Um leitura da Odisséia




Queridos leitores, quando lemos uma obra, temos as nossas chamadas impressões de leitura. Nesta postagem, apresentarei a vocês um ponto que deteve a minha atenção na leitura que fiz da Odisséia de Homero. Seria ótimo se algum de vocês, estimulado por essa minha simples impressão de leitura, começasse a ler esta obra tão instigante, interessante.

Após lerem Odisséia, tenho certeza de que entenderão o porquê de ela ser um clássico da literatura. É interessante notarmos que uma obra que estipula-se que foi escrita no fim do século VIII a. c (antes de Cristo) continua a ser lida e a levantar tantas importantes reflexões. Além do mais, esta obra, juntamente com a Ilíada, é considerada como o primeiro marco histórico-literário da cultura ocidental.


Passemos à exploração da minha leitura:

Diante das poucas escolhas que pode fazer, Ulisses (ou Odisseu) afirmou que preferiria morrer como homem a se tornar um imortal. Para o leitor, essa afirmação pode parecer contraditória, considerando-se algumas passagens da Odisséia em que observamos o herói da narrativa a desfrutar as graças que os deuses podem oferecer a ele.

Para refletir sobre as contradições do herói devemos retornar ao início da narrativa, que o apresenta como alguém que deseja volver à sua terra. Contudo, inicialmente, algo se sobrepõe a esse retorno, que é a passagem em várias ilhas com intuito de conseguir riquezas e levá-las para Ítaca. Esses “assaltos” revelam a avareza, ambição, vaidade que perpassam a Ulisses, como também aos tripulantes de sua nau e, de certa forma, este sentimento acarreta outros, que juntos ultrapassam o senso de medida grego, reinando assim a hybris. Isso ocasiona, por sua vez, a perda do caminho para casa.

Durante os anos que Ulisses buscava o caminho de volta para Ítaca, os deuses reuniam-se e decidiam o destino dele e dos demais tripulantes de sua nau. O que mais nos interessa nesse ponto é a atitude dos deuses perante este herói grego. Atitude de retardar a volta para casa, mas protegê-lo do caminho ao Hades e devolvê-lo com glórias à sua terra. Essa proteção implica, em alguns casos, com contato real, acolhimento e, no caso de Circe e Calipso, o desejo, a volúpia.

A relação de Ulisses com Circe é a primeira a revelar como os deuses lhe favorecem e como ele se aproveita de tais situações. Circe, após transformar os companheiros de Ulisses em porcos, o recebe em sua casa com intuito de fazer o mesmo com ele. Entretanto, Atena (a grande protetora do herói durante toda a epopéia) já havia lhe avisado dos truques de Circe. O herói não se subjuga à deusa, uma vez que bebe o que o transformaria em um suíno, mas habilmente se safa deste destino. Circe traz os companheiros de Ulisses de volta à forma humana, oferece a todos banquetes e ao herói proporciona os prazeres da carne. Ele aproveita dos encantos da deusa, do corpo divino e se entrega à volúpia.

Somente após um bom tempo desfrutando dos prazeres da mesa e da carne, o herói homérico retoma a consciência da busca pelo caminho que o levaria a Ítaca. Vale ressaltar que tal retomada não ocorre por vontade dele, mas pelo fato de seus amigos se aperceberem de que precisavam partir e de que se continuassem a viver na casa de Circe, a fazer companhia à deusa solitária, esqueceriam de vez de seus anseios. A deusa aceita a partida e, de certa forma, cede aos encantamentos humanos. Como consequencia disso surge nela a preocupação com o bem estar de Ulisses, o que faz com que lhe ensine o caminho que deve seguir até o mundo de Hades e a forma que faria para perguntar ao sábio Tirésias sobre o volver à terra natal.

Após encontrar o sábio e descobrir o que deveria fazer para atingir seu objetivo, Ulisses volta à ilha de Circe para sepultar um amigo. A deusa o espera e, ao herói partir definitivamente, ela novamente lhe dá conselhos de como desviar-se, driblar os perigos com os quais se defrontaria, como é o caso de ultrapassar o local onde viviam as Sereias sem serem atraídos por elas ao caminho sem volta, ou seja, ao fundo do mar.

