CURRICULO GUEI E DIREITOS HUMANOS
Depois do V Colóquio Internacional Educação e Contemporaneidade, que aconteceu entre os dias 21 e 23 de setembro de 2011, em Aracaju, algumas questões soaram importantes no debate sobre identidade e sexualidade nas escolas. Divido as ideias aqui com meu orientando de Mestrado, Josué Leite.
Diante desse cenário, do líquido mundo moderno, para pensar com Bauman, não é possível tratar das identidades sexuais e de gênero sem deixarmos de cruzar os fundamentos do Estado Democrático de Direito, expressos na garantia da soberania, da cidadania, da dignidade da pessoa humana, nos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, no pluralismo político.
Também, não é possível abordar tais temáticas sem uma discussão acerca do papel e da função social da escola na sociedade contemporânea, afinal, como referenda Torres “uma das funções sociais da escola é preparar o cidadão para o exercício pleno da cidadania vivendo como profissional e cidadão”.
Além do mais, estamos assistindo nos dias contemporâneos a uma grande explosão das diferenças étnicas, sexuais, culturais, nacionais..., que põe a questão do resgate e da valorização da identidade. Cada vez mais nos indagamos juntos com Eduard Leal Cunha: “Quem sou eu?”
Entendemos a Identidade, pois, como “um projeto a ser realizado no tempo e sujeito a permanentes ajustes por conta do input de novas informações e da permanente transformação do ambiente, a qual por sua vez exige continuamente novas escolhas e constantes mudanças táticas”. As identidades sejam elas sexuais, de gênero, raça, etnia, etc. não são um produto acabado, senão um processo contínuo que nunca se completa, constituída socialmente, subjetivando-se em seu espaço e tempo. Os sujeitos são, portanto, fluídos e se inventam no transcurso de complexas histórias, fundadas no sistema de pertencimento. Cada identidade é perpassada por outras identidades, por outras histórias de vida, fazendo-se, assim, sujeito de múltiplas identidades.
Nesse sentido, autores como Silva (2000) e Louro (2001) também acenam para a compreensão de identidade enquanto constructo social. Silva (2000) ao abordar o tema, trata de identidades compreendendo-as como construções, efeitos, processos de produção, como relação, atos performativos, adjetiva-as como sendo instáveis, contraditórias, fragmentadas, inconstantes, inacabadas. Ainda diz que as identidades estão ligadas aos sistemas de representação e possuem estreitas conexões com relações de poder.
Segundo Guacira Louro, “as identidades de gênero e sexuais são, portanto, compostas e definidas por relações sociais, elas são moldadas pelas redes de poder de uma sociedade”. Desse modo, compreendemos que a identidade sexual é construída ao longo da vida através da imagem física, de como a pessoa é tratada e como ela se sente, e em geral se manifesta em um comportamento social, chamado de papel sexual, mas que também inclui as relações sexuais. Ou ainda, que as identidades de gênero elas não são simplesmente herdadas ou reproduzidas pelas instituições, “se faz gênero” diariamente, através do sentimento de pertencimento nos diversos espaços pelos quais transitamos: na rua, no trabalho, na família, na escola, etc.
Frente às complexas interfaces socioculturais dos processos identitários sexuais e de gênero, acima citados, os paradigmas hegemônicos pautados na heteronomatividade mostram-se falhos e inadequados e fazem emergir inúmeras reivindicações de diferentes povos e culturas, cujo ideal de justiça deixa de significar somente a busca pela igualdade, mas, primordialmente, a busca pelo respeito à diferença, as identidades sexuais e de gênero e a diversidade sexual.
Educar para a cidadania requer a inclusão das questões sociais no currículo escolar, no processo de aprendizagem e nas práticas pedagógicas dos professores, assim como, o exercício da cidadania nos vários âmbitos escolar. Para o exercício da cidadania, se faz necessária à compreensão e o respeito aos direitos humanos. Só é de fato cidadão, o indivíduo que conhece os seus direitos, usufrui dos mesmos e em contrapartida, respeita os deveres advindos destes direitos.
Nesse contexto, a educação para a diversidade sexual e sexualidade toma um papel fundamental na construção de ações e posturas afirmativas identitárias. A escola, como afirma Louro (2003) tem se tornado um dos aparelhos mais eficientes no controle da sexualidade. Ainda hoje, após o avanço de estudos e discussões acerca da existência de várias formas de vivenciar o gênero e a sexualidade, os profissionais em educação norteiam suas ações com base em um padrão, considerando “normal” e “sadio” – a heterossexualidade- negando as demais identidades sexuais.
Compreender a sexualidade sob a égide da eqüidade torna-se, diante do contexto apresentado, uma alternativa favorável de promoção da pessoa humana quanto “o vir a ser”, isto é, a constituição de ações afirmativas da auto-aceitação e auto-realização do sujeito, sobretudo, nas identidades sexuais e de gênero.
Por fim acreditamos que, ao relacionar identidades sexuais e de gênero, Direitos Humanos, Cidadania e a Educação, trilhamos por uma concepção de educação e escola libertadora, promotora de ações afirmativas identitárias em conformidade com os direitos da pessoa. Como afirma Freire (2000), necessitamos de uma educação para a decisão, para a responsabilidade social e política, sem esquecer de que não há educação fora das sociedades humanas, como também não há o homem/mulher no vazio.
Djalma Thürler é Cientista da Arte (UFF-2000), Professor do Programa de Pós-Graduação Multidisciplinar em Cultura e Sociedade e Professor Adjunto do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências da UFBA. Carioca, ator, Bacharel em Direção Teatral e Pesquisador Pleno do CULT (Centro de Estudos Multidisciplinares em Cultura). Atualmente desenvolve estágio de Pós-Doutorado intitulado “Cartografias do desejo e novas sexualidades: a dramaturgia brasileira contemporânea dos anos 90 e depois”.