sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

As Horas - A Omelete


“É preciso quebrar a casa do ovo”, ela disse, mas como se faz isso? Será que tem algo a ver com omelete? Não, com certeza não. Andava pela calçada, com as mãos nos bolsos da jaqueta pisando nas folhas secas, a sensação de esmagá-las e seu som lhe dava grande prazer.
“É preciso quebrar a casca do ovo, se tornar montanha e carregar suas próprias medalhas...” Caramba tá cada vez a mais difícil! Cada vez que saía daquela Casa, ficava com mais Palavras, sobrevoando a cabeça e o pior sem conseguir compreende-las. Talvez seja assim mesmo, disse para si, algumas coisas não tem que se ser explicadas ou entendidas, seu efeito basta. O problema era o tal efeito causado... Máximo Gorki, Wally Salomão & Gaston Bachelard, também contribuíam... É... palavras têm o poder de chegar a locais que se sabe que existem, nos obrigam a ver o que nem sempre queremos...



Mas... O que tem isso tudo com ovo, ou melhor, sua casca com isso? Por que Ela sempre insistia nisso? Vai ver Ela tem um quê de Clarice Lispector que adorava galináceos e sues ovos. Sorriu imaginando as duas mulheres juntas observando-os, esperando que um pintinho rompesse a casca de um ovo, para ver o mundo que o cerca. Clarice, alta, grave, concentrada, com cigarro entre os dedos e uma garrafa de coca-cola ao lado. Ela com seus cabelos pretos, sorriso fácil e um cigarro nos lábios, olhava, esperava. Em dados momentos, trocavam olhares de entendimento tácito e mudo, era como se esperassem algo muito maior que o nascimento de um pintinho. Que fome! Falou. Enquanto afagava o cão que pulava eufórico e olhava para o gato, que do sofá observava a cena com desinteresse que se quer tentava dissimular. Sorriu para ele, esse era um dos motivos de amar aquele gato, ele era um gato e nada mais, assim como o cão, era apenas um cão, sem máscaras ou disfarces, eram somente.

Tirou a jaqueta, jogou-a no sofá, ao lado do gato, que não se moveu, apenas olhou objeto que voou e caiu a seu lado. Foi até cozinha, abriu a geladeira. Só pode ser brincadeira! Dentro só havia dois ovos e uma cebola pela metade. Desse jeito vou ter que fazer uma omelete... Pegou um prato, um garfo, bateu com cuidado a casca do ovo, que rachou, tirou um pedaço e começou a bater à clara. Pouco tempo depois, a omelete estava no fogo, durante a preparação, a cena dela e de Clarice não saíam de sua cabeça, chegou a sentir seus olhares. Quando virou a omelete para que ficasse bem dourado, foi como se caísse um véu que lhe cobria os olhos, tudo estava ali o tempo todo, bem na sua frente e não enxergara. Olhou para a omelete, agora no prato, para as cascas quebradas na pia... Era isso. A omelete continuava sendo ovo, apenas quebrara sua casca.
                              
Olhou para janela e lá restavam, Clarice e ela, cada um com seu cigarro, a primeira com o seu entre os dedos e Ela, com o seu nos lábio. Trocaram um daqueles olhares, lançaram um último olhar para as cascas sobre as pia, para a omelete, para o Ser que agora as encarava e também tinha um cigarro aceso, deram-se as costas e cada qual seguiu seu caminho. A omelete não tinha mais importância.




Giliane S. Moura escreve semanalmente no ContemporArtes

1 comentários:

Ana Dietrich disse...

Queridíssima giliane, inda bem que vc. é minha amiga, astuta com as palavras serve dela com a astúcia de um samurai... q a clarice nos ouça.
bjs

20 de janeiro de 2010 às 22:55

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