O próximo ponto de destaque nessa nossa explanação é a chegada de Ulisses à ilha de Calipso. Neste local, ele aporta sozinho, já que seus companheiros haviam sucumbido devido aos desígnios das divindades. Calipso, um ser divino, o acolhe quase maternalmente, porém, o herói não resiste aos encantos dela. A partir deste ponto, eles passam a explorar os prazeres que o corpo do outro pode suscitar.

Quanto mais tempo Ulisses permanecesse na ilha da deusa, menos se recordaria da sua vida antes de chegar até ali. Calipso, maliciosa, deseja que o homem continue a viver ali com ela por toda a eternidade, uma vez que ela ofereceu a ele a imortalidade. Ele disse que prefereria morrer como homem ao lado de Penélope, a se tornar um ser imortal. Porém, Ulisses, como aponta o narrador da epopéia, também buscou prazer no corpo da deusa, com ela viveu, dormiu e dela desfrutou.

Calipso demonstra, durante a narrativa, que se submeteu ao homem, uma vez que por ele nutre um sentimento, que se não for amor, é muito próximo. Isso não só pelo fato de entregar seu corpo a ele, buscar prazer com o corpo humano, mas também por oferecer a Ulisses um lugar a seu lado pela eternidade. Mesmo contra a vontade dele, a deusa não o deixa partir e o retém em sua ilha até a intervenção de outros deuses.

Somente após Hermes dizer a Calipso que Zeus manda deixar Ulisses partir, a deusa o deixa. Ressentida, ela volta para sua caverna e passar a ruminar aquele amor não correspondido.

Outra deusa que também possui uma certa relação com o herói homérico é Atena. Entretanto, ela não chega a relacionar-se com ele sexualmente. Isso não significa que afetivamente ele não seja seu escolhido, ou melhor, o seu preferido.

Desde de o início de Odisséia, notamos que Palas Atena intervém a favor de Ulisses, seja protegendo seu lar, seu filho, Telêmaco, e sua esposa, Penélope, seja ajudando-o durante seu percurso. Por um lado, a deusa prepara Ítaca para o retorno de seu rei, protege seu filho dos pretendentes de Penélope que desejavam matá-lo, incita Telêmaco a ser mais ativo diante das mazelas e abusos que os pretendentes faziam em sua casa, viaja com ele em busca de notícias do pai. Por outro lado, ela vai até Zeus pedir por seu preferido, solicita ao deus que deixe Ulisses retornar a Ítaca e não seja morto pela fúria de Poseidon.

Atena acompanha Ulisses durante a maior parte do tempo. Ela quem o ajuda a chegar na terra dos Feáceos. Lá, ela o protege que chegue ao rei daquele povo, já que sabia que ele poderia ser mal recebido pelos demais viventes daquela ilha. Os Feáceos são os que ajudam o herói a retornar para Ítaca. Quando encontra-se em suas terras, Ulisses esconde, com a ajuda de Palas Atena, os presentes que recebeu. Ela o envelhece, para que ele não seja reconhecido, volte a seu palácio, veja como está sendo ultrajado pelos pretendentes de Penélope e reconquiste o que é seu. Essa afirmação é endossada com a seguinte passagem de Auerbach (1998, p. 12), “[...] no caso do próprio Ulisses, o envelhecimento meramente físico é velado pelas repetidas intervenções Atenéia, que o faz parecer velho, ou jovem, segundo o requer cada situação”. Atena é quem protege Ulisses de ser atacado pelos parentes daqueles que foram mortos por ele. A voz da deusa ressoa e os demais homens percebem que ao lado do herói de Homero estão também as divindades do Olimpo.

Percebemos, através da narração da relação entre Ulisses e as deusas Circe, Calipso e Atena, o quanto o herói desfruta daquilo que elas podem oferecer. No caso de Circe e Calipso, ele desfruta da cama, do corpo e, de certa forma, da alma das deusas uma vez que elas se mostram rendidas por amor a esse humano. Em relação a Palas Atena, Ulisses também aproveita daquilo que a deusa pode lhe proporcionar, ajuda para retornar a Ítaca, proteção e também um forte amor. Não podemos afirmar que é um amor que envolve desejo de união carnal, mas nos apresenta muito mais como o amor de uma mãe que quer bem a seus filhos e descendentes.

