O velho e bom Camões



Nenhum fato da vida de Luís Vaz de Camões pode ser proferido como verdadeiro, não há dados suficientes que mostrem como viveu, onde, com quem ou mesmo se tudo o que ele escreveu é, realmente, criação sua. Há sim alguns fatos, tidos como prováveis, relatados em documentos oficiais, e também em biografias dos nobres da época - que de alguma forma se relacionaram com esse autor – que são fatos utilizados por historiadores, críticos literários e escritores para traçar uma ideia do que foi a vida de Camões.

Especula-se que ele tenha nascido por volta de 1524-1525, não se sabe onde e, mas, conhece-se que não era um nobre, que frequentava a vida boêmia de Lisboa e também a corte. Foi uma pessoa que participou de farras, de arruaças, brigas e um fato interessante, foi o de Camões, considerado o maior poeta da Língua Portuguesa, não ter frequentado o circulo dos letrados de sua época.
Por ter uma vida conturbada e aventurosa, esse autor não era bem quisto pelas autoridades, muito menos pelos letrados da época, isso se comprova no momento em que Camões fere um homem em uma luta, é preso e depois é “deportado” para a índia como um soldado de guerra. Várias histórias lendárias giram em torno da estadia deste homem na Ásia, um que mais chama atenção é o fato de que o barco onde ele estava  naufragou e ele deixou de salvar a mulher amada para salvar os manuscritos d’Os Lusíadas.
A estadia dele na Ásia também foi marcada por confusões e tumultos, e com a ajuda de amigos conseguiu pagar suas dívidas e voltar para Portugal.Após chegar neste país, Luís  Vaz de Camões buscou editar Os Lusíadas e segundo Saraiva e Lopes (1996) essa obra alcançou um certo status, tendo suas composições percorrendo o território português.
Camões foi um autor efetivamente versátil, que escreveu poemas amorosos (lírica), poemas épicos (Epopéia) e também peças teatrais. Porém ele obteve um maior destaque em relação à sua obra épica, à Epopéia Os Lusíadas.
Este homem foi um autor de destaque, pelo fato de não ter se limitado a uma forma de escrita ou uma corrente que era vigente na sua época, a obra camoniana abrangeu correntes artísticas e ideológicas distintas, nela ele foi capaz de  assimilar diferentes valores e tópicos característicos  no século XVI. Ele soube também sintetizar os elementos da tradição literária portuguesa e as inovações que vieram do estrangeiro, principalmente, da Itália.
Já havia uma idéia de criação, por parte dos governantes portugueses, de uma obra que exaltasse todo o caráter de conquistas e aventuras de Portugal, perante as outras nações, ou seja, de um poema heróico que cantasse a expansão portuguesa. Camões é  a pessoa que consegue descrever esse processo expansionista português com grande maestria, para isso ele buscou escrever nos moldes Greco-romanos e dialogou constantemente com as obra épicas da Grécia e Roma antiga: Ilíada, Odisséia e Eneida.
Há uma questão em que o autor se baseia para construir sua obra, que é o fato de que da mesma forma em que outras nações exaltaram seus feitos e conquistas, os portugueses mereciam, também, uma canção épica que fizesse justiça às grandes navegações e à expansão mundial que se iniciou por causa daquela.
A obra camoniana dialoga com os textos de Homero e Virgílio, e também não exclui uma marca intertextual com o texto histórico ( mapas, histórias de viagens e um contexto cultural de crença na possibilidade humana de avanças e vencer desafios) e o texto literário, esse diálogo nasce a partir de uma motivação simbólica para consagrar um valor de virtude.
Como todos os escritores, Camões não escreveu um texto totalmente original, ele elegeu os textos com os quais dialogaria. Ele viveu em um período estético marcado pela primazia do clássico, por isso dialogou com os mitos gregos e romanos.
Os moldes em que Camões se baseou para a escrita de sua obra, eram moldes ligados diretamente às lendas, às criaturas majestosas, a Deuses que participavam da vida dos homens. Os homens por sua vez deveriam agir como verdadeiros heróis para fugirem do destino traçado para eles e para buscarem superar  através da astúcia e força os seus adversários e até os Deuses e os obstáculos que estes colocariam para tais “heróis”, esses homens buscavam superar condições inimagináveis e se sobressair a todas as lutas, como verdadeiros imortais.
