sábado, 3 de novembro de 2012

Ler pra que




"[...] Vivi, olhei, li, senti, Que faz aí o ler, Lendo, fica-se a saber quase tudo, Eu também leio, Algo portanto saberás, Agora já não estou tão certa, Terás então de ler de outra maneira, Como, Não serve a mesma para todos, cada um inventa a sua, a que lhe for própria, há quem leve a vida inteira a ler sem nunca ter conseguido ir mais além da leitura, ficam pegados à página, não percebem que as palavras são apenas pedras postas a atravessar a corrente de um rio, se estão ali é para que possamos chegar à outra margem, a outra margem é que importa, A não ser, A não ser, quê, A não ser que esses tais rios não tenham duas margens, mas muitas, que cada pessoa que lê seja, ela, a sua própria margem, e que seja sua, e apenas sua, a margem a que terá de chegar," (José Saramago, A Caverna, p. 77). Conversa entre o pai, Cipriano Algor,e a filha, Marta. 

Essa passagem saramaguiana é o esteio de nossa matéria de hoje que trata sobre a importância da leitura na vida das pessoas. A primeira coisa que muitas pessoas associam à leitura é a fuga da realidade, a viagem através dos caminhos que a escritura literária nos leva a percorrer. Entretanto, essa visão nos parece um pouco limitada, já que a literatura possui ficção, sem reduzir-se a esse gênero. Ou seja, a leitura literária pode nos levar a tantos e tantos caminhos que são importantes não somente para nos conhecermos, como também para compreendermos o Outro.

Através da leitura é possível tomar consciência da exploração humana pelo próprio homem, da miséria que assola o globo terrestre, das políticas totalitárias que são exercidas nos continentes terrestres. Como exemplo, tomemos a Segunda Guerra mundial que foi o ápice do horror, da tentativa de subversão mundial através do poder bélico e, autores que viveram e vivenciaram essa trágica realidade revelam o lado de quem sofreu as consequências de uma luta que não era sua e de um horror que assolou a todos.

Outra coisa que a literatura pode possibilitar ao ser humano é questionar a realidade social na qual está inserido ou cujas ressonâncias vislumbra, como é o caso do Romance de 1930, brasileiro, que revela a crueza e crueldade que a muitas pessoas foram submetidas em todos os cantos do país. Esse questionamento que torna-se a cada dia mais atualizado, uma vez que nos perguntamos: isso mudou?, e constatamos que há muito ainda a ser feito.

A literatura contém em si filosofia, sociologia, política, história, sem reduzir-se a nenhum desses campos do conhecimento. Ela sublima em si a possibilidade de levar o ser humano a “sair do seu lugar”, a se passar pelo outro, consequentemente, a tornar-se consciente do ser e estar no mundo em todas as suas possibilidades.


Rodrigo C. M. Machado é mestre em Letras, com ênfase em Estudos Literários, pela Universidade Federal de Viçosa. Dedica-se ao estudo da poesia portuguesa contemporânea, com destaque para a lírica de Sophia de Mello Breyner Andresen.

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