e coragens, entre outros sentimentos fundamentais, registrariam uma gramática pessoal que numa somática singular, semantiza corpo e alma.

Cada vez que me toca solicitar aos integrantes da minha oficina itinerante - Lavra-Palavra - que resgatem do fundo do baú da memória uma palavra da infância, presto especial atenção à postura do corpo diante da palavra somatizada do participante: muda o timbre da voz, alguns ficam curvados, outros parecem elevar-se; alguns ruborizados, outros pálidos.

Uns afundam os pés no chão, outros brincam nervosamente com eles. E os joelhos? Como não lembrar, então, das palavras bíblicas do evangelho de São João, percebendo o verbo intensamente habitado e feito carne, feito sujeito do discurso-memória, do discurso-sentido, do discurso-mundo?

Recepção de calouros - UFPR
Foto: Izabel Liviski

Manifestação estudantil - UFPR
Foto: Izabel Liviski
Como educadores percebemos que a palavra está longe desta percepção encarnada e substancial, na escrita e na oralidade de nossos acadêmicos das tão Humanas ciências - área de Letras, de Pedagogia, de Filosofia, de História, de Sociologia, de Comunicação - justamente aqueles que formarão novas gerações de educadores dos educadores de tantas crianças.






Comemoração dos 95 anos da UFPR
Foto: Izabel Liviski
Com que freqüência descobrimos que acadêmicos dos cursos de graduação e até de pós-graduação procuram a facilidade e o imediatismo da palavra de segunda ou terceira mão, disponível na prateleira para ser servida, ingerida, digerida, rapidamente, de preferência num prato corrido, urbano e banal. 

Foto: Izabel Liviski
 
Sabemos que essa palavra alheia que não passou pela interação com o outro e consigo mesmo, que não passou pelo diálogo recursivo com outras leituras e com o mundo, não permanecerá por muito tempo, nem na memória nem no coração de quem a procura e se serve dela. E o mais importante, não provocará o nascimento de outras palavras sentidas e pensadas.

Calouros- UFPR
Foto: Izabel Liviski

O risco em si tem algo de inaugural, de primeira vez, de nascimento. Certamente colocar-se em risco de palavra, não significa apropriar-se da palavra apenas útil, somente comestível e prosaicamente disposta para garantia da sobrevivência, até o dia seguinte. Palavra, assim, tão sem vida, não permitiria ao usuário o tempo do aroma, do gosto, da percepção da geometria e da cor.

Representante indígena- UFPR
Foto: Izabel Liviski
Esta palavra disponível nas mil e uma páginas dos livros ou na tela do computador, ou mesmo na voz do outro, nosso semelhante, não permitiria adivinhar-lhe a textura dos seus talos, folhas, raízes, sem a devida empatia e atenta escuta em relação a ela.

Manifestação estudantil- UFPR- 2008
Foto: Izabel Liviski
A gente não quer só comida, lembra uma bela composição de Arnaldo Antunes. Nesse sentido, é necessário modificar o ritual do banquete e modificar também a percepção e a relação com as palavras que estão aí, no mundo, saborosas, vivas e inquietas para ser selecionadas e degustadas com critério significativo vivamente vivido e estético.

Manifestação estudantil- UFPR
Foto: Izabel Liviski

Que o digam os poetas que voltam seus mais de cinco sentidos em todas elas. Que o digam os leitores de literatura que exercitam o abecedário imaginal, vasta fonte que desacomoda nossas rotineiras certezas."

Manifestação pela Paz-UFPR
Foto: Izabel Liviski

*Glória Kirinus é escritora bilíngüe e ministrante da oficina "Lavra-Palavra", é também representante da AEI-LIJ/PR (Associação de Escritores e Ilustradores de Literatura Infanto-Juvenil no Paraná).



