quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

JOÃO BAPTISTA GROFF E A FABRICAÇÃO do IMAGINÁRIO


João Baptista Groff (1897-1970),foi um dos pioneiros da fotografia no Paraná. Nasceu em Curitiba, onde passou toda sua vida e além de fotógrafo, foi jornalista, cineasta, empresário, ativista ecológico, e no final da vida, pintor. Esse multiartista documentou principalmente a urbanização da cidade de Curitiba em meados do século XX e suas características humanas e sociais.

E quando achava necessário, ele mesmo fabricava a cidade para ser fotografada, não somente contribuindo com idéias para a organização de seu traçado, como também criando ficções sobre ela. Seu filho João Maximiliano, 80 anos, relata um fato curioso acontecido por volta de 1925:

Num dia de finados, ao visitar o cemitério da Água Verde, Groff percebe que um dos túmulos próximo ao da família, verte água. Tempos depois, em uma polêmica com colegas jornalistas, ele faz uma aposta e afirma que pode provar que o público é suscetível em acreditar mais em lendas do que em fatos verdadeiros. Publica então uma matéria no jornal O Dia com o título, “O túmulo que chora”.

A notícia tem grande repercussão popular esgotando a edição, e o diretor do jornal pede a ele que continue publicando matérias a respeito. Assim, durante um mês ele dá continuidade a essas matérias que provocam uma verdadeira comoção na cidade. Ao retornar ao cemitério, percebe o grande número de pessoas que ali se aglomera chegando de diversas partes; carroças vindas dos arredores congestionam as ruas do bairro, há um verdadeiro movimento de multidão. Todos acreditam que a água vertida do túmulo é uma manifestação do sobrenatural, e acorrem ao local em busca de curas e milagres.

                Reprodução de um dos muitos postais que Groff realizou no Cemitério da Água Verde, em Curitiba, durante as manifestações populares em torno do “túmulo que chorava” em 1925).

As diversas cenas que se desenrolam em torno do “túmulo que chora” posteriormente viram temas de seus cartões postais. Mas o que acontecia ali era um fato natural: a água da chuva que se acumulava na parte superior, na cúpula de um dos túmulos era absorvida pelo concreto, que em dia de sol, aquecida, transbordava por uma fenda. Um delegado, amigo de Groff, chegou a comentar que ele devia parar com essas notícias, “porque o povo não trabalhava mais, ninguém queria saber de outra coisa”.

Esse fato vem confirmar a grande habilidade que Groff possuía em criar lendas e ficções, que não foram poucas em sua trajetória, mas desta vez sua percepção recai sobre o poder dos meios de comunicação na fabricação da notícia, e ele utiliza a mídia impressa conscientemente de forma a comprovar sua hipótese – e de ganhar a aposta - ou seja, a de que é possível forjar crenças populares assim como também é possível desmistificá-las. Com isso é evidente que ele promove um fato, fotografa-o, torna-o cartão postal, faz circular as imagens, contribuindo com o imaginário popular.

O sociólogo Pierre Bourdieu em sua obra Uma arte média, ensaios sobre os usos sociais da fotografia, comenta que no ato fotográfico o artista faz uma espécie de “apropriação mágica ou a recriação enaltecedora ou caricaturista do objeto representado, ao brindar a ocasião de experimentar mais intensamente suas emoções, de expressar uma intenção artística ou de manifestar um domínio técnico”. (2003: pg.42)

Assim, João Baptista Groff realiza o circuito completo da fotografia: produz a cena e a fotografa, propicia o seu consumo, visual e material e promove a circulação das imagens. 
Fiz aqui a adaptação de um capítulo da minha Dissertação de Mestrado: “Leituras da Urbanização e da Construção da Identidade Paranaense na Fotografia de João Baptista Groff” de 2007. Espero que tenham gostado de conhecer um pouco da vida desse artista paranaense e de sua personalidade, que era muito peculiar.




Izabel Liviski,  é professora e fotógrafa, doutora em Sociologia pela UFPR, escreve a Coluna INcontros desde 2009, e é também co-editora da Revista ContemporArtes.

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