sábado, 30 de janeiro de 2010

João Guimarães Rosa "Magma"


Hoje, resolvi apresentar a vocês, não um autor, mas uma obra de um escritor brasileiro muito reconhecido, canonizado por todos aqueles que apreciam uma literatura um tanto quanto forte e singular. O autor a que me refiro, caros leitores, é João Guimarães Rosa e a obra da qual pretendo discorrer é um livro de poesias chamado Magma.

A grande maioria de nós brasileiros, quiçá dos povos que tem o português como língua oficial, sabem muito bem que Guimarães Rosa é aclamado pela crítica e pela academia pelo Grande Sertão Veredas e pela obra Sagarana. Porém, como constatei no ultimo período em uma disciplina da faculdade, que abrange o Modernismo Brasileiro, poucos são os que conhecem os poemas do livro Magma.

Variadas podem ser as explicações para tal desconhecimento, mas o que nos importa neste momento é apresentar a vocês a beleza contida em poemas tão profundos, marcados pelos ideais do modernismo brasileiro, como ausência de metrificação, rima, além do uso da língua popular “brasileira”.

Esta pequena obra de poesias foi confeccionada e submetida a um concurso literário promovido pela Academia Brasileira de Letras em 1936, no qual concorreu com outras vinte e quatro obras. O resultado foi que com essa original poesia, a Guimarães Rosa foi concedido o 1º lugar de tal concurso e nas palavras do relator do concurso, Guilherme de Almeida:

“– É pois meu parecer que seja o 1º prêmio do Concurso de Poesia de 1936 concedido ao livro Magma, de João Guimarães Rosa; e que não seja a ninguém, neste torneio, conferido o 2º prêmio, tão distanciados estão do primeiro premiado os demais concorrentes”.

Ao receber o prêmio, o autor, faz um lindíssimo discurso, que apresentarei a vocês uma pequena parte:

“O poeta não cita: canta. Não se traça programas, porque a sua estrada não tem marcos nem destino. Se repete, são idéias e imagens que volvem à tona por poder próprio, pois que entre elas há também uma sobrevivência do mais apto. (...) O magma, aqui dentro, reagiu, tomou vida própria, individualizou-se, libertou-se do meu desamor e se fez criatura autônoma, com quem talvez eu já não esteja muito de acordo, mas a quem vossa consagração me força a respeitar”.

Este livro foi publicado postumamente pela Editora Nova Fronteira. Apesar de ter ganho, em 1936, o Prêmio da Academia Brasileira de Letras, o livro sempre foi considerado uma obra menor pelo autor de Grande sertão: veredas. Durante sua vida, Guimarães Rosa não demonstrou qualquer interesse em publicá-lo, chegando a dizer em entrevista: "[...]escrevi um livro não muito pequeno de poemas, que até foi elogiado. [Depois] passaram-se quase dez anos, até eu poder me dedicar novamente à literatura. E revisando meus exercícios líricos, não os achei totalmente maus, mas tampouco muito convincentes". Só muitos anos após a morte de seu autor, em 1997, é que Magma veio a público.

Minha impressão ao ler este livro, inicialmente, foi de pura emoção, devido ao ritmos um tanto quanto cadenciados do poema “Boiada”, ou mesmo do “Ritmos Selvagens”. Como o próprio autor profere, seus poemas tomaram vida própria, cada um de maneira individual aparenta cantar um pouco de nossa terra desde a “Iara” folclórica, ao “Batuque” dos negros vindos da África, que com eles trazem seus ritmos e seu jeito próprio de se expressar. É um pequeno livro, ilustrado por Poty, composto por 146 páginas, de leitura breve, que nos leva a fazermos reflexões mil acerca da terra brasileira, seu povo, seus costumes.

Apresentarei a vocês dois poemas para que possam se embebedar em um pouco dessa poesia tão doce e forte ao mesmo tempo.

Medo da felicidade

Estremecemos juntos...
Que Potêcia má será a soberana
desse vento frio que passou?...

Definição

O cigarro de fumaça impalpável e brasa colorida,
que se afunda a si mesmo num cinzeiro,
será um poeta?...

ROMANCE-I

No cinzeiro cheio
de cigarros fumados,
os restos de uma carta...

ROMANCE II

Bem na frente
de um retrato empoeirado,
uma aliança esquecida...

EGOÍSMO

Se fosse só eu
a chorar de amor,
sorriria...


Ou ainda:

ÁGUAS DA SERRA

Águas que correm,
claras,
do escuro dos morros,
cantando nas pedras a canção do mais-adiante,
vivendo no lodo a verdade do sempre-descendo...
Águas soltas entre os dedos da montanha,
noite e dia,
na fluência eterna do ímpeto da vida...
Qual terá sido a hora da vossa fuga,
quando as formas e as vidas se desprenderam
das mãos de Deus,
talvez enquanto o próprio Deus dormia?...
E então, do semi-sono dos paraísos perfeitos,
os diques se romperam,
forças livres rolaram,
e veio a ânsia que redobra ao se fartar,
e os pensamentos que ninguém pode deter,
e novos amores em busca de caminhos,
e as águas e as lágrimas sempre correndo,
e Deus talvez ainda dormindo,
e a luz a avançar, sempre mais longe,
nos milênios de treva do sem-fim...

Esse foi o primeiro e ultimo livro de poesias do autor mineiro (infelizmente). Na verdade, foi um presente, como os outros escritos de Guimarães são marcados pela mistura de erudição, a falares populares regionais, com inovações na linguagem e ainda invenções e intervenções semânticas e sintáticas.

Desta vez não encontrei um site específico para indicar àqueles que queiram ler mais poemas deste autor. Mas, nada melhor do que adquirir uma obra como esta, para que aos poucos possamos deleitá-la.






Rodrigo Machado é Graduando em Letras pela Universidade Federal de Viçosa e escreve aos sábados no ComtemporARTES.

2 comentários:

Anônimo disse...

Obrigada rodrigo, por dividir conosco.Águas da Serra é encantador. Simone Pedersen

1 de fevereiro de 2010 às 08:00
Armila disse...

Realmente uma preciosidade.Lindo este poema "Águas da Serra".Bom trabalho Rodrigo.

23 de abril de 2010 às 03:52

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