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Izabel Liviski é Fotógrafa e Mestre em Sociologia pela UFPR. Pesquisadora de História da Arte, Sociologia da Imagem e Antropologia Visual.  Escreve quinzenalmente às 5as feiras na Revista ContemporArtes.
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Expresso Turístico Paranapiacaba







O Expresso Turístico da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) no dia 19/09/2010 iniciou um novo destino: da Estação da Luz, no Centro da capital paulista, até o distrito de Paranapiacaba, em Santo André, no ABC. Após dez anos de extinção da Linha Luz-Paranapiacaba, o trajeto volta a ser realizado periodicamente a cada quinze dias, sempre aos domingos, numa locomotiva que apesar de ter sido fabricada na década de 1960, foi reformada e conta com vagões, banheiros e bancos mais confortáveis do que os trens comuns. Ela é operada a diesel e puxa os dois carros que transportam os passageiros.

Desde o início da idealização das operações dos Expressos Turísticos, em meados de 2008, este projeto já estava aprovado pela prefeitura municipal de Sto. André, pela Companhia Paulista de Trens Metropolitanos e pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) (mais informações), no entanto, a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) concedeu a autorização para a CPTM consolidar o projeto somente no inicio do mês de setembro.

Na viagem inaugural a locomotiva estava lotada de pessoas, o percurso é de 48 quilômetros, realizado ao longo da antiga Estrada de Ferro Santos-Jundiaí (EFSJ), para ser mais precisos são 37,2 quilômetros trafegados na atual Linha 10-Turquesa e mais 11 quilômetros até a Vila de Paranapiacaba, a duração média da viagem é de uma hora e meia. Um locutor informa aos passageiros os pontos turísticos que em grande parte não podem ser visualizados, mas o interessante que explica um breve contexto histórico do desenvolvimento dos municípios e das estações atravessadas no trajeto. O que pode ser facilmente constatado nas viagens é o abandono das fábricas e galpões no em torno da ferrovia, a paisagem verde da Mata Atlântica é observada apenas no trecho da Serra do Mar.

São duas opções para o embarque: Estação da Luz, às 8h30 e Estação Prefeito Celso Daniel, em Santo André, às 9h. A previsão do retorno de Paranapiacaba é às 16h30. Os preços varia de acordo com o local de embarque. Na Estação da Luz o custo da viagem é de R$ 28 e em Santo André R$ 25, existe a viabilização de descontos no caso da compra de mais de uma passagem.

Além de Paranapiacaba, também são realizadas viagens para Jundiaí e Mogi das Cruzes,
mais informações no sítio da CPTM.



Foto: Guilherme C.S.


O mais interessante foi a reforma realizada no viradouro, este que anteriormente era utilizado para virar os trens quebrados e assim seguirem o caminho ao Porto de Santos.


Viradouro. Foto: Soraia O. Costa

Apesar de ser interessante facilitar o acesso a Vila ferroviária, as ruínas ainda existem, percebam o teto da "nova Estação" como estão conservados.


"Nova Estação Turística" Foto: Soraia O. Costa


Ao entrar os passageiros não percebem, pois tem uma faixa na entrada que cobre a degradação ainda presente no cenário.

Foto: Guilherme C. S.




Soraia O. Costa é graduada em Ciênciais Sociais pelo Centro Universitário Fundação Santo André (2009). Pesquisadora e documentarista do projeto Neblina sobre Trilhos sobre a memória ferroviária de Paranapiacaba - apoio institucional Centro Universitário Fundação Santo André (CUFSA), Universidade Federal do ABC (UFABC) e Ministério de Cultura e Educação MEC/SEsu. Funcionária superintendente de operações e pesquisas econômicas do Intituto Brasileiro da Economia, Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (IBRE/FGV-SP).
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EITA: O Nascimento de um Sarau de Poesia em SP


A PARIÇÃO DO "EITA" EM SÃO PAULO!
por Altair de Oliveira.


Tivemos a satisfação de poder participar de um belíssimo sarau de poesia denominado EITA na noite deste último 17 de setembro na cidade de São Paulo e, para nossa surpresa, fomos informado de que aquela era apenas a segunda apresentação do evento que, comandado por 5 belas garotas, surgia com força para, mensalmente, ajudar ainda mais alegrar com poesia as noites paulistanas.

