sábado, 19 de dezembro de 2009

Inspiração ou Necessidade?

Coluna Aline Vilaça


Rio Claro, 17 de Dezembro de 2009.

Existe apenas um caminho. Olhe para dentro de si. Procure a razão que o impele a escrever; descubra se essas raízes estão profundamente implantadas no mais recôndito do seu coração, pergunte-se a si próprio se morreria caso fosse impedido de escrever [...] Procure a resposta no mais profundo de seu ser [...] se responder a esta simples pergunta com um forte e decidido – Sim, então construa sua vida de acordo com essa necessidade. (RILKE, 2004)



O fato de praticar a escrita em meu cotidiano já deve ter levado vocês à entender que dentre muitos sabores que aprecio este é um dos que mais me sacia. Mesmo nesta infinda guerra particular com minhas utopias e expectativas em meio ao mundo da Dança, mesmo envolta por música e sempre um bom Jazz, mesmo com uma mãe artista plástica, parece que minha solitária voz que sussurra meus ouvidos quando leio, ou minhas mãos aflitas no desespero de digitar têm tornado a literatura tão importante quanto ou mais que a Dança e a Música. Talvez pela deliciosa sensação de liberdade às escondidas que posso sentir ao ler ou escrever, liberto por escrever exatamente o que quero, porém as escondidas, por manter um risco de ser descoberta e possivelmente serei lida.

Assim, torna-se evidente que adoro escrever, ler e ser lida, mas “nem tudo são flores”, pois minha inexperiência ainda me preocupa, e a máxima que acredito: “fazer por necessidade de coração e alma” entra em conflito constante com as exigências objetivas do profissionalismo.

E, ronda a dúvida: o que escrever?



Encontrei com Jaime Leitão, um importante colunista do principal jornal impresso da cidade de Rio Claro no interior de São Paulo, conversa vai, conversa vem acabei declarando quão importante para minha pretensiosa coragem em escrever publicamente deve-se muito a ele, pois não posso esquecer a vontade de um dia poder causar nas pessoas o que a coluna dele causa em minha casa, meus pais à lêem desde que me conheço por gente, toda a cidade quer saber ansiosa quais serão seus comentários, a quantas anda seu humor e suas críticas severas. Bom, mas o fato foi que conversamos em seguida do exercício fundamental para o crescimento do escritor que se dá com a responsabilidade de escrever periodicamente.

Quando extrapolamos o assunto que contemplava os benefícios deste exercício, e a cerca do valor do autoconhecimento no fazer diário da escrita, nos questionando neste segundo momento sobre a necessidade incômoda e visceral de escrever sobre tal assunto, versus a necessidade externa profissional de escrever, na hora lembrei- me de Rilke e de seus poéticos conselhos reflexivos dirigidos “ao jovem poeta” e com isso passei a me questionar: Inspiração Divina, Necessidade Intrínseca ou Talento Construído no Exercício da Prática????


Mesmo sem buscar uma solução, depois de muito me auto questionar e analisar, posso seguramente dizer que continuo a acreditar que o fazer artístico, realmente se faz verdadeiro, poético, necessário, honesto, legítimo e digno de considerar-se caminho para uma futura obra de arte, quando parte de uma Necessidade Intrínseca ao artista. Quando parte das mais profundas dores viscerais, quando jorra do manancial que agregava a mais densa das alegrias, quando emerge sem controle dos mistérios da alma, quando ultrapassa em desespero o ininterrupto pulsar do coração. Como diria Rilke: "pergunte-se a si próprio se morreria caso fosse impedido", se caso tiver certeza do óbito, sinto em dizer, mas acredito que chegou no quando, no quando se é artista.

Fonte:
RILKE, Rainer Maria. Cartas a um jovem poeta. Trad. Mafalda Ferrari. Portugal: Coisas de Ler, 2004. 79p.


Aline Vilaça escreve quinzenalmente aos sábados no ContemporARTES.
alyneserze@gmail.com

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