Ulisses, como apontado anteriormente, diz preferir morrer como um humano, todavia, ele passa grande parte da Odisséia como um verdadeiro deus. Ele consegue proezas que nenhum mortal tinha conseguido até então. Além do mais, Ulisses subverte a ordem que estabelece o poder dos deuses sobre o homem. Tal afirmação é corroborada por haver durante a narrativa um destaque ao elemento humano pelo fato de os deuses, mesmo que não imediatamente, fazerem o que ele desejava, por ele influenciar a todo momento na vida das divindades e também por fazer com deusas, seres altamente superiores, por ele se apaixonem. Elas deixam a distância existente entre deuses e homens e são domadas pelo amor por um homem, que por sua vez é-lhes indiferente.

Há, desta forma, uma aproximação, senão uma dessacralização das figuras superiores (deuses), uma vez que o elemento humano as seduz. O destino dos homens não lhes é indiferente, ao contrário, é algo que, de alguma maneira, rege suas vidas. Como nos diz Bakhthin (1993, p. 424) “Nem mesmo os deuses estão separados dos humanos por alguma “verdade” particular: eles têm a mesma língua, a mesma concepção de mundo, o mesmo destino, a mesma extroversão ininterrupta”. Na épica, o homem aproxima-se das divindades e é transportado para uma zona de contato com elas que os torna miscíveis.


Referências bibliográficas:

AUERBACH, Erich. A cicatriz de Ulisses. In: Mímesis. A representação da realidade na literatura ocidental. São Paulo: Perspectiva, 1998, p. 1-20.

BAKHTIN, Mikhail. Epos e romance. In: Questões de literatura e estética – A teoria do romance. São Paulo: UNESP – HUCITEC, 1993, p. 397 – 428.

HOMERO. Odisséia. Trad. Introdução e análise Donald Schuler. Porto Alegre: L&PM, 2003.






Rodrigo C. M. Machado é Mestrando em Letras , com ênfase em Estudos Literários, pela Universidade Federal de Viçosa.

Ler Mais

Chico Buarque: Teatro e Intertextualidade


Essa semana dei uma aula sobre o teatro e Chico Buarque e acabei com vontade de partilhar com vocês alguma impressões básicas, sobretudo para quem só conhece suas belas canções. Na verdade, ele introduz-se no mundo da cena em 1966, quando é convidado pela direção do TUCA (Teatro da Universidade Católica) para musicar a peça Morte e Vida Severina de João Cabral de Melo Neto, que começara a ser ensaiada. Ele não compôs uma música que servisse de “fundo musical” para o texto, utilizou a forte musicalidade que o poema já carregava e ressaltou-a. Essa foi sua primeira incursão pelo universo teatral.

Roda- Viva (1968) é a primeira experiência do cantor como dramaturgo. Antes da peça, Chico era tido como “o bom moço”, aclamado pela crítica, idealizado pelo público, adorado pelas mulheres; ele tornou-se um mito, foi considerado a “unanimidade nacional”- expressão cunhada pelo humorista Millôr Fernandes. Mas essa unanimidade em torno de sua figura começara a se desfazer. Em 1968, é levada ao palco Roda-Viva, sob a direção de José Celso Martinez Correa, cujo tema é, exatamente, a desmistificação do ídolo popular e a denúncia das engrenagens do “showbiz”. Enfoca a vida, a paixão e a morte de um ídolo da música, bem como a necessidade de a indústria fonográfica substituí-lo, para não cansar a massa de consumidores.