São Paulo é tida por muitos como a capital cultural da América Latina, e esteve sempre envolvida com as vanguardas culturais e com os movimentos literários de nosso país. Atuaualmente a cidade está povoada por vários saraus culturais ou lítero-musicais, onde a poesia é o carro chefe de várias manifestções artísticas que podem se tornar acessível aos frequentadores de bares, cafés, escolas e etc. Segundo um mapeamento feito pelo estado de São Paulo, existe hoje mais de 60 saraus deste tipo em atividade em "Sampa", onde, como dizia Cetano, a poesia parece surgir concretamente de cada esquina.

Este fenômeno da volta dos saraus em nossas vidas não parece ser uma característica específica da capital paulista pois, por experiência própria, sabemos que eles estão acontecendo em vários cidades de vários estados brasileiros e, para o bem da poesia, esta tendência pode aumentar. Só que, diferentemente dos saraus que aconteciam no final do século XIX e início do século XX, os saraus atuais, menos burgueses, tendem popularizar a poesia. Se isto vai aumentar ou não a pequena quantidade de leitores de poesia no Brasil só o tempo dirá. Mas é fato que a poesia falada é uma grande arma para aliciar novos apreciadores da arte da palavra, além disso, ela é um bom termômetro para que os autores possam testar se a poesia que escrevem tem realmente um eco com o público.

Reunindo poesia, música, teatro, dança em um bar ou café, os saraus lítero-musicais se apresentam como um programa cultural barato e de grande entretenimento onde várias tribos podem compartilhar de uma verdadeira confraternização pelas artes. No caso do EITA sarau, estas características já nasceram fortes, devido ao ótimo nível dos artistas participantes e ao carisma das organizadoras. Para quem gosta principalmente de poesia e de música, este tipo de evento é "o cara!", não percam então uma oportunidade de participar de um sarau! Eita, loga vida para vocês!

Aproveitamos então esta oportunidade para entrevistar este quinteto de moças, criadoras e promotoras do jovem e promissor "EITA sarau!" e, desta forma, aprender um pouco mais sobre a abertura e funcionamento desta magnífica reinvenção cultural de nosso dias, o Sarau de Poesia.


Eita! Quem são as moças do sarau!?

Paula Martins: bailarina, educadora, poeta, etc
AnaCris: socióloga, pesquisadora, poeta (e enxirida)
Solange: atriz, fotógrafa, poeta (e brincalhona...rs)
Maria do Carmo: terapeuta da medicina chinesa, poeta e contista.
Marise: consultora, amante das artes, da poesia e das relações humanas.



A ENTREVISTA:


PC1- "Eita" é uma interjeição de espanto, quase sempre de espanto gostoso, o que tem tudo a ver com a poesia. Mas como surgiu este interessante nome EITA para vocês nominarem o sarau?
EITA1 - Nos reunimos para escolher o nome e desenhar o formato do sarau, que objetivos queríamos para ele, etc. Fizemos várias sugestões, mas nada agradava à todas. A Ana Cris cismou que tinha de ser uma sigla (tentamos criar algo com TPM, inclusive! Rs). Até que, pensando no fato de termos definido que o sarau buscaria integrar todas as artes, ela veio com EITA – Encontro Integrado de Todas as Artes. Bingo! O grupo fechou na hora.

PC2- Vocês já tinham experiência com saraus de poesia: organizando, participando, e etc. O que as motivou a montarem o seu próprio sarau?
EITA2- Bem, tudo começou com um convite do Julinho Camargo, dono do espaço onde o EITA é realizado, o Julinho Clube, num bate papo com a Ana Cris.
Ana Cris: eu enrolei o Julinho um bom tempo! Rs. Eu nem declamava ainda! Só freqüentava os saraus e adorava! Mas como eu ia apresentar um sarau se nem subia num palco? Aí, veio a idéia de convidar as meninas, companheiras de saraus, chás e cafezinhos, amantes das artes e da poesia e, cada vez mais, amigas. A Solange Mazzeto (poeta e atriz) já tinha experiência de quase 4 anos com o Sarau Sopa de Letrinhas, na produção e como ajudante de palco. Maria do Carmo Antunes (poeta e contista), Paulinha Martins (também poeta dançarina) e Marise Lopes (que usa a poesia no seu trabalho) também já conheciam bem alguns saraus da cidade. Por fim, eu perdi o medo do palco e entre começar a declamar e apresentar o EITA foram alguns meses.
Mas todas concordam que o desejo de fazer um sarau diferente, voltado para as artes em geral – ainda que a poesia prevaleça, até porque ela está presente em todas as artes – foi o grande motivador.

