quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Muitas doses de whisky depois


Vou sempre ali na praça Roosevelt para assistir peças e tomar cerveja com amigos. Numa dessas achei que tinha atingido o meu porre máximo: superei-me, pensei. Quando então, cruza em meu caminho Mário Bortolotto. Já havia trombado com ele naquele pedaço algumas vezes. Senti-me um adolescente que fica alegre quando bebe Keep Cooler. O cara é especializado na arte etílica, fiquei no chinelo. Nunca tive a manha de chegar no cara pra trocar idéia e tal. Além disso, acho um porre esse lance de tietagem e lendo o que ele escreve sei que ele também não gosta muito, mas ele é uma referência forte na literatura e música para mim, sem falar no bom gosto que tem nessas e em outras artes, sempre presentes no seu blog Atire no Dramaturgo.

Entendam o que quero dizer:

“O que sei é que há muitas coisas que podem arruinar um homem. Uma garota batendo na porta de sua casa com um pastel de queijo que ela trouxe pra você, uma mão ruim no pôquer quando a aposta já é grande demais e não tem como voltar depois de um blefe tão descarado. Você sentada na pia só de calcinha bebendo um whisky na caneca porque acha mais charmoso. Ou me mandando mensagens no celular que sempre terminam em "forever". Eu não sei de quase nada, além desse estado febril em que me encontro. Acordo grudando no colchão depois de um sonho ruim, de ter esquecido de ligar o ventilador. Então ando às cegas pela casa e não bebo nada. Eu nunca bebo durante o dia. Ontem tentava explicar pra uma amiga que ela não podia ser alcoólatra só porque bebia duas cervejas a mais. Ontem tentava separar uma briga de dois caras que se batiam por causa de uma mulher. Será que é sempre por causa de uma mulher? Eu sempre vou achar que é melhor que seja por causa de uma mulher. Então deito no chão da minha kitchenete depois de jogar tanta coisa fora. Tanta coisa fora que não sei como ainda não me joguei também”. (Mário Bortolotto)




As peças que Bortolotto escreve deixam o público atordoado, de queixo caído. Geralmente saio do teatro sem saber em que direção seguir, isto é, sabendo que preciso (no meu caso) de uma cerveja bem gelada, para ver se consigo esfriar a cabeça. Tiros certos como “Uma pilha de pratos na cozinha”, “Natimorto” e “Nossa vida não vale um chevrolet” são algumas das peças que vi e que deixaram nesse estado. Essa última virou filme que, aliás, ele não aprovou nem um pouco (leio no blog dele o porquê). Ele detonou tanto o filme, que até hoje não vi com medo que desfizesse as imagens e tensões que foram criadas na sua peça.

Uma garota me perguntou:
Qual livro seu você me recomenda?
Respondi:
Nenhum. “Eu te recomendo qualquer um do Dostoievski”. (Mário Bortolotto)


Além de ser dramaturgo, ele escreve poesias e tem uma banda de blues chamada Saco de Ratos (http://www.myspace.com/sacoderatos). Muito Red Label e muita mulher: são temas constantes nas letras. Enfim, coisas boas da vida, não é? E não é apenas isso, o cara tem seu nome numa música da banda Velhas Virgens, a “Bortolotto Blues”, que é uma parceria dele com os caras.

“Meia garrafa de whisky, dois filmes do Cassavetes, dois shows do Van Morrison. Existe um tipo de felicidade subterrânea que você não vai conseguir entender no seu dialeto. Você sequer faz idéia de quantas sílabas ela tem.” (Mário Bortolotto)

Musicalmente, ele sempre me deixa feliz quando estampa em negrito o nome do Tom Waits por lá. Bukowski e Cassavetes, Angeli e a revista Playboy estão entre suas outras muitas referências e que de cara me identifico. Fico pensando na situação que descrevi no começo da coluna... Mesmo embriagado bateu uma timidez e não consegui falar com esse cara que é gênio e que faço reverência aqui nas linhas da Comunidade Sonora. Portanto, a dica para você aí da poltrona, é entrar no Myspace da banda do Bortolotto e verificar quando terá a próxima apresentação deles... E me chama, beleza? Vou ver se entrego essa coletânea pra ele.


1. Saco de Ratos – nossa vida não vale um chevrolet
2. Velhas Virgens – bortolotto blues
3. Bêbados Habilidosos – blueskowski
4. Fábrica de Animais – eu não tenho dinheiro
5. Lobão – glória (junkie bacana)
6. Cazuza – por que que a gente é assim?
7. Baseado em Blues - madrugadas blues
8. Blues Etílicos – batida
9. Paulinho Moska – nada vai mudar isso
10. Tom Waits – jockey full of bourbon
11. Nick Cave and the Bad Seeds - where the wild woses grow
12. Chet Baker – my funny valantine
13. Billie Holiday - i'm gonna lock my heart
14. Miles Davis – so what
15. Van Morrison – moonshine whiskey
16. Elvis Costello - pump It up
17. Bruce Springsteen - dancing in the dark
18. Otis Redding - fa-fa-fa-fa-fa (sad song)
19. John Lee Hooker - one bourbon, one scotch, and one beer
20. Johnny Cash - folsom prison blues

Cícero F. Barbosa Jr. é mestrando em História Social pela PUC-SP, bacharelando em Letras pela USP, músico e artista, escreve às quartas-feiras no Contemporartes.

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