Segundo Saraiva e Lopes (1996), Camões se baseou principalmente nos textos homéricos, pelo fato destes terem surgido como literatura oral e tidos como verdadeiras as suas histórias, e que depois de várias mudanças ocorridas, devido ao fato destas canções épicas terem  diversificadas versões, elas se tornaram muito inverossímeis.Ou seja, por terem sido as duas primeiras obras a criar esse modelo de epopéia é que Camões se baseou nos textos homéricos, para ele a Eneida teve sim importância, mas não tanta quanto os outros dois, pelo fato de ter sido criada a partir dos modelos de Homero.
O autor escreveu a exortação a Portugal e seu povo – com um recuo do olhar no passado - , se apoiando num passado de uma população que já estava recuada e que já havia perdido todo o brilhantismo que lhe cabia e que viveram durante  os anos iniciais da expansão marítima.Ele fez isso como uma ótica do presente e disse que essa história por ele escrita, que ele viveu, viu e sentiu, faz jus ao povo português , pois foi o momento em que Portugal deu ao mundo novos mundos, ele trabalhou, então, com a tentativa de impedir um esquecimento de uma era tão grandiosa para sua nação.
 A obra camoniana foi a única capaz de dar forma a um sonho de criação de uma epopeia de Portugal, este autor, através de sua criação artística, conseguiu feitos nunca esperados, e altamente a frente séculos e séculos de sua época, já que depois dele não se conhece nenhum autor que conseguiu de maneira majestosa exprimir a soberania de um povo perante aos demais. Esse ideal humanístico de Camões, de exaltação do humano, é um impulso de construção d’Os Lusíadas, pois este livro diz respeito a uma experiência do mundo em que o homem é o centro, existe uma crença na capacidade de superação do ser humano.
No momento em que o mundo deixara de ser teocêntrico, as pessoas já não acreditavam mais em vários Deuses , como os Deuses gregos, momento em que  os modelos literários que prevaleciam eram os do romance de cavalaria e  que a narrativa – oral ou não – maravilhosa, perde lugar para à leitura de textos mais limitados, desprovidos de qualquer característica do maravilhoso, Camões busca novamente o gênero épico.
Possivelmente, para o maior autor de Língua Portuguesa, o texto para ser considerado engenhoso, ele deveria seguir modelos ditados pela antiguidade, para ele um valor mais alto deveria surgir e se impor como superior aos que o antecedem.Deveria surgir um canto que superasse os modelos dos grandes textos anteriores a ele.
A partir da idéia de expansão marítima portuguesa é que nasce a ideia de uma epopeia. “Segundo essa ideologia, os Portugueses cumpriam uma missão providencial, dilatando tanto o Império como a Fé: eram os cruzados por excelência.[1]”Ou seja, segundo a visão do autor, os homens que participavam efetivamente da expansão marítima portuguesa agiam de maneira expansionista, não só no sentido de aumentar o império, mas também de levar junto com essa crescimento a ideologia cristã (Católica) e expandi-la também.
Nota-se neste ponto que Camões, por mais arruaceiro que possa ter sido, se revelou como um homem que amava a seu rei, seu país e seguia “fielmente” a doutrina da Igreja Católica, ele vivia ainda em um ambiente  impregnado pelas cruzadas em relação aos mouros, à expansão das terras portuguesas e de toda  a ideologia que conseqüentemente a ela tinha se tornado inerente. 
O autor enxerga a história de Portugal, a história da expansão, como uma verdadeira cruzada que deveria servir de exemplo aos demais povos cristãos. Vale ressaltar todo o ideal guerreira de conquista que perpassa o texto camoniano. Na obra deste autor ele exprime a ideologia de uma nobreza guerreira – herança da idéia de nobreza guerreira que perpassou pela Idade Média – e  culta, dentro da qual ele está contido.