PC3- Percebi que vocês fazem um sarau temático, onde os poemas e as apresentações devem estar voltados a determinado tema, previamente definido. Isto não limita o interesse dos participantes num evento como este?
EITA3- A idéia de um sarau temático veio por 2 razões: ser diferente - porque não havia nenhum sarau assim em São Paulo (apenas o Sarau do Povo, em Diadema que já nem existe mais) e porque consideramos que seria uma boa maneira de ‘integrar as artes e os artistas’, um dos objetivos que traçamos para o sarau.
Até tivemos esse receio e houve quem dissesse (que o tema limitaria). Por isso, procuramso escolher temas bastante amplos, mas acima de tudo, o tema não é fechado! Deixamos livre para quem não quiser usá-lo ou não tiver nada à respeito ou mesmo preferir fazer outra coisa. Não é e nem queremos que seja uma obrigação! É um divertimento. Por fim, o que temos percebido é que, para muitos, é uma espécie de “desafio” e a grande maioria se empenha em trazer algo do tema, seja escrevendo especialmente ou até pesquisando outros autores. Isso acaba enriquecendo mais do que limitando! Nós mesmas temos o trabalho de pesquisar sobre o tema, trazendo textos que colocamos na ‘caixinha’ do EITA, que é outro elemento de interação. Na ‘caixinha2019 são colocados textos que os freqüentadores podem ler, mesmo que tragam algo seu. A idéia da caixinha é também encorajar quem não escreve a se aventurar no palco também!

PC4- São Paulo hoje tem um grande número de saraus de poesia acontecendo periodicamente em vários pontos da cidade. Vocês acham que ainda há espaço para se divulgar a poesia aqui?
EITA4- Sim, até porque tem muita gente que não conhece poesia e nem sabem que existem os saraus! Quando convidamos pessoas que nunca foram, desperta curiosidade e quase sempre viram freqüentadores assíduos de alguns saraus. Além disso, muitos saraus ocorrem em pontos afastados da cidade (a tal ‘periferia’) e acabam sendo freqüentados pela comunidade ao redor, portanto têm públicos diferentes e ações e objetivos diferenciados também. A localização também é fator importante. Por isso, a maioria dos públicos tende a fundir-se em alguns, mas são diferentes em vários outros. Nós vemos que o movimento ainda não chegou ao seu ápice e, portanto, ainda há espaço para crescer.

PC5- Poderíamos falar que hoje já existe um público para os saraus de poesia? Ou o público dos saraus de poesia ainda acaba sendo os próprios poetas, apludindo-se uns aos outros?
EITA5: Existe um público sim, ainda pequeno, mas em formação e pode aumentar. Existem pessoas que não escrevem e não declamam, mas não perdem o sarau que mais apreciam por nada. É verdade que boa parte é formada pelos poetas, mas muitos também começaram como ouvintes e hoje participam (casos da Ana Cris, Maria do Carmo e Paula Martins, por exemplo!). Isso é um movimento que vai além de ter um público ‘expectador’, porque a tendência é que o freqüentador passe a participar, mesmo que seja lendo textos alheios. Há também os que se encorajam a escrever, aprendem com os poetas mais ‘antigos’, passam a participar de oficinas e até viram parceiros em músicas!
Solange: conheço gente que tava viajando de férias e voltou antes pra não perder o sarau, isso é gente que ama poesia, teatro, dança, música... e ama sorrir e se emocionar!

