sábado, 23 de janeiro de 2010

Mário de Sá Carneiro


Alguns leitores um tanto assíduos à leitura de minhas humildes matérias devem estar se perguntando qual o autor do qual pretendo discorrer nesta minha terceira matéria. Como sou apreciador da poesia portuguesa, hoje resolvi apresentar a vocês (pelo menos os que ainda não o conhecem) Mário de Sá-Carneiro.

Mário de Sá-Carneiro nasceu em Lisboa, a 19 de maio de 1890. A família deste era abastada, sendo ele neto de militares. Desde os 9 anos, ele já escrevia poemas, com consta em sua Obra Completa.Aos 19 anos foi vai para Coimbra estudar direito, porém não conclui o curso. Lá conheceu seu melhor amigo, Fernando Pessoa, que o introduziu no ciclo dos modernistas. Com intuito de continuar seus estudos, ele foi para Sorbonne em Paris, porém não concluiu o curso, a ida dele para esta cidade foi importante na medida em que lá conheceu as novas correntes estéticas literárias que surgiam na França.

Quando passou a freqüentar Lisboa com certa regularidade em 1913 e 1914, Sá-Carneiro, juntamente com Fernando Pessoa e outros jovens portugueses, fundaram, e com ajuda do pai patrocinou, o grupo e a revista de mesmo nome Orpheu, com pretensões a escandalizar a sociedade burguesa e urbana da época trazendo, dentre outras coisas, inovações literárias.

Em Julho de 1915 regressa a Paris, escrevendo a Pessoa cartas de uma crescente angústia, das quais ressalta não apenas a imagem lancinante de um homem perdido no «labirinto de si próprio», mas também a evolução e maturidade do processo de escrita de Sá-Carneiro.

Uma vez que a vida que trazia não lhe agradava, e aquela que idealizava tardava em se concretizar, Sá-Carneiro entrou numa cada vez maior angústia, que viria a conduzi-lo ao seu suicídio prematuro, perpetrado no Hotel de Nice, no bairro de Montmartre em Paris, com o recurso a cinco frascos de arseniato de estricnina.

No que diz respeito à produção poética deste autor, ela está agrupada nas Obras Completas de Mário de Sá-Carneiro, livro com reunião e edição feitas por aquele a quem Sá-Carneiro deixou como herança suas produções literárias: Fernando Pessoa. É interessante apresentarmos parte de um poema feito por Pessoa para incluir o prefácio das obras completas do autor em questão:

SÁ CARNEIRO

Nesse número do Orfeu
que há de ser feito com rosas e estrelas
em um mundo novo.
1934
NUNCA SUPUS que isto que chamam morte
Tivesse qualquer espécie de sentido...
Cada um de nós, aqui aparecido,
Onde manda a lei certa e a falsa sorte,

Tem só uma demora de passagem
Entre um comboio e outro, entroncamento
Chamado o mundo, ou a vida, ou o momento,
Mas seja como for, segue a viagem.

Passei, embora num comboio expresso
Seguisses, e adiante do em que vou;
No término de tudo, ao fim lá estou
Nessa ida que afinal é um regresso.
[...]
Hoje, falho de ti, sou dois a sós.
Há almas pares, as que conheceram
Onde os seres são almas.

Como éramos um só falando! Nós
Éramos como um diálogo numa alma.
Não sei se dormes [...] calma,
Sei que, falho de ti, estou um a sós.
[...]

Em uma das existentes divisões entre os estilos poéticos do modernismo português, o poeta em questão é encaixado na chamada poesia do sentimento, da qual é o grande mestre. Em seus poemas, ele exprime com à-vontade a sua personalidade, sendo notória a confusão dos sentidos, o delírio, quase a raiar a alucinação; ao mesmo tempo, revela um certo narcisismo e egolatria, ao procurar exprimir o seu inconsciente e a dispersão que sentia do seu «eu» no mundo – revelando a mais profunda incapacidade de se assumir como adulto consistente.

A crise de personalidade levá-lo-ia, mais tarde, a abraçar uma poesia onde se nota o frenesi de experiências sensórias, pervertendo e subvertendo a ordem lógica das coisas, demonstrando a sua incapacidade de viver aquilo que sonhava – sonhando por isso cada vez mais com a aniquilação do eu, o que acabaria por o conduzir, em última análise, ao seu suicídio.

Embora não se afaste da metrificação tradicional (redondilhas, decassílabos, alexandrinos), torna-se singular a sua escrita pelos seus ataques à gramática, e pelos jogos de palavras. Se numa primeira fase se nota ainda esse estilo clássico, numa segunda, claramente niilista, a sua poesia fica impregnada de uma humanidade autêntica, triste e trágica. A seguir tem-se um poema deste autor para que vocês possam conhecer um pouco da poesia de Sá- Carneiro:
InterSonho

Numa incerta melodia
Tôda a minh'alma se esconde
Reminiscencias de Aonde
Perturbam-me em nostalgia...

Manhã d'armas! Manhã d'armas!
Romaria! Romaria!

. . . . . . . . . . . . . . .

Tacteio... dobro... resvalo...

. . . . . . . . . . . . . . .

Princesas de fantasia
Desencantam-se das flores...

. . . . . . . . . . . . . . .

Que pesadêlo tão bom...

. . . . . . . . . . . . . . .

Pressinto um grande intervalo,
Deliro todas as côres,
Vivo em roxo e morro em som...

Mário de Sá-Carneiro, in 'Dispersão'

Mais uma dica valiosa: alguns poemas deste autor podem ser lidos no site http://www.citador.pt/poemas.php?poemas=Mario_Sa_Carneiro&op=7&author=20043.





Rodrigo Machado é Graduando em Letras pela Universidade Federal de Viçosa e escreve aos sábados no ComtemporARTES.

0 comentários:

Postar um comentário

Seja educado. Comentários de teor ofensivo serão deletados.