Ele se fixa tanto na ideia de expansão, que desconsidera a ganância mercantil, os comerciante e o comércio – que antes era  a economia para a qual os portugueses se dedicavam – era algo muito ínfimo perante tudo de novo e grandioso que surgia.
Para a escrita de sua epopeia, Camões escolheu como tema toda a história portuguesa e, conseqüentemente, dos portugueses, por esse motivo dá ao livro o nome de Os Lusíadas, que remete a lusos, que seria o povo português.
O autor, ao contrário de Homero e Virgílio, não elegeu um só herói para sua narrativa, ela é composta de vários heróis  nem tão atuantes como Ulisses e Enéias, mas escolhe uma viagem, elege uma rota para sua história que é a Viagem de Vasco da Gama. Essa viagem não foi suficiente para a construção de uma epopéia, pois faltava-lhe enredo e paixões, ela era composta somente por uma narrativa cronológica.
Por esse motivo, o poema é constituído de protótipos Greco-romanos, principalmente de disputas entre os Deuses, como se um Deus estivesse a favor do povo português e outro não e os dois estivessem entre si em uma luta constante.Os obstáculos e lendas que os portugueses enfrentaram em toda a jornada da expansão foram narrados inspiradamente nas narrativas de Homero e Virgílio. Isso Que dizer que “ a mitologia desempenha portanto uma função  central n’Os lusíadas: a de lhe dar uma unidade de ação  enredo dinâmico.Mas Camões procurou tirar dela um partido concepcional e estético mais original[2]”.
Além de contar uma história, ele também descreveu em sua obra acontecimentos, doenças, obstáculos que enfrentavam durante as viagens expansionistas. Descreveu regiões, fenômenos naturais, ele utilizou de tudo de maravilhoso que as descobertas lhe proporciovam para  a construção de sua obra, trouxe à tona verdades, mentiras e mitos os quais por séculos não deixaram que os homens tentassem vencer o mar e buscar novos mundos.
N’Os Lusíadas há também toda uma exaltação do amor, não como um fato erótico, mas como uma tensão que  transfiguração de todo essa mundo encantador e maravilhoso real e amoroso.O mito antigo assume a função alegórica, os feitos portugueses são ainda mais intensos que os de Ulisses e Enéias, aqueles também lutam contra bestas, contra Deuses e se engrandecem ao ponto de se tornarem os verdadeiro Deuses do mar e da expansão marítima.
O amor que nasce no “Herói” camoniano diz respeito muito mais a um amor pela pátria, pelos descobrimentos e até mesmo pela religião, do que a um amor carnal que os heróis Greco-romanos estavam envolvidos em suas histórias. Aquele tenta passar para a História do mundo como o homem que descobriu o mundo, que fez a ligação entre mundos diferentes, que expandiu as fronteiras do que se conhecia como terra, que proporcionou a todos uma expectativa e um anseio por uma vida melhor relacionada a ambientes extremamente maravilhosos e encantadores. Foi esse herói de Camões, o homem capaz de enfrentar os medos, os mares, os mitos, e descobrir para sua pátria um novo horizonte de vida.
Segundo Saraiva e Lopes (1996) na epopeia camoniana são encontradas as únicas críticas sociais feitas por camões – formuladas a partir de um ponto de vista aristocrático e monárquico – em que ele se recusa a cantar a “virilidade” do rei ou a ambição dos aduladores deste, de suas amantes e também há uma crítica aos clérigos que ao invés de se preocuparam com a salvação das almas e em expandir a palavra de Deus, se preocupam somente com dinheiro e ambições.
O autor em questão, transmite-nos a idéia clara de que ele não vê o processo expansionista como uma revolução social, mas sim como um processo político, estético , religioso, científico e estético, que já é motivo de orgulho para a nação portuguesa.
Todo o sentimento patriótico da obra camoniana serviu não somente para exortar o feitos de guerra de um povo sofrido, por causa destas, mas também como um culto ao idioma que Camões , senão é o responsável, é um dos grandes responsáveis pelo estabelecimento do Português como idioma- idioma esse que juntamente com as expansões marítimas se expandiu e hoje é falado em quase todos os continentes terrestres.