PC6- Quais as tarefas básicas que devem ser feitas para que se programe, divulgue e execute um bom sarau de poesia?
EITA6- Precisa primeiro investimento de tempo. Bom humor, comprometimento, sensibilidade para lidar com pessoas, espírito agregador, amor à arte e à poesia. Ter um espaço (ou fazer uma boa parceria com um espaço) ter uma boa rede de relacionamentos e disponibilidade para divulgar e incentivar as pessoas a irem!
No nosso caso, há o trabalho de pesquisa prévio para guarnecer a ‘caixinha’, além de ‘bolarmos’ sempre alguma performance do grupo, (geralmente de teatro ou dança). Fazemos reuniões de trabalho e criamos e alimentamos quase diariamente o blog do EITA para manter o sarau vivo entre uma edição e outra, e permitir até a participação de escritores que não moram em São Paulo.

PC7- Vocês 5, juntas, fazem todas as atividades do sarau, correto? Mas há algum gerenciamento nisto? Por exemplo, vocês dividem previamente as tarefas de cada sarau entre si ou elegem uma coordenadora para aquele sarau específico?
EITA7- Fazemos tudo juntas, tudo é discutido e acordado em reuniões de trabalho feitas semanas antes de cada sarau, que duram umas 3 horas. Imagina fazer 5 juntas mulheres tomarem decisões? Pois é, não é nada fácil! Rsrsrs.
Mas cada uma acaba contribuindo mais intensamente em um ou vários setores, dependendo do talento, experiência, tempo disponível ou jeito para a coisa... rs. A Marise cuida da administração do Blog do EITA e faz contatos virtuais pela blogosfera, além de pesquisar textos e ajudar em questões organizacionais. A Paula atua e faz performances de dança e também contribui com alguma tarefa durante o sarau (cuida da lista de inscritos, de algum item de organização, etc). A Maria do Carmo, ajuda na pesquisa de textos do tema, também se reveza com a lista e recepção dos freqüentadores, etc. A Ana Cris apresenta o sarau, ajuda na produção (imprime os textos da caixinha, por exemplo), divulga e, por vezes, faz flyers e/ou textos de divulgação ou para o sarau. A Solange (que além de atriz, é fotógrafa) atua e bola performances de teatro, também faz flyers e/ ou textos, faz divulgação e durante o sarau é responsável por registrar o EITA através de fotografias e/ou vídeos!
Solange: a AnaCris é mais a ‘cabeça’ do grupo. É ela que cuida pra que tudo fique mais organizadinho, quando as idéias pululam demais, aí então ela dá o ‘grito’ final. Rsrs


PC8- Sabemos que para o trabalho de reunir artistas diversos num mesmo palco, principalmente poetas, é preciso muita diplomacia e alguma regra. Isto para que não haja conflitos de interesses ou de ego que venham a enfraquecer ou inviabilizar a longevidade do projeto. Sabemos também que o sarau de vocês está apenas começando e já veio com grande força. Mas o que vocês planejaram para garantir ou para assegurar este sucesso por longo tempo?
EITA8- A gente não pensa em longo prazo, mas em curto prazo. A cada mês, temos planos e muitos, e os revemos após cada sarau. Mas o interesse das pessoas vem do interesse que o sarau desperta, tanto pela forma como são tratadas, como pelos atrativos. As pessoas precisam sentir-se acolhidas e respeitadas, além de perceber atrativos que, podem ser, por exemplo, as nossas performances, nossa simpatia, o local e até as amizades e pessoas que encontram ali. Sentir que todos têm a mesma importância é essencial. Até porque o organizador do sarau dá o ‘tom’, mas em última instancia, o sarau é feito pelas pessoas que o freqüentam. A única coisa que pensamos é em fazer o nosso melhor, corrigir rotas se for necessário e dentro do que propomos como objetivos principais para o sarau e estar atentas às opiniões dos próprios freqüentadores, mas sabendo que não dá para agradar a gregos e troianos.