Porém, como afirma o crítico Macksen, ela trazia à tona um Chico antilírico, chocante, destruindo a imagem muito consumível do bom rapaz: “ [...] (a peça) mereceu de José Celso tratamento arrasador. O ídolo descartável era servido de bandeja à platéia do Teatro Princesa Isabel, onde Roda-Viva estreou, como um pedaço de fígado, espalhando sangue e repulsa nos espectadores do lírico, vencedor dos festivais de música.
Já vimos que a temática da peça devia-se as questões da emersão do músico popular e de sua inserção no contexto da indústria cultural, que crescia com o advento da tv, além de outros produtos culturais. Como nos diz Diógenes André Vieira Maciel, Chico, em Roda-Viva fala de sua própria imagem, enquanto artista popular “vendido” como “bom menino”:

A sua segunda produção teatral, Calabar - O Elogio da Traição, escrita em parceria com Ruy Guerra em 1973 também se tornou alvo da censura e da peleja de Chico com a ditadura militar. No entanto, sua postura crítica não houvera sido extinta, pelo contrário, ela se consolidou com as peças seguintes, as quais Calabar encabeça. Ela havia passado pela censura, mas a sua encenação não ocorreu à época, o espetáculo não foi liberado, o que fez os produtores falirem.


Essa peça é uma sátira musical, que funciona como uma alegoria histórica, passada na época das Invasões Holandesas no Brasil do séc. XVII. Ela aborda a questão da lealdade e da traição, numa clara referência a conjuntura política do momento em que fora escrita, a ditadura militar instituída em 1964, que trouxe vários obstáculos à montagem da peça.

Nessa obra, encontramos uma reconsideração do papel da personagem histórica, o mulato Domingos Fernandes Calabar, estigmatizado como o traidor, por excelência, da pátria, na história nacional. Dentro dessa perspectiva, há uma relativização dessa figura histórica. Será que Calabar foi mesmo o traidor do Brasil? Já havia a idéia de nação aquela época? Quem merece ser lembrado pala História? Quais os critérios para se classificar alguém como traidor? E quem são, de fato, os heróis ou vilões?

Chico nos aponta uma tentativa de rever os fatos com olhos não colonizados, de maneira independente, livre da ótica de Portugal, que, por ter saído vencedor da guerra, foi quem orientou a interpretação histórica dos fatos.

Em 1975, dois anos depois de Calabar, Chico Buarque e Paulo Pontes “trazem” a tragédia grega Medéia de Eurípedes, do séc. V a.C. para um contexto brasileiro, carioca, um conjunto habitacional proletário do Rio de Janeiro da década de 1970: é a paga Gota d’água. Os autores se basearam numa adaptação de Medéia para a teledramaturgia feita de Oduvaldo Viana Filho, O Caso Especial Medeia, de 1972. Como nos afirma Diógenes Maciel, o texto da Vianinha escrito para a rede globo “acabou sendo a base para a concepção de Gota d’água, que, na realidade, desenvolve os planos do próprio Vianinha”.

Joana, a Medéia brasileira, é abandonada por seu amante Jasão, um compositor popular, mais novo que ela, e com quem tem dois filhos. Este vai casar-se com a filha (Alma) do proprietário das casas do conjunto residencial, Creonte.

Conforme os próprios autores há, na peça, a preocupação cultural com a identidade nacional, na medida em que põe o povo brasileiro no centro das questões. Dentro dessa perspectiva, Chico desenvolve um teatro relacionado ao ideário do chamado “nacional-popular”. Diógenes André Vieira Maciel, em seu livro Ensaios do Nacional Popular no Teatro Brasileiro, discute essa questão no teatro, baseando-se nas idéias de “intelectual-orgânico” e “sociedade civil”, constantes da obra Literatura e Vida Social do filósofo italiano Antônio Gramsci.


Para Diógenes, Eles não usam black-tie “inicia uma produção sistemática de textos escritos por dramaturgos reunidos em torno de um projeto que visa à representação da realidade nacional a partir da perspectiva das classes subalternas. O nacional-popular está “em textos dispostos a representar as classes subalternas, com ênfase para a representação do proletariado citadino”.

A produção teatral de Chico Buarque é marcada por intertextualidades. O próprio crítico Macksen escreveu um artigo, publicado no Jornal do Brasil, sobre seu teatro “marcado por adaptações”. Suas peças teatrais são criadas com um cunho intertextual. Segundo Sant’anna, Roda-Viva possui uma estrutura semelhante às narrativas da literatura de cordel. Calabar, o elogio da traição trata de uma personagem da história do Brasil, Gota d’água é uma adaptação da tragédia grega Medéia e a Ópera do Malandro baseou-se na Ópera do Mendigo e na Ópera dos três vinténs.