Referências Bibliográficas:
SARAIVA, António José e LOPES, Oscar. História da Literatura Portuguesa. Porto: Porto Editora, 1996.










Rodrigo C. M. Machado é mestrando em Letras, com ênfase em Estudos Literários, pela Universidade Federal de Viçosa. 




[1]  Idem, Ibdem, p.334
[2] Idem. Ibdem. P.337
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Selton Mello dirige e atua em “O Palhaço”

Tenho um carinho especial pelo circo. Quando pequena cheguei a ter medo de palhaço, como muitas crianças, mas superei esta fase. Lembro-me de um fato intrigante que aconteceu quando fui apresentar o “Ciclo Fellini” na PUC SP e um dos filmes exibidos seria “I Clowns”, 1970, de Fellini. Um colega da Bahia, ator clow, teve uma idéia interessante; sair pelo campus da PUC vestido de palhaço, fazendo piadas e chamando os alunos para assistirem o filme de Fellini. Para minha surpresa a maioria dos jovens reagiram com extrema reserva e não entraram nas piadas do colega que estava impecável como palhaço. Muitas meninas ainda guardavam o tal medo do palhaço e se assustavam ao serem abordadas por ele. Outros, irritados, fechavam a cara, desprezando a atuação.  Tudo bem, depois do susto os jovens se soltaram um pouquinho e alguns admiraram a coragem do ator em adentrar o campus da universidade vestido de palhaço.

Selton como Benjamin (Pangaré) e Paulo José como Valdemar (Puro Sangue)
Participação especial de Jackson Antunes 

Os palhaços me encantam.... ver Selton Mello de palhaço seria uma linda aparição!!!!

Ótima atuação da dupla de clowns
Então resolvi ir ao cinema para ver Selton Mello como palhaço. Não me decepcionei. O ator  encarnou muito bem a personagem, atuação alvidada pela química perfeita entre ele e seu parceiro Paulo José, respectivamente, Pangaré (Benjamim) e Puro Sangue (Valdemar). Este é o segundo longa dirigido por Selton; o primeiro, “Feliz Natal”, 2008, não teve muito público mas levou o prêmio de melhor diretor no “Festival de Paulínia” na edição de 2008. “O palhaço”, exibido em aproximadamente 258 salas, já fez 569 pessoas rirem e se emocionarem.  Um sucesso!
Trailer do filme:


Teuda Bara encanta como Dona Zaira ( um Tableau Vivant )

O filme retrata as histórias do Circo Esperança que surgem a cada parada, a cada cidadezinha do interior de Minas Gerais onde a trupe ergue sua lona. A história do circo é  incrementada pelas  histórias dos integrantes da trupe: o casal de acrobatas, os irmãos músicos, o ilusionista e sua filha, Lola, Dona Zaira e outros. São cenas que evidenciam a dura vida dos artistas nômades circenses. Benjamin (Selton Mello), sente o peso de dirigir o circo e atuar como palhaço, pois é responsável desde o alvará de funcionamento do estabelecimento até pelos enormes peitos de Dona Zaíra (Teuda Bara), que ficam sem proteção durante uma de suas atuaçoes.
Trupe circense do filme
Selton Mello diz que somente cogitou a possibilidade de atuar como protagonista quando o convite feito, primeiramente a Rodrigo Santoro e depois a Wagner Moura,  foram recusados, pois estavam envolvidos em outros projetos. O fato é que o filme foi feito por Selton e para ele. E isso fica claro do início ao fim do filme, pretensão chapliniana. Confesso que em alguns momentos este egocentrismo me incomodou. As participações da Velha Guarda do humor televisivo formam ínfimas. Moacyr Franco fez uma das melhores cenas e contou uma das melhores piadas do filme; porém teve uma cena curtíssima. Longe de mostrar os reais percalços pelos quais os artistas circenses passam, o filme é mais para evidenciar o talento de Selton do que para homenagear o palhaço.

