quinta-feira, 10 de novembro de 2011

A revolução com cara de comercial de refrigerante



A música pop embalou inúmeras revoltas sociais nos últimos quarenta anos. Dois movimentos provocaram ruptura nos costumes conservadores da sociedade ocidental: o hippie e o punk. Se o primeiro privilegiava o espírito comunal, a quebra de tabus, à volta ao contato com a natureza e a liberdade provocada pela tríade sexo, drogas e rock n’ roll, o último seria o antagonista da própria sociedade liberal gerada nos “revolucionários anos 60”.



Os hippies que viraram moda
No punk, o sonho já estava morto. Os hippies tinham se vendido ao sistema e eram a antítese da imagem rebelde difundida pela indústria cultural. Os cabelos compridos já não eram sinal de perigo, muito menos as guitarras que agora flertavam com as orquestras e embalavam as viagens psicodélicas de uma geração que preferia a alienação de um mundo de fadas e gnomos do que a dura realidade dos anos setenta. Nesse período histórico, os adolescentes ingleses e americanos ou das periferias das periferias do terceiro mundo, pregavam o caos, a anarquia e a vida sem futuro, porque de certa forma o próprio futuro estava fadado ao niilismo de uma geração ameaçada por crises econômicas e o pesadelo de crescer sob a ameaça de uma guerra nuclear.


A estética punk celebrada como fashion

Essa vontade de viver sem futuro e de romper com a abordagem de que a vida era uma “festa”, logo foi engolida pela indústria cultural que iria parir na música a new wave e outros estilos musicais oriundos do punk original, mas sem a conotação política contestadora do primeiro. A própria estética punk seria aceita como moda para a juventude nos anos 80.
No começo da década de 90, já com o rock transformado em trilha sonora para propaganda de refrigerante, surge uma banda de garagem aclamada como a “última revolução da música”. Celebrados da noite para o dia como líderes de um movimento, o Nirvana tornou-se produto da MTV que rotulou com sua influência mundial toda uma geração McDonalds entediada com uma vida de adolescente que passa a ter suas relações sociais estabelecidas pela tecnologia. Sem conseguir segurar o tranco e limitado musicalmente para engatar uma carreira por mais tempo, Kurt Cobain estourou os miolos por ideias estupidamente românticas de ir contra o “sistema”, para virar logo em seguida um Midas da indústria fonográfica, visto que o universo da música sempre lucrou com seu público necrófilo. Nesse ínterim, o rock já era pasteurizado e acomodou-se desde então, tornando-se música de adolescentes espinhentos que preferem reciclar tudo aquilo que já foi feito há 40 anos.

A crítica do rap transformada em apologia ao consumo

O rap, que no começo era uma afronta a classe média branca e saudável dos EUA, virou símbolo de status para playboys sarados que desejavam criar uma imagem negativa frente aos seus pais. Logo, virou moda clipes de rap ostentarem musas típicas de revistas masculinas e cantores com seus medalhões de ouro e carrões último tipo rimarem baboseiras sem nenhum embasamento crítico.
A música não revoluciona nem congrega a juventude a um posicionamento político porque as próprias ideologias num mundo multifacetado estão dispersas. Os festivais que no passado reiteravam esse posicionamento, hoje são apenas celebrações de um neo tribalismo. Se um festival como o Woodstock, em 1969, trouxe uma gama de discursos contra o establishment daquele momento histórico e, a partir daí, construiu um zeitgeist que até hoje repercute e é “reciclado” em novos festivais, sabe-se que a essência perdeu-se em algum “verão do amor”.


SWU e o slogan do ano passado
O SWU, a ser realizado nesse final de semana na cidade de Paulínia, no interior de São Paulo, deve ser louvado pelo casting com bandas que integram desde o mainstream até o underground da música mundial, mas que estarão presentes num evento cuja pauta principal é a sustentabilidade. Discurso em voga nos últimos tempos, o questionamento que fica é até que ponto a juventude presente no festival irá realmente para discutir ou trazer novos conceitos que serão regurgitados na “área urbana” da vida social. Mais que discutir a sustentabilidade é necessário entender o posicionamento de todos nesse grande circo com ares de “evento ecológico com ideais para mudar o mundo”. Nele, talvez tenhamos apenas diversão e grana, numa relação que já foi institucionalizada desde a década de 70.
Nessas horas, questiono-me sobre a juventude dos povos árabes. Penso que sua agitação e revolução contrária às ditaduras não é apenas “parecida” com a primavera de 68. Talvez seja a continuação daquele sonho que se perdeu no final da década de 60. Ainda inocentes e com ideais, talvez impregnados de radicalismos, como era naqueles tempos bipolares da guerra fria, penso nessa juventude e na música que os emociona. Com certeza, não é nenhuma música de propaganda de refrigerante, é mais ruidosa, sem brilho ou com ares de super produção. Talvez seja nesse pedaço de mundo sempre visto com olhares preconceituosos que a próxima revolução sonora venha para nos salvar da letargia dos ídolos pré-fabricados.




Marcelo Pimenta e Silva é graduado em jornalismo pela Universidade da Região da Campanha, Bagé/RS. Como pesquisador atuou por três anos no Núcleo de Pesquisa da História da Educação, pela Urcamp, tendo produzido diversos trabalhos multidisciplinares. Tem como temas de pesquisa a imprensa alternativa brasileira; a contracultura e suas implicações na sociedade brasileira, além de temas como o ativismo na cibercultura. Conta com experiência em colunas sobre cultura, em jornais, em sites e em revistas. Atualmente, trabalha com jornalismo, assessoria de imprensa e pesquisa free-lance, além de cursar pós-graduação em comunicação mercadológica na Fatec Senac de Pelotas/RS. 




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