Ler pra que
"[...] Vivi,
olhei, li, senti, Que faz aí o ler, Lendo, fica-se a saber quase tudo, Eu
também leio, Algo portanto saberás, Agora já não estou tão certa, Terás então
de ler de outra maneira, Como, Não serve a mesma para todos, cada um inventa a
sua, a que lhe for própria, há quem leve a vida inteira a ler sem nunca ter
conseguido ir mais além da leitura, ficam pegados à página, não percebem que as palavras
são apenas pedras postas a atravessar a corrente de um rio, se estão ali é para
que possamos chegar à outra margem, a outra margem é que importa, A não ser, A
não ser, quê, A não ser que esses tais rios não tenham duas margens, mas
muitas, que cada pessoa que lê seja, ela, a sua própria margem, e que seja sua,
e apenas sua, a margem a que terá de chegar," (José Saramago, A Caverna,
p. 77). Conversa entre o pai, Cipriano Algor,e a filha, Marta.
Essa passagem
saramaguiana é o esteio de nossa matéria de hoje que trata sobre a importância
da leitura na vida das pessoas. A primeira coisa que muitas pessoas associam à
leitura é a fuga da realidade, a viagem através dos caminhos que a escritura
literária nos leva a percorrer. Entretanto, essa visão nos parece um pouco
limitada, já que a literatura possui ficção, sem reduzir-se a esse gênero. Ou
seja, a leitura literária pode nos levar a tantos e tantos caminhos que são importantes
não somente para nos conhecermos, como também para compreendermos o Outro.
Através da leitura é
possível tomar consciência da exploração humana pelo próprio homem, da miséria
que assola o globo terrestre, das políticas totalitárias que são exercidas nos
continentes terrestres. Como exemplo, tomemos a Segunda Guerra mundial que foi
o ápice do horror, da tentativa de subversão mundial através do poder bélico e,
autores que viveram e vivenciaram essa trágica realidade revelam o lado de quem
sofreu as consequências de uma luta que não era sua e de um horror que assolou
a todos.
Outra coisa que a
literatura pode possibilitar ao ser humano é questionar a realidade social na
qual está inserido ou cujas ressonâncias vislumbra, como é o caso do Romance de
1930, brasileiro, que revela a crueza e crueldade que a muitas pessoas foram
submetidas em todos os cantos do país. Esse questionamento que torna-se a cada
dia mais atualizado, uma vez que nos perguntamos: isso mudou?, e constatamos
que há muito ainda a ser feito.
A literatura contém em
si filosofia, sociologia, política, história, sem reduzir-se a nenhum desses
campos do conhecimento. Ela sublima em si a possibilidade de levar o ser humano
a “sair do seu lugar”, a se passar pelo outro, consequentemente, a tornar-se
consciente do ser e estar no mundo em todas as suas possibilidades.
Rodrigo C. M. Machado é mestre em Letras, com ênfase em Estudos Literários, pela Universidade Federal de Viçosa. Dedica-se ao estudo da poesia portuguesa contemporânea, com destaque para a lírica de Sophia de Mello Breyner Andresen.
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