O que nos faz concluir que suas peças, especialmente, Calabar, Gota d’água e a Ópera mantém em comum, além da intertextualidade, uma expressão crítica, que estimula no público uma reflexão sobre a sociedade em que vivemos. Outro fator importante, de consonância em toda a sua dramaturgia, é a popularização das canções que permeiam as obras, tais como Roda-Viva, Tatuagem, Tanto Mar, Gota d’água, Geni e o Zepelin, Folhetim, O Meu Amor, etc, que viraram sucessos nacionais e foram grandes expressões da poesia de Chico Buarque.

Não falei sobre Ópera do malandro hoje, mas ainda vou falar.




Djalma Thürler é Cientista da Arte (UFF-2000), Professor do Programa de Pós-Graduação Multidisciplinar em Cultura e Sociedade e Professor Adjunto do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências da UFBA. Carioca, ator, Bacharel em Direção Teatral e Pesquisador Pleno do CULT (Centro de Estudos Multidisciplinares em Cultura). Atualmente desenvolve estágio de Pós-Doutorado intitulado “Cartografias do desejo e novas sexualidades: a dramaturgia brasileira contemporânea dos anos 90 e depois”.


Ler Mais

Vila ferroviária, Paranapiacaba.





No dia 04/05/2011, apresentei, por meio de textos e images, a Vila de Paranapiacaba para uma turma da Melhor Idade no projeto de extensão do Centro Universitário Fundação Santo André. Foi muito rico e satisfatório ver neles o anseio em apreender mais. Nesta coluna, divido com os leitores um pouco do que apresentei no dia.

A Vila de Paranapiacaba foi idealizada com intuito de atender as necessidades para a implantação da primeira ferrovia do Estado paulista: a Estrada de Ferro São Paulo Railway, projeto que visava ligar o oeste de São Paulo ao porto de Santos. Por volta de 1830, Alfred Mornay inicia os estudos de um projeto voltado para articular o porto de Santos com a zona produtora rural situada no oeste paulista, no entanto, não foi aprovado pelo engenheiro Robert Stephenson, filho de George Stephenson - o inventor da primeira locomotiva a vapor, que participou da construção da estrada de ferro entre Manchester e Liverpool, na Inglaterra, as primeiras estradas de ferro do mundo.

Somente, em 1856 foi concedida a construção pelo governo Imperial ao Barão de Mauá, Marques de Monte Alegre e José Antonio Pimenta Bueno, no entanto, não havia recursos financeiros para a sua consolidação. Foi então, que Barão de Mauá entregou ao engenheiro inglês especializado em construções ferroviárias James Brunlles e, de acordo com o interesse mercantil de escoamento preponderantemente o café e também as de fontes de energia, matérias-primas, extrativismo vegetal e mineral, voltados para a construção civil, também tinham interesses nos gêneros alimentícios e nos derivados de argila.

Esses insumos eram cultivados no interior paulista uma região de difícil acesso, portanto, com o intuito de escoar essas mercadorias para o Porto de Santos de forma mais eficaz, além do interesse de consolidar um mercado consumidor, foi autorizada à construção com o investimento inglês. Como no Brasil não havia “mão-de-obra qualificada” para tal trabalho foi necessário à vinda de engenheiros ingleses para a efetivação do projeto ferroviário.

Trecho da serra, sistema funicular. Acervo RFFSA

A escolha para estadia inglesa em terras brasileiras não foi escolhida aleatoriamente, a similaridade do clima desta região serrana com o inglês foi um dos determinante para que a constituição do distrito Vila Paranapiacaba, primeiramente denominado Alto da Serra, se torna a materialização deste advento histórico. De fato, toda a bagagem vinda destes engenheiros tiveram total influência para a construção desta Vila, que também foi selecionada devido a sua localidade, inicialmente, não tinha o planejamento de uma estação, posterior a esse fato ela era a ultima parada antes de chegar ao porto. Com o início da construção da estrada de ferro liderada pelo engenheiro inglês Daniel Makinson Fox, este adotou o sistema funicular devido o planalto paulistano localizada na Baixada Santista ser muito íngreme, com cerca de 800 m de altitude, havia uma maquina fixada a vapor por meio de cabos de aço tracionavam em quatro rotas as composições. Em 15 de maio de 1860, foi projetado um acampamento para os trabalhadores do sistema ferroviário e por causa da manutenção alguns deles tiveram que residir na região, naquele período era denominado: Alto da Serra.