PC9- A poesia é tida como um das artes mais libertárias que existe, por trabalhar diretamente com as palavras, ela pode levar a liberdade de expressão às últimas conseqüências. Partindo disto, qual é a ética da poética do sarau de vocês? Poderia, por exemplo, alguém chegar e declamar um RAP ou uma história de cordel de 45 minutos, ou então declamar poemas pornográficos, religiosos ou discriminatórios?
EITA9- Por definição, o sarau, é palco livre e aberto. Assim quase todos são e assim funcionam! E quase todos têm algumas regrinhas, uns mais rígidos, outro menos. Em geral, as regras só dizem respeito ao tempo. Por exemplo, pedimos para fazer de 1 a 2 poemas/ textos pra que todos tenham espaço. Pode ser até necessário limitar mais, dependendo da quantidade de inscritos para se apresentar ou até pode rolar várias ‘rodadas’, se houver poucas pessoas. Dois textos, se não forem muito longos e 1 apenas se for maior. Geralmente, os freqüentadores já têm essa ‘noção’ e, os que não têm, vão aprendendo e a gente vai orientando durante o sarau. Um conto ou contação de estória pode se estender mais, mas isso é pelo tipo de texto, geralmente mais longo. Bom senso é o que pedimos, mas mesmo o tal ‘bom senso’, pode variar de pessoa para pessoa. Costuma funcionar, com raríssimas exceções. Algumas pessoas que querem aparecer mais de todo jeito, sempre aparecem... rs. Mas a gente não deve cortar nem tolher. No máximo mandamos ‘recadinhos’ gerais durante o sarau. Quanto ao teor/ conteúdo, é livre mesmo! Pode ser RAP, pornô, religioso, tá tudo liberado. No caso do EITA o horário e local propiciam abertura, pois apenas adultos freqüentam (é um bar). Há casos em que o local é freqüentado por crianças (seja pelo horário ou por ser um local público) e o bom senso, mas também algum direcionamento do apresentador, podem ser necessários.
O próprio público acaba filtrando, aplaudindo mais ou não e às vezes podem ocorrer manifestações diretas dos próprios ouvintes/ colegas. Os saraus acabam indo mais para algum tipo de texto ou tendência literária: há saraus mais ‘Rap’, outros mais politizados, outros mais românticos, outros ainda mais acadêmicos e até os mais híbridos/ sem uma tendência definida. Nada impede a mistura e nem que um rapper ou cordelista, por exemplo, não será bem recebido em um espaço mais acadêmico.
Ana Cris: Já vi essa troca ocorrer de uma forma muito amistosa e até gerar parcerias inusitadas.

PC10- A programação para a participação do EITA Sarau é previamente agendada, ou alguém pode aparecer lá no dia do evento e se inscrever para participar na hora?
EITA10- É livre, é só aparecer e botar o nome na lista à chegada. O que pode eventualmente ocorrer é termos algum convidado especial – para alguma performance diferente - mas quem chegar e quiser, se apresenta e pronto!

PC11- Gostaria que vocês nos informassem onde e quando acontece o EITA sarau. Se possível, que nos fornecessem dicas de como acessar o local a partir de ônibus ou metrô ou ainda se existe um site ou email onde se pudesse buscar estas informações.
EITA11- O EITA ocorre todas as 2as terças-feiras do mês, com possibilidade de mudança quando cai em um feriado ou no meio de um feriado prolongado. O próximo, por exemplo, será na 1ª terça, 5 de outubro, porque dia 12 é feriado e aqui em Sampa o povo ‘foge’ da cidade para o litoral.
O local, o Julinho Clube, é muito aconchegante, decorado com vinil e fotos de cantores e artistas brasileiros, e fica bem no coração dos bairros mais cheios de bares e intelectuais da cidade: Pinheiros-Vila Madalena. Rua Mourato Coelho, 585, entre as ruas Cardeal Arcoverde e Teodoro Sampaio, que são as principais vias de Pinheiros. A região é farta em transporte público e é de fácil acesso. Os metrôs mais próximos (Clínicas e Sumaré) dão uma caminhadinha de 20 min. a pé, mas têm também ônibus que deixam bem perto, vindos de todos os bairros da cidade. Serviço de utilidade pública (rs): a melhor forma de procurar é pelo Google Maps, colocando endereço de destino e de origem, de carro, a pé ou de transporte público, dá ótimas e detalhadas orientações para qualquer ponto da cidade.

