quarta-feira, 30 de setembro de 2009

HOLANDA EM IMAGENS E PALAVRAS





Hoje apresento a vocês a bela e sensível colaboração de Izabel Liviski, nossa consultora da revista, em textos e fabulosas fotos.
Ana Maria Dietrich escreve às quartas-feiras no ContemporARTES.


JANELAS PARA A HOLANDA

NEDERLAND,
RIMA COM FANTASIA.
ESSA,
A MINHA LICENÇA
POÉTICA.

Conhecer a Holanda sempre despertou em mim um gra
nde interesse e curiosidade. As referências eram muitas: amigos holandeses, a influência que no período colonial os holandeses exerceram sobre o Nordeste do Brasil, as realizações fantásticas de Maurício de Nassau sempre me encantaram. As obras de seus pintores famosos como Vermeer, Rembrandt, Van Gogh e Mondrian também marcaram para sempre em minha memória as aulas de História da Arte. Acompanhava com interesse reportagens sobre a evolução de sua engenharia na luta constante com as águas, sua cultura ao mesmo tempo arrojada e de preservação de valores.
Não é à toa que no brasão do país estão inscritas as palavras: "Je maintiendrai", um teimoso "eu perseverarei", característico de um povo de mentalidade liberal mas também ligado à sua história e tradição.
Em Amsterdã,
a maior cidade planejada do norte da Europa, a beleza convive tranquilamente com o mundo marginal. Os dois lados dessa dupla personalidade estão imbricados, derivando de uma longa tradição de tolerância religiosa filosófica e política.
Quando cheguei ao Aeroporto de Schipol em Amsterdã em um outubro frio e chuvoso, e assim permaneceu quase todo o tempo de minha estada, no início do outono europeu. Despida de idéias preconcebidas do que fotografar, fui andando ao acaso pelas ruas e fotografando cenas comuns, retalhos do cotidiano. Lembrando Walter Benjamin, como uma flanêur eu caminhava pelas ruas de Amsterdã e Rotterdã...
Sabia no entanto, o que eu não queria: fotos convencionais no estilo de revistas de turismo, paisagens e arquitetura deslumbrantes. Queria registrar o cotidiano das pessoas, aprisionar com minha câmera um pouco da alma da cidade. Concentrei-me nas coisas que minha sensibilidade apontava, e aí surgiu a paixão pelas janelas das casas e escritórios e também das vitrines de lojas e vidraças de bares: amplas, decoradas com generosidade. Andando na chuva com minha recém-comprada sombrinha desenhada com folhas de “cannabis”, olhava para as casas através de suas janelas e tudo parecia aconchegante e intimista.
Tornou-se quase uma obsessão fotografar janelas: graciosas, às vezes com grades, extremamente criativas ou até mesmo quebradas, mas em sua grande maioria muito belas. E por extensão, comecei a fotografar toda superfície que espelhasse ou refletisse objetos e luzes: perseguindo poças de água da chuva, vidros de carros, trechos do canal de Singel e até mesmo bicicletas que lado a lado, pareciam uma imagem multiplicada em milhares. Ao fazer a edição do material fotográfico obtido nessa viagem, é que começo a refletir numa perspectiva sociológica, e a pensar na fotografia como uma expressão visual que tem implícito um alto “risco” de subjetividade já que trafega pelo campo da arte, e é tanto uma expressão do imaginário e da consciência social quanto um recurso da sociologia e da antropologia a fim de compreendê-los.
Ou seja, a fotografia contribui para desvendar aspectos do imaginário social e das mediações sociais, introduzindo alterações nos processos interativos, na pluralidade de sentidos que existem na perspectiva do fotógrafo, daquele que é fotografado, e do espectador da fotografia. Como um componente indissociável do funcionamento de uma sociedade que é intensamente visual e intensamente dependente da imagem, a fotografia pode ser tomada como uma representação social e memória do fragmentário, que é o modo de ser da sociedade contemporânea, na tensão entre o que oculta e o que revela.
O fotógrafo imagina, constrói a sua imagem fotográfica, aquilo que quer dizer através da fotografia através do instante fotográfico, da concentração das diferentes temporalidades em um único momento, o chamado tempo da fotografia. Assim, a documentação visual, especialmente a fotografia não pode ser tomada de forma ilusória como um documento socialmente realista e objetivo como ainda querem alguns, ela é muito mais um meio de compreensão imaginária da sociedade.
Assim como se pode falar em imaginação sociológica, pode-se também falar em imaginação fotográfica que nesse caso envolve todo um modo de produção de imagens, como a composição, a perspectiva, os recursos técnicos para escolher e definir a profundidade de campo, e principalmente aquilo que vai fazer parte e o que vai ser excluído do campo visual, enfim todo um modo de construir a fotografia.
Já se disse também que a fotografia é um documento do estranhamento do fotógrafo em relação àquilo que vê, assim sendo as fotografias de rua, que são o locus do meu ensaio, representam um duplo estranhamento, uma intensificação desse sentimento, já que as ruas são espaços nos quais a convivência entre estranhos é maior do que em qualquer outra parte de uma cidade. Como testemunho do encontro físico entre fotógrafo e fotografado no momento da tomada, e pelo estranhamento do fotógrafo em relação ao que vê.
Atrás das janelas que fotografei muitas vezes havia personagens curiosos: o cão dentro de um carro latindo furioso, as crianças em uma escola de arte, o velho acenando dentro do bar. Neste processo vai surgindo uma interação entre observador e observado, e o tema sociológico do ensaio fotográfico: descobrir quem estava por detrás das janelas, quem era o outro. Os vidros, embora transparentes, se interpunham e impediam uma completa comunicação.
Indo nesta direção, termino fotografando minha própria imagem refletida em uma vitrine de uma casa de jogos: nas máquinas vazias, luzes se multiplicavam, imagens se fundiam formando um caleidoscópio. Simbolicamente compreendo que na busca de conhecer o "outro", acabamos buscando respostas para nossas próprias questões essenciais, subjetivas. E as janelas para a Holanda que fotografei não são somente janelas no sentido material, parte concreta de uma arquitetura. Mas antes, representam perspectivas para um duplo conhecimento, para uma compreensão dessa dualidade tão cara às ciências sociais, o individual e o social.
IZABEL LIVISKI (amsterdan2010@gmail.com)