De 1860 a 1861 entre 1884 a 1885, o café apresenta-se favorável, sendo o Brasil o principal país produtor mundial. Os superávits ajudaram o país a se equilibrar e os novos empréstimos eram destinados ao desenvolvimento interno, principalmente as estradas de ferro.

Grota funda, com 90 metros de altitude.

O primeiro trecho da ferrovia paulista ficou pronto em 1864 e, em 16 de fevereiro de 1867, foi inaugurado o sistema funicular, inicialmente com duas viagens por dia. Este primeiro sistema foi denominado Serra Velha, funcionou no período entre 1860-1899. Devido à expansão da economia cafeeira e dos interesses de atender o mercado agro-exportador, a estrada de ferro foi um meio fundamental para a circulação de mercadorias, este sistema tem como objetivo articular Santos – São Paulo – Jundiaí. A introdução do sistema ferroviário facilitou o desenvolvimento do comércio e da produção agrícola no interior de São Paulo. Os operários ainda tinham a moradia provisória, viviam acampados.

Acampamento e ferrovia. Foto de Militão.



Foto de Militão, acampamentos no patamar e ao fundo uma serrabreque.

Com a expansão do cultivo do café, rapidamente, torna-se preciso ampliar a ferrovia, assim em 1896 inicia-se a construção da estrada férrea e como também foi construída a casa do engenheiro-chefe, conhecida Castelinho e a Vila Martim Smith, com casas de madeira e telhados em ardósia estilo arquitetônico inglês para os trabalhadores da empresa, uma região com um planejamento urbano projetado pela companhia. Para atender a população regional e por sua localidade ser estrategicamente moldada para atender os interesses do escoamento das mercadorias pela ferrovia, este distrito foi fragmentado numa construção de duas áreas ou núcleos, uma vila pertencia à companhia S.P.R.: a Vila Martim Smith e o outro a Parte Alta conhecida também como Morro, a qual era voltada para comerciantes desde 1860, para atender a população que morava nesta região, os trabalhadores, em sua maioria, imigrantes portugueses que não queriam sair da vila mesmo depois de aposentados.


Anúncio publicado no jornal O Estado de São Paulo em 26/8/1892

O Segundo Sistema Funicular foi inaugurado em 1900, em outubro começou a funcionar e foi entregue ao público em 28 de dezembro de 1901, denominado também como Serra Nova. Para tracionar as composições nas subidas e decidas entre Raiz da Serra (Piaçanguera) e o Alto da Serra era preciso desmembrar os conjuntos dos vagões, que eram conduzidos pela a locomotiva Locobreque, por volta de 10 km e no caso de uma precisão a locomotiva se prendia a um cabo de tração no centro dos trilhos, este cabo que rebocava o conjunto, para descer a Locobreque e vagões prendiam-se para equilibrar e não cair. Formado com cinco rampas com 2 km de distancia e cada uma com sua maquina está a vapor fixa.


"Serra Nova" e "Serra Velha". Foto de Militão.

A companhia S.P.R. operou até expirar o prazo da concessão em 13 de outubro de 1946 e ser de posse da Estrada de Ferro Santos – Jundiaí.