PC12- Agora, se possível, gostaria de poder contar com a opinião de cada uma de vocês nesta questão. Por que vocês acham que as pessoas estão indo ou deveriam ir mais aos saraus, especificamente aos saraus de poesia?
EITA12- Nós falamos pelos saraus em geral, não só os de poesia, embora estes sejam maioria e/ou a poesia prevaleça na maioria deles. Os saraus são reuniões de relacionamento, de troca de informações e experiências, conhecimento e arte. Em última instância, o sarau contribui para reunir pessoas em um espaço e em torno de algo em comum: a arte, nas suas variadas manifestações: literatura (poesia, contos, crônicas), música, teatro, dança... e as pessoas tanto assistem como participam.
As razões das pessoas são variadas: há pessoas vão pela alegria e descontração, pela possibilidade de interação com pares e/ou outros artistas, para prestigiar arte, em especial a literatura, para se reunir com/encontrar amigos, para conhecer e interagir com artistas e/ou pessoas com as quais tenham afinidades específicas, para ouvir/ degustar a palavra na forma de poesia ou outras, para troca de experiências entre os poetas e artistas.
Acreditamos que as pessoas deveriam ir mais para apreciar e prestigiar a arte produzida pelo ‘cidadão comum’ e pelos artistas ditos alternativos, que não estão da grande mídia e que são tão bons ou melhores que essa arte massificada. Para também tirar o estigma de que sarau e poesia é algo elitizado e para poucos. Hoje cada vez mais os saraus também têm uma função sócio-cultural, de formação de novos leitores (e porque não, de novos escritores?), e está se tornando uma das várias ‘mídias alternativas’ para divulgação de escritores e outros artistas.


***
DOIS POEMAS:


TEATRO


mundos…mudei

fiz da pausa, o pesadelo
da bruma, a ciência

debrucei na janela da vida
plantei gerânios
vermelhos

distribui lágrimas
cinzas

fiz do meu terraço
pontes
refiz a lua
nas quinhentas voltas

no abutre revi a luz

fiquei sentada
dolorida

levantei
sorrindo
enxuguei a cisma
amei
nossa, como amei

e
por fim
enquanto ouço aplausos
eu
vivo
respiro
e dôo
calor
em meio a exibições explicitas de amor


Poema de Solange Mazzeto

***

PRA TE OLHAR NO OLHO

Pra te olhar no olho
faço e desfaço laços
e dou mil volteios
Nem rima escolho
Me viro do avesso
teus versos enlaço
quem sabe (me) vês
além dos nós e atavios
sem tinta e adereço
e tropeças no desvario
dos meus anseios
de uma vez.


Poema de AnaCris Martins


***


Para saber mais, visitem o blog do Eita Sarau: www.eitasarau.wordpress.com
Para ver o mapeamento dos saraus em SP: http://www.igroup.com.br/arquivos/clube/mapa_dos_saraus.pdf


Ilustrações: 1- foto da inauguração do EITA Sarau; 2- foto das organizadoras Paula Martins e AnaCris; 3- foto das organizadoras Maria do Carmo e Solange; 4- foto da interpretação mímica para leitura de um conto do escritor Ricardo Kelmer.


Altair de Oliveira (poesia.comentada@gmail.com), poeta, escreve às segundas-feiras no ContemporARTES. Contará com a colaboração de Marilda Confortin (Sul), Rodolpho Saraiva (RJ / Leste) e Patrícia Amaral (SP/Centro Sul).
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Inquietante igualdade: processos de manutenção social


por Lucas Piter Alves Costa.

Graffiti de Banksi.
No percurso de minha vida acadêmica, tive a oportunidade conhecer distintos segmentos sociais, ou melhor, pude presenciar e participar de diversos grupos, com suas margens de manobra comportamentais mais ou menos elaboradas, rígidas ou determinadas. Em outras palavras, quero dizer que qualquer que seja o motivo que leve algumas pessoas a se reunirem (no caso, levando-se em conta meu percurso acadêmico), seja por uma apresentação de seminário, por uma causa estudantil, por questões de moradia (como nos alojamentos ou repúblicas), será possível notar que algumas normas de comportamento serão minimamente instituídas, mesmo que inconscientemente.

