quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Crônica - O Combustível do amor



Simone Pedersen

Quando menos esperamos nossos filhos cresceram... Nada mais de fraldas e mamadeiras, cadeirões e brinquedos arredondados... A casa é tomada por jovens desconhecidos que nos cumprimentam com tapas e trejeitos que lembram o Michael Jackson dançando na lua... Tantos momentos em que duvidamos se estamos acordados e nos questionamos: será que isso está realmente acontecendo comigo? Não era só na casa do vizinho que essas situações ocorriam?
Preparamo-nos para tudo na vida, crises econômicas internacionais, atos secretos, CPI´s que não dão em nada, a gripe eqüina que seguramente virá, mas como nos prepararmos para a adolescência dos filhos? Noites mal dormidas no sofá, enquanto aguardamos um telefonema de celular que nunca funciona quando você liga para ele, mas sempre funciona quando ele precisa de você – e, lá chegando, no meio da madrugada fria, de pijamas e chinelos, somos avisados que daremos carona para mais sete amigos. E cada um deles mora num extremo da cidade. Ou cidades.
A casa arduamente organizada vira palco de show de rock, garrafas vazias jogadas (de refrigerante e suco, claro), pipocas e salgadinhos encontrados em lugares inimagináveis. As camisas engomadas são trocadas por camisetas com caveiras ameaçadoras. E lá vamos nós na reunião de pais e mestres defender a nossa cria, que só foi mal na prova porque a banda favorita estava em turnê no Brasil e o anjinho não podia perder a oportunidade de acompanhá-la pelas sete capitais – ou seriam sete os pecados dos estudantes? Ora, a escola é rotina, mas a banda, ah, a banda de rock da Guiné ninguém sabe se voltará!
E os dias de mau-humor, naqueles que ele nos culpa por todas as suas confusões mentais e hormonais. A grande vítima: todos os outros pais permitem que os filhos fiquem três dias fora de casa, se contentam com média cinco nas provas, mas nós, pais cruéis e tirânicos, nós esperamos mesmo que ele estude dia e noite e só tire dez – no mínimo. Inteligência possível somente com a dieta que nós impomos: sopa de jiló enquanto os outros pais servem pizzas e sorvetes todos os dias...
Os pais de meninas não sofrem menos. Ou ela está imensa como uma elefanta esperando o pequeno Dumbo ou está magra como a Olívia Palito, mesmo que o médico insista que peso e altura estão perfeitamente proporcionais. E tem o problema da acne: como a adolescente pode sair de casa se surgiu uma pequena espinha bem na ponta do nariz, igualzinha a da bruxa malvada? Culpa de quem? Dos pais que não a ensinaram a gostar de chuchu e agora ela não resiste aos chocolates, sem contar o estresse que foi causado pelo excesso de zelo, gerador de erupções cutâneas e emocionais.
O pior de todos os males do mundo é a primeira desilusão amorosa sofrida por um adolescente. O mundo se acaba e ele jura que nunca mais sairá do quarto. Em vez de curtir bossa nova como fazíamos, ele se acaba num rock no último volume que cria sérios problemas com os vizinhos. Até que você explica e eles entendem perfeitamente a magnitude da situação, ponderando que ninguém pode domar um adolescente, ainda mais quando sofre de amor. Não adianta fazer aquela sobremesa maravilhosa, nem cafuné na cabeça – como ele adorava e até pedia quando pequeno – afinal, ele só foi preterido porque nós o geramos assim, mais parecido com o Ogro do que o namorado da amada que nasceu lindo e forte como o Príncipe Encantado que, claro, guia um Ferrari branco enquanto ele anda de bicicleta. Como você pode explicar que o combustível do amor não é líquido? E mesmo assim, quando o pequeno pássaro decide abrir as asas e voar pela primeira vez, nós sentimos falta de todos esses momentos. Abruptamente, a casa fica muda e imensa. E você se cobra por não ter aproveitado cada segundo dessa fascinante loucura que é conviver com adolescentes. Deveria ter pintado o cabelo de roxo, dançado rock com ele e aprendido mais gírias. Deveria ter ficado em silêncio quando os erros da juventude eram degraus do aprendizado da vida. Deveria sentir menos ansiedade enquanto ele se divertia ajuizadamente.
Pelo menos foi assim que me senti quando voltei do aeroporto, depois de despachar o meu para um intercâmbio semestral. O pássaro gigante e alado levou meu filho para descobrir outros mundos e me fez refletir sobre o combustível do amor: não seria esse o líquido que vertia dos meus olhos?

Simone Alves Pedersen nasceu em São Caetano do Sul, SP. Hoje mora em Vinhedo, interior de São Paulo, e tem vários textos publicados em antologias. É colunista do jornal "Folha de Vinhedo" e seu primeiro livro infantil, "A Vila Felina", será lançado no segundo semestre de 2009. Simone é detentora dos melhores prêmios de literatura e extrema combatente em prol da criança.
s.pedersen@uol.com.br

5 comentários:

Ana Dietrich disse...

simone, show de bola... ainda não tenho filhos, mas convivo com adolescentes em sala de aula...
nada como uma boa dose de carinho e compreensão (aliada à paciência, of course), resolva...
abração!

3 de setembro de 2009 às 13:15
Anônimo disse...

muito bom, Simone...

as vezes carinho e compreensão são mesmo a maneira mais fácil de lidar com adolescentes...

parabéns

Francisco

3 de setembro de 2009 às 16:53
Anônimo disse...

Simone,muito interessante seu artigo, tenho uma filha de Dez anos, e estou me preparando psicologicamente para a nova fase que não vai demarar muito a chegar. Converso muito e sou participativa , para que ambas passem por essa fase ilesas.

Abs

Cleo Mattos

5 de setembro de 2009 às 00:09
Sonia Sambra disse...

Olá minha querida amiga Simone!
Mais uma vez, parabenizo-a pelo belo texto.
Eu estou experimentando também essa quase "síndrome-do-ninho-vazio" porque a Gi já está com 14 e agora sua curtição são as amigas, fechar-se no quarto, revista Capricho, torpedos escondidos, a calça mais justa que a própria Skinny, (rs..) e por aí vai.
De qualquer forma, gosto muito dessa fase. Eu me identifico mais... afinal, EU estou na "adulescência".. rsrsrs

Beijos no coração, amiga!

5 de setembro de 2009 às 19:49
Giliane disse...

Simone, adorei seu texto, não tenho filhos, mas trabalho com eles diariamente e eles são assim mesmo, o simples fato de não ter o salgadinho preferido já se torna o maior problema do universo...rsrsrsrsrs...mas fazer o quê? Eles são assim, só nos resta compreendê-los...

Parabéns!

7 de setembro de 2009 às 18:15

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