Antiga Estação Alto da Serra. Arquivo publico do Estado de SP

“Com o sistema aderência-cremalheira, desapareceu o primeiro plano inclinado construído na década de 1860. O Segundo Plano Inclinado continuou em atividade até 1982, sendo então desativado comercialmente. O mesmo, de 1896 a 1990, mais ou menos, no trajeto que corresponde à ligação do Quinto Patamar na Vila de Paranapiacaba com o Quarto Patamar, na Grota Funda, foi operado, precariamente, por funcionários de uma entidade civil denominada ABPF (Associação Brasileira de Preservação Ferroviária). O mesmo se dava aos fins de semana, apenas para atender fins turísticos. Paranapiacaba, portanto, pode ser considerado patrimônio de interesse internacional pelos seus famosos sistemas funiculares de cabos de aço que tracionavam os trens: o primeiro, inaugurado em 16 de fevereiro de 1867, e o segundo, em 28 de dezembro de 1901.” Prof. Issao Minami, Departamento de Projeto FAUUSP


Trabalhadores da SPR. Acervo RFFSA

"Paranapiacaba é tipicamente uma vila construída por uma empresa, para a instalação e controle da vida dos seus funcionários. /.../ A Vila de Paranapiacaba é um conjunto urbanístico. O seu valor excepcional não está na qualidade do projeto arquitetônico ou urbanístico, com traçado relativamente simples. A excepcionalidade está no fato de que nós nunca tombamos no Brasil, locais de trabalho e locais de habitação do povo. /.../ a importância desse exemplo, é a de um conjunto urbanístico representativo de um ciclo histórico do Brasil e um dos primeiros casos, se não o primeiro, de uma vila que foi construída para trabalhadores brasileiros, e que é representativa desta parcela da população, da vida urbana brasileira que nunca foi reconhecida." (Nestor Goulart Reis Filho, 2004)

E até o próximo mês,

Soraia O. Costa graduada em Ciênciais Sociais pelo Centro Universitário Fundação Santo André (CUFSA). Pesquisadora e documentarista do projeto "Transformação sensível, neblina sobre trilhos" sobre a memória social e o patrimônio ferroviário na Vila de Paranapiacaba - apoio institucional CUFSA, Universidade Federal do ABC (UFABC) e Ministério de Cultura e Educação MEC/SEsu. Integrante do Movimento Artístico de Ocupação Urbana.
Ler Mais

POETAMIGOS II

A matéria POETAMIGOS foi tão interessante e comentada que resolvi dar continuidade, transformando-a em um relevante projeto de divulgação. Afinal, são tantas “feras” escondidinhas em cada uma dessas selvas de pedra existentes e espalhadas por esse imenso e di.verso país.
Nesta segunda, continuo a divulgar o trabalho de primeira dos amigos que fazem da poesia a sua trilha. Poetas também premiados, cada um com seu estilo, mas sempre com muito a dizer, descrever, escrever.
Apreciem mais esta grande seleção de versos que vieram para compor e abrilhantar o uni.verso de hoje.


EU TE ODEIO, EU TE AMO
Amanda Reznor (São Paulo - SP)

É verdade o fato de que EU TE AMO
E eu nunca declarei a você que
Sou capaz de viver sem um amo.
Gostaria que só entendesse que:

neste meu solitário coração
há somente um vago rombo fatal
reservado a você, queria ou não;
Perto de casa há um valo abismal

e só o que penso é, sem rodeio:
se amanhã você passar por mim,
sem ao menos dirigir um olhar

É ali mesmo que irei me jogar
provando ser mentira que, sim
disse um dia que EU TE ODEIO.

(agora leia de baixo para cima).

 
MUNDOS
Edelson Nagues (Brasília - DF)

I
Solidão – esse é o nome
do mundo a que pertenço.

Entre milhões, solitário,
carrego a vida in progress
e um projeto de morte.

Sem plano de vôo que o valha,
entrego-me a tal desdita
como  quem se fizesse escravo.

II

No trajeto, me deparo
com seres também solitários.
Traçamos, então, paralelas
que insistimos trilhar.

(Mesmo que olhares, mãos,
gozos e outras ânsias
se cruzem por linhas incertas

– pois solidões que se toquem
ainda serão solidões.)

III

De onde vem o solitário?
Qual a linhagem? a  essência?
o ponto de interseção?

A resposta, em parte,
acaba por revelar-se
na face de cada um.

O solitário, por certo,
vem de outro mundo
– o de dentro.

O resto é só disfarce.


SEPULCRAL
Sebastião B. Júnior (Muriaé - MG)

Na avenida,
     a mira apontada
    desvela
           um destino.

