domingo, 9 de agosto de 2009

Colaboração do Leitor




UMA REFLEXÃO NO DIA DOS PAIS

A voz das crianças



Simone Pedersen*






Imagine a cena. Você está sentado num restaurante aconchegante, degustando um delicioso vinho e aguardando sua refeição, quando ouve um estalo. Bem na sua frente, na outra mesa, um pai bate na mão do filho de uns cinco anos de idade; alterado, ele pergunta ao menino se não vai ‘se comportar direito’. O menino parece confuso como você, que também não entende o que exatamente a criança fizera. Não ouviu o menino falar, não o viu correndo pelo restaurante, tampouco o viu se mexer na cadeira. A conclusão que chega é que o ‘não se comportar’ se refere ao simples fato de o menino não querer comer a refeição. O pai prossegue com mais um estalo de mão pesada agredindo a frágil mão da criança. O menino vira o rosto e você vê os seus olhos vermelhos e percebe seu esforço para não chorar. Sem reação, como uma presa que aguarda ser atacada por um animal maior, ele se conforma como se fosse natural ser agredido por um adulto cinco vezes maior que ele. O pai, ainda mais irritado pelo silêncio do filho amedrontado, arranca o garfo e a faca dele e grita que se ele ‘não se comportar’ não ganhará o presente de aniversário. O seu vinho não tem mais gosto. Você não tem mais fome. Perplexo, tenta entender a relação entre comer a refeição e ganhar presente de aniversário e, mais perplexo ainda, a relação entre uma criança indefesa e um pai agressor. Nenhuma criança deveria crescer acreditando que ser agredida e desrespeitada é natural.
Os garçons, parados num canto do restaurante, observam a cena. Imagine quantas cenas como esta eles não já presenciaram. Talvez você pense em interferir naquela situação, interpelar o pai e na possível reação dele. O que fazer?... Ele poderia ser agressivo com você ou, então, concordaria naquele primeiro momento, se sentindo observado. Mas, quando entrassem no carro ou chegassem em casa, possivelmente ele descarregaria o ódio no menino mais intensamente. Até que ponto seria racional provocar um animal descontrolado, já que de humano ali seguramente não havia mais nada? Qual a intensidade dos castigos físicos quando não estivessem em um lugar público?
Imagine ainda que, na mesa do pai que agredia o filho, havia uma terceira pessoa: uma mulher, que não era a mãe do menino. Você sabe disso porque a ouve perguntar ao menino se ele queria alguma ajuda da “tia” para cortar a carne. Você não ouve a resposta do menino, aliás, não ouve a voz daquela criança em nenhum momento. A mulher não faz nada, absolutamente nada para ajudar a criança ou acalmar o pai. Deve estar acostumada com aquele tipo de “correção comportamental”. Mais uma criança muda, você pensa tristemente. Mais uma infância roubada. Deveria chamar a polícia? Tapa na mão é crime? Destruir os sonhos de uma criança é crime? E aquela mulher que nada fazia para impedir a agressão, seria ela mãe de outra criança? Será que só as mães têm sentimentos de compaixão? Mas, quantas mães também não agridem seus próprios filhos? Quantos pais e familiares são coniventes com a violência infantil? Que sociedade é essa em que vivemos cuja célula-núcleo, a família, não é unida no amor e, sim, no medo? Onde uma criança é educada sob tortura física e emocional...
Crianças são pequenos seres independentes e livres, não são propriedade dos pais, não são escravos do nosso deleite. Crianças não têm obrigação de realizar os nossos sonhos. Crianças não são objetos que ostentamos como símbolos de sucesso e status. Em quem o menino indefeso confiará no futuro se o próprio pai o agride? Como terá confiança em si próprio se não é merecedor nem do respeito do pai? Como poderá amar, se nunca recebeu amor? Como poderá perdoar, se nunca conheceu o perdão? Como poderá cantar feliz se não pode sequer falar? Como poderá enxergar o colorido do mundo com os olhos cansados de tanto de chorar?
Quando você vir uma criança com os olhos inchados e o rosto molhado, imagine a mãozinha vermelha e como o coraçãozinho está chorando. Imagine sua alma pedindo socorro sem poder falar. Pense por quanto tempo ela ainda terá que chorar escondida... Então, empreste sua voz. Denuncie. Para que ela aprenda a cantar!

Serviço: Criado para receber denúncias de exploração sexual contra crianças e adolescentes, o disque-denúncia recebe também denúncias de outros tipos de violência e até de crianças desaparecidas. As denúncias são encaminhadas aos órgãos competentes em até 24 horas. O serviço funciona das 8h às 22h, inclusive finais de semana e feriados. É só digitar 100 no seu telefone. A chamada é gratuita. Via e-mail: disquedenuncia@sedh.gov.br .
Outros endereços: http://pfdc.pgr.mpf.gov.br/ / http://www.naobataeduque.org.br/ / http://diganaoaerotizacaoinfantil.wordpress.com/ / http://www.promundo.org.br

Simone Alves Pedersen nasceu em São Caetano do Sul, SP. Hoje mora em Vinhedo, interior de São Paulo, e tem vários textos publicados em antologias. É colunista do jornal “Folha de Vinhedo” e seu primeiro livro infantil, “A Vila Felina”, será lançado no segundo semestre de 2009. Simone é detentora dos melhores prêmios de literatura e extrema combatente em prol da criança.
s.pedersen@uol.com.br

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