Muitas cenas lembram os Tableaux Vivants do séc. 19

O tema do filme expõe um dilema complexo e  batido da humanidade: o palhaço que faz todos rir é triste e chora por dentro.  Este é o dilema do cotidiano humano, não somente do personagem palhaço, mas de todos nós, cidadãos comuns que encarnamos o personagem lúdico para continuarmos a vida danada e sofrida que temos;  afinal, o humor ainda é a melhor forma de lidar com as dores internas e externas da espécie.
Alguns propósitos são enlatados, forçando a barra para que o filme seja politicamente correto. Isso é facilmente percebido em alguns momentos como nas pequenas participações de comediantes antigos da televisão, esquecidos no decorrer da fraca memória dos brasileiros, passando a sensação de boa ação do diretor e soando como um argumento bobo. Outra falácia é tentar levantar a bandeira de que o circo mambembe ainda vive, fortalecendo a verve meio calhorda da mídia televisiva. Talvez seja por este viés que não consegui, de fato, acreditar na história. Para encenar um palhaço é preciso mais do que fazer laboratório com um ator circense ( Selton pediu ajuda a Cochicho para construir o personagem). É preciso ter coragem de sair de cena e ceder a ocupação ao outro, ao palhaço. E isso, o diretor não conseguiu fazer.
Valorizo o cinema nacional e sei que ele melhora a cada filme, mas tenho de confessar que o sucesso do cinema brasileiro ainda está  à bela e frondosa sombra da televisão brasileira, principalmente da Rede Globo. 
Vale a pena assistir  "O Palhaço", o filme tem  lindas imagens que fazem os espectadores rirem, chorarem e viverem momentos de emoção, cenas que me fizeram lembrar de “I Clowns” de Fellini como um dos melhores filmes de palhaço de todos os tempos.
E, para terminar fiquem com um pouco de Fellini (I Clowns) :


Bons filme!!!!


Kátia Peixoto é doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Mestre em Cinema pela ECA - USP onde realizou pesquisas em cinema italiano principalmente em Federico Fellini nas manifestações teatrais, clowns e mambembe de alguns de seus filmes. Fotógrafa por 6 anos do Jornal Argumento. Formada em piano e dança pelo Conservatório musical Villa Lobos. Atualmente leciona no Curso Superior de de Música da FAC-FITO, nos curso de Artes Visuais da FPA e na UNIP nos Cursos de Comunicação e é integrante do grupo Adriana Rodrigues de Dança Flamenca sob a direção de Antônio Benega.
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A revolução com cara de comercial de refrigerante



A música pop embalou inúmeras revoltas sociais nos últimos quarenta anos. Dois movimentos provocaram ruptura nos costumes conservadores da sociedade ocidental: o hippie e o punk. Se o primeiro privilegiava o espírito comunal, a quebra de tabus, à volta ao contato com a natureza e a liberdade provocada pela tríade sexo, drogas e rock n’ roll, o último seria o antagonista da própria sociedade liberal gerada nos “revolucionários anos 60”.



Os hippies que viraram moda
No punk, o sonho já estava morto. Os hippies tinham se vendido ao sistema e eram a antítese da imagem rebelde difundida pela indústria cultural. Os cabelos compridos já não eram sinal de perigo, muito menos as guitarras que agora flertavam com as orquestras e embalavam as viagens psicodélicas de uma geração que preferia a alienação de um mundo de fadas e gnomos do que a dura realidade dos anos setenta. Nesse período histórico, os adolescentes ingleses e americanos ou das periferias das periferias do terceiro mundo, pregavam o caos, a anarquia e a vida sem futuro, porque de certa forma o próprio futuro estava fadado ao niilismo de uma geração ameaçada por crises econômicas e o pesadelo de crescer sob a ameaça de uma guerra nuclear.


