quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Coluna Ana Maria Dietrich


Hoje apresento, Adilson Thieghi, jornalista, crítico de cinema e HQ, contista e muito bem-humorado. Ele nos apresenta  crítica ao recém lançado HQ, com  roteiro adaptado muito fiel ao original, Frankestein. Confira!
Ana Maria Dietrich; editora-chefe da Revista de Artes e Humanidades Contemporâneos, escreve às quartas-feiras quinzenalmente no ContemporArtes.
                                         





FRANKENSTEIN

A capa é um assombro: o jovem cientista Victor Frankenstein, mão na cabeça, escorado por sobre uma lápide;atrás dele, uma árvore enorme, sem folhas e assombrosamente retorcida. Nesta única imagem está resumida a essência do romance imortal de Mary Shelley, de uma forma que nos remete ao maior clássico do cinema expressionista, “O Gabinete do Dr Caligari”,(1919) de Robert Wiene. Lá há uma cena em que o jovem Cesare, o sonâmbulo hipnotizado por Caligari, está também diante de uma árvore morta; os galhos secos emolduram sua cabeça, tornando visual a agonia interna do jovem. Nesta capa, mergulhamos de cabeça nas entranhas da obra e sentimos todo o arrependimento e a impotência do cientista frente às muitas mortes desencadeadas a partir do momento em que ele decide criar um ser humano a partir vários cadáveres. Vida e morte em conflito, com vitória da última, golpeando violentamente a arrogância da ciência oitocentista e escancarando os horrores da sociedade burguesa industrializada.

Nesta adaptação para os quadrinhos (que aqui sai pela coleção Ex-Libris da editora Salamandra) Marion Mousse optou por fazer uma versão quase completa e bastante fiel ao romance(que é de 1818) ,o que não é exatamente uma novidade, afinal o filme “Frankenstein de Mary Shelley”(1994), de Kenneth Branagh(e com Robert DeNiro no papel do monstro) também pretendia “corrigir”as versões cinematográficas anteriores. O cinema, aliás, foi o responsável por fazer com que o nome do criador passasse para a criatura. A primeira e mais famosa versão,dirigida por James Whale em 1931 e estrelada por Boris Karloff criou uma imagem tão poderosa para o mostro que o público associou para sempre o nome do filme (Frankenstein) a ele. Isso, aliás era favorecido pelo fato da narração acompanhar não as desventuras do cientista a partir do momento que ele começa a narrar sua tragédia pessoal, mas sim a trilha do mostro, perseguido por causa de sua aparência dando destaque a um subtexto sutil da obra original.

Aqui há uma ou outra alteração nas ordens dos fatos (as vezes para bem, as vezes para o mal), mas no geral o foco é o mesmo do livro e começa com a carta de Robert Walton, matemático a bordo de um navio que ruma para o Pólo Norte, a sua irmã Margareth, que está na Inglaterra. É para ela que ele transcreverá a bizarra história contada pelo suíço Victor Frankenstein, que ele encontra ã beira da morte, andando pelas geleiras.

No entanto seu mérito vai além da fidelidade, é criar uma fábula cruel (e seu desenho meio infantil está a serviço desta opção) muito bem narrada. As cores são frias, o que dá um ar lúgubre à história, ressaltado pelas sombras e só quebrado pela cena mais assustadora da HQ, a que mostra Victor Frankenstein violando túmulos e retalhando cadáveres para escolher os membros com que construirá sua criatura. Sequência brilhante, inicia com uma vista geral do cemitério e termina com um close no rosto de uma estátua de uma mulher triste segurando seu filho(provavelmente uma pietá).

Outra exceção fica por conta do visual das cenas da infância do cientista, solares e que por contraste reforçam a melancolia predominante.

Não é perfeito, há alguns trechos confusos (em parte culpa do estilo de desenho que não permite detalhamento, em parte do roteiro mesmo) e alguns momentos que perdem feio em impacto para o livro, como quando Victor destrói o corpo da mulher que estava construindo para ser a companheira de sua criatura (por exigência desta, que não suportava a rejeição dos homens): “E pensar que eu estava em vias de criar um ser semelhante ! Tomado de fúria, num acesso bem próximo da loucura, apanhei o que me estava à mão para usar como arma destruidora e fiz em pedaços a estrutura que começava a tomar forma definitiva(...)Arremeti contra aqueles despojos, batendo-lhes a esmo, esfacelando, rugindo de fúria, e só parei quando o total esgotamento me impediu de continuar a esbordoar o que não mais havia por ser destruído”(tradução de Everton Ralph). Na HQ vemos apenas uma fogueira e o choro do mostro.Este, apenas um grandalhão verde, também não impressiona e passa longe da descrição do livro que dá conta de uma criatura “de estatura gigantesca, mas rudimentar e disforme nas proporções”, que tinha esta aparência justamente por ser constituída de partes de diferentes cadáveres. Ok, mas com tantos acertos esses são deslizes perfeitamente perdoáveis e não tiram o brilho desta grande obra dos quadrinhos.

A editora, que já publicou Robinson Crusoé pela mesma coleção, promete para este ano adaptações de “As Aventuras de Tom Sawyer”, de Mark Twian, “Os Três Mosqueteiros”, de Alexandre Dumas e “A Ilha do Tesouro”, de Robert Louis Stevenson.


SERVIÇO
Título: FRANKENSTEIN (Salamandra) - Edição especial
Autor: Marion Mousse (roteiro e arte), adaptando o livro de Mary Shelley. Publicado originalmente em Frankenstein.
Preço: R$ 39,90
Número de páginas: 144
Adilson Thieghi (a.thieghi@yahoo.com.br)

http://bar1211.blogspot.com/

0 comentários:

Postar um comentário

Seja educado. Comentários de teor ofensivo serão deletados.