O espaço dessas relações sociais é um lugar de troca e construção de valores. Mais do que um espaço de identificação com o outro, é, antes de tudo, um espaço de diferenciação. As relações humanas estão sempre se tangenciando pela alteridade, elas serão sempre assimétricas em algum ponto, podendo chegar mesmo à hierarquização como meio civilizatório. Isso pode ser muito bem notado no meio acadêmico se levarmos em consideração que constituímos um nicho social que valoriza muito a titulação, até mesmo entre os graduandos. Quem vai negar que a notória (e às vezes abusiva) oposição entre veterano e calouro é uma prática de valorização assimétrica dos sujeitos sociais?

Michel Foucault,
autor de A Ordem do Discurso.
Portanto, estamos sempre criando a alteridade através de nossas práticas sócio-discursivas. Posso causar polêmica com o que vou dizer, mas acredito que a igualdade seja apenas uma utopia. E ainda, seria ingenuidade acreditar que o discurso da igualdade em um mundo essencialmente competitivo não seria uma tentativa de dominação, de instituição de uma nova ordem que possibilite dar ao lado fraco da alteridade uma chance de poder. Não precisamos exemplificar com revoluções operárias, estudantis ou marchas sexistas, basta buscarmos na memória uma simples DR (Discussão de Relação) ou uma atividade de lazer baseada na competição. A todo momento estamos tentando legitimar nossa posição em diferentes nichos sociais de nosso interesse. Minha tentativa de expressar essa opinião é prova dessa intencionalidade.

Então, se a igualdade é uma utopia, significa que ela não exerce a sua função? Não é bem assim. Acredito que, como no caso de toda utopia, a igualdade se preza a ser buscada, não atingida. É no processo de busca que ocorre os aperfeiçoamentos sociais, não na estabilização. A mera menção de uma dada igualdade suscita entre os segmentos que a compõem uma nova tática de manobra dentro do quadro social em questão, seja de manutenção dessa suposta igualdade, seja de superação de algum outro estado de alteridade. É impossível atingir um estado de igualdade que seja perene, se estamos falando de relacionamentos humanos.

Diferenças?Igualdade?

Por fim, ouso dizer que não acredito em relações humanas que não se pautem por alguma hierarquização – a simples diferença de idade pode ser fator balizador de comportamento entre duas pessoas, o que diremos então sobre o reconhecimento intelectual ou outros pontos mais polêmicos. Acredito na necessidade das diferenças para o dinamismo e aperfeiçoamento humanos. É no reconhecimento das diferenças que construímos o respeito, tão mais alcançável que a igualdade.


Fonte das ilustrações:
Ilustração 1: http://1.bp.blogspot.com/17banksyES_468x606.jpg
Ilustração 2: https://www.msu.edu/~duffkerr/HistoryOfSex/foucault2.jpg
Ilustração 3: http://blogdorabay.files.wordpress.com/2009/06/kaiser-16-06-2009-12451581931.jpg
Ilustração 4: http://www.video-divertido.com/data/media/19/Diferenca_entre_homens_e_mulheres_4.jpg



Contribuição do leitor Lucas Piter Alves Costa, estudante de Letras na Universidade Federal de Viçosa. Foi membro do Centro Acadêmico de Letras Ipsis Litteris e da Comissão Organizadora do XII EMEL. Foi representante discente da Coordenação do Curso de Letras da UFV (2009). Áreas de interesse: Literaturas de Língua Portuguesa; Literatura Comparada; Cinema; HQs; Artes Plásticas, Estudos de Tradução Intersemiótica, Narratologia, AD Semiolinguística. Tem experiência como professor de desenho artístico. Atualmente desenvolve a pesquisa "Encontro de Gerações: O Tempo Narrativo n'O Alienista", sob o viés da Análise do Discurso Semiolinguística.
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