Referências bibliográficas:
Martins, José de Souza- Sociologia da Fotografia e da Imagem- Editora Contexto,
2008: S.Paulo.
Martins, José de Souza; Eckert, Cornelia; Novaes, Sylvia Caiuby (orgs.)-
O
imaginário e poético nas Ciências Sociais
- EDUSC, 2005: Bauru, SP.
Fabris, Annateresa; Kern, Maria Lúcia Bastos (orgs.)- Imagem e Conhecimento- EDUSP, 2006: São Paulo

12 comentários:

Thiago Faria disse...

Fotos lindíssimas. Parabéns.

1 de outubro de 2009 às 16:47
Anônimo disse...

As janelas das residências em países europeus de clima frio, são a única possibilidade de externalizar uma marca individual, que serve de ponte entre os anônimos atrás de paredes e o mundo lá fora. Belo insight o seu interesse! Eu quando estive na Holanda, tirei fotos só dos macacos do santuário Appeldorn . Nunca havia estado num local em que animais fossem tratados com respeito, já que só conhecia zoológicos.Simone

2 de outubro de 2009 às 16:40
Carlize disse...

E não há de ver que a moça é boa de foto e também de escrita?
Parabéns

3 de outubro de 2009 às 10:45
Bárbara Lia disse...

Delírios em Amsterdan! Muita poesia nas imagens, parabéns Izabel...
abraços

3 de outubro de 2009 às 11:09
Anônimo disse...

Izabel, parabéns pelas lindíssimas imagens e trabalho!Continue a trabalhar com muito amor, dedicação e inspiração, esta é a chave do sucesso. Abraço,
Michele

3 de outubro de 2009 às 16:57
Joana Maria Pedro disse...

Muito lindas as fotos.
Conheço Amsterdan, achei linda a cidade mas não vi esta beleza que viste.

5 de outubro de 2009 às 21:35
Unknown disse...

I love the pictures, they are beautiful. Odd I live in Holland and have never looked at it the way you captured it.

Abraço.

Kim

9 de outubro de 2009 às 07:06
Márcia disse...

Oi Izabel...
Muito bom ler teu relato... Relato de andanças de olhar... As imagens são muito belas em sua singeleza.
Parabéns!
Márcia

9 de outubro de 2009 às 10:29
Anônimo disse...

Oi Isabel,
Adorei!
Bjos,
CGioppo

12 de outubro de 2009 às 10:43
Marilda Confortin disse...

Olá Isabel. Fotos maravilhosas. E o texto foi escrito com olhar de poeta. Adorei.

16 de outubro de 2009 às 16:57
Anônimo disse...

hkuo

24 de outubro de 2009 às 13:04
Eleonora Gutierrez disse...

Olá, Isabel
Sua sensibilidade para captar o ser indivíduo seu meio e as subjetividades que envolvem seu contexto, revelam o olhar apurado e generoso do artista voltada às questões da vida em sua celebração e energia pulsante.abço. Eleonora

24 de outubro de 2009 às 13:58

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