sábado, 13 de fevereiro de 2010

O olhar homoerótico em A Confissão de Lúcio


A cultura portuguesa, brasileira e, de grande parte dos países do ocidente, durante muito tempo foram altamente repressoras da (homo) sexualidades das pessoas que de tais culturas faziam (e fazem) parte. As instituições conotadas com o poder como Igreja e Estado criaram severas leis para proibir e tentar também coibir relacionamento afetivo-sexual entre pessoas do mesmo sexo.

Tendo em