No velório,
        a idade avançada
      revela
            uma voz:

_ O silêncio vive apenas
entre tábuas de madeira,
               insetos
             e grãos de areia...


Abraços literários e até +.



 
Ler Mais

A gente quer comida, diversão e ARTE

Nos últimos dias, por um acaso, encontrei muitas notícias sobre o Rock in Rio. Depois de uma pré-venda surpreendente - segundo a organização do festival, 100 mil ingressos foram vendidos antes que todas as atrações tivessem sido anunciadas -, ontem (7) os ingressos foram oficialmente colocados à venda. O preço do ingresso mais barato é R$190 (inteira).

Também essa semana, fiquei sabendo, pela Ana Paula Nunes, que também escreve aqui, sobre o Salão do Livro de Guarulhos, que termina hoje. Não moro na cidade, mas fiquei curiosa e corri para o site ver quem ia passar por lá. “As atrações” não deixavam a desejar (deixam um pouquinho de inveja em quem não pôde ir, isso sim) e, o melhor, a entrada, todos os dias, era gratuita.
Acho que as duas informações se misturaram na minha cabeça e me peguei pensando sobre o valor que aceitamos pagar pelas coisas.

Tudo bem, quando você paga para entrar em uma bienal, ou em uma feira de livro, a intenção é que você gaste mais lá dentro, fique encantado com aquele monte de estandes (e estantes) e compre livros que nem imaginava que existiam. Mas em um show, caso você resolva beber alguma coisa (e você provavelmente vai querer, depois de ficar lá horas esperando o show realmente começar, levando em conta a “pontualidade” brasileira), também vai gastar, pagando um preço absurdo, não justificável sob nenhum ponto de vista, por uma simples garrafinha de água.

Numa feira de livros, se você puder participar de um bate-papo com autor ou de uma sessão de autógrafos, vai ter uma experiência bem mais “próxima” com o artista do que na maioria dos shows. Você pode fazer uma pergunta (privilégio geralmente reservado a imprensa, no caso dos shows), fazer algum comentário inteligente enquanto ele assina seu livro (ou só dizer “adoro o que você escreve”, ele vai entender) e ainda tirar uma foto rápida, pra mostrar pra família. Num show? Se você conseguir um lugar onde não seja amassado por todos os lados, não leve um banho de cerveja e o som esteja bom, pode se dar por satisfeito (isso provavelmente não vai acontecer).

Feiras de livro e shows são, obviamente, duas experiências completamente diferentes. Na verdade, não são coisas que se deve comparar. Existem feiras e feiras, shows e shows. Talvez a graça do show seja exatamente os “perrengues” que vem com ele, talvez feiras de livro sejam o ponto alto da arte transformada em negócio, talvez não seja nada disso ou nada disso importe.

O que me levou a fazer a comparação entre show/feira literária foi um pensamento que cruzou minha cabeça enquanto lia sobre a venda de ingressos para o Rock in Rio e sobre o Salão do Livro de Guarulhos e que resolvi compartilhar. No final das contas, cantores, escritores, dançarinos, pintores, etc, são todos artistas Fiquei pensando em como já estamos acostumados e achamos normal pagar (ou achamos normal que seja cobrado, ainda que não possamos pagar) R$ 100 para assistir a um show, às vezes de menos de 2h e com playback, dependendo do “artista”. Mas, e eu falo por mim, não acho normal (e provavelmente não pagaria) pagar o mesmo para acompanhar, por igual período de tempo, um autor falar sobre seu trabalho (ou um pintor criar um quadro, por exemplo).

Em relação a algumas formas de arte, queremos o produto final. Em outras, queremos o “movimento”. Algumas vezes, como num show, pagamos pelo momento e (além dos eventuais hematomas) só voltamos para casa com a memória. É interessante pensar o quanto estamos dispostos a pagar por elas.


Mônica Bento é jornalista, formada pela Universidade Federal de Viçosa (MG). Em seu trabalho de conclusão de curso estudou a função social das salas de cinema e desenvolveu a reportagem multimídia CineMemória. É editora-assistente da Contemporâneos - Revista de Artes e  Humanidades.



.
Ler Mais