A estética punk celebrada como fashion

Essa vontade de viver sem futuro e de romper com a abordagem de que a vida era uma “festa”, logo foi engolida pela indústria cultural que iria parir na música a new wave e outros estilos musicais oriundos do punk original, mas sem a conotação política contestadora do primeiro. A própria estética punk seria aceita como moda para a juventude nos anos 80.
No começo da década de 90, já com o rock transformado em trilha sonora para propaganda de refrigerante, surge uma banda de garagem aclamada como a “última revolução da música”. Celebrados da noite para o dia como líderes de um movimento, o Nirvana tornou-se produto da MTV que rotulou com sua influência mundial toda uma geração McDonalds entediada com uma vida de adolescente que passa a ter suas relações sociais estabelecidas pela tecnologia. Sem conseguir segurar o tranco e limitado musicalmente para engatar uma carreira por mais tempo, Kurt Cobain estourou os miolos por ideias estupidamente românticas de ir contra o “sistema”, para virar logo em seguida um Midas da indústria fonográfica, visto que o universo da música sempre lucrou com seu público necrófilo. Nesse ínterim, o rock já era pasteurizado e acomodou-se desde então, tornando-se música de adolescentes espinhentos que preferem reciclar tudo aquilo que já foi feito há 40 anos.

A crítica do rap transformada em apologia ao consumo

O rap, que no começo era uma afronta a classe média branca e saudável dos EUA, virou símbolo de status para playboys sarados que desejavam criar uma imagem negativa frente aos seus pais. Logo, virou moda clipes de rap ostentarem musas típicas de revistas masculinas e cantores com seus medalhões de ouro e carrões último tipo rimarem baboseiras sem nenhum embasamento crítico.
A música não revoluciona nem congrega a juventude a um posicionamento político porque as próprias ideologias num mundo multifacetado estão dispersas. Os festivais que no passado reiteravam esse posicionamento, hoje são apenas celebrações de um neo tribalismo. Se um festival como o Woodstock, em 1969, trouxe uma gama de discursos contra o establishment daquele momento histórico e, a partir daí, construiu um zeitgeist que até hoje repercute e é “reciclado” em novos festivais, sabe-se que a essência perdeu-se em algum “verão do amor”.


SWU e o slogan do ano passado
O SWU, a ser realizado nesse final de semana na cidade de Paulínia, no interior de São Paulo, deve ser louvado pelo casting com bandas que integram desde o mainstream até o underground da música mundial, mas que estarão presentes num evento cuja pauta principal é a sustentabilidade. Discurso em voga nos últimos tempos, o questionamento que fica é até que ponto a juventude presente no festival irá realmente para discutir ou trazer novos conceitos que serão regurgitados na “área urbana” da vida social. Mais que discutir a sustentabilidade é necessário entender o posicionamento de todos nesse grande circo com ares de “evento ecológico com ideais para mudar o mundo”. Nele, talvez tenhamos apenas diversão e grana, numa relação que já foi institucionalizada desde a década de 70.
Nessas horas, questiono-me sobre a juventude dos povos árabes. Penso que sua agitação e revolução contrária às ditaduras não é apenas “parecida” com a primavera de 68. Talvez seja a continuação daquele sonho que se perdeu no final da década de 60. Ainda inocentes e com ideais, talvez impregnados de radicalismos, como era naqueles tempos bipolares da guerra fria, penso nessa juventude e na música que os emociona. Com certeza, não é nenhuma música de propaganda de refrigerante, é mais ruidosa, sem brilho ou com ares de super produção. Talvez seja nesse pedaço de mundo sempre visto com olhares preconceituosos que a próxima revolução sonora venha para nos salvar da letargia dos ídolos pré-fabricados.




Marcelo Pimenta e Silva é graduado em jornalismo pela Universidade da Região da Campanha, Bagé/RS. Como pesquisador atuou por três anos no Núcleo de Pesquisa da História da Educação, pela Urcamp, tendo produzido diversos trabalhos multidisciplinares. Tem como temas de pesquisa a imprensa alternativa brasileira; a contracultura e suas implicações na sociedade brasileira, além de temas como o ativismo na cibercultura. Conta com experiência em colunas sobre cultura, em jornais, em sites e em revistas. Atualmente, trabalha com jornalismo, assessoria de imprensa e pesquisa free-lance, além de cursar pós-graduação em comunicação mercadológica na Fatec Senac de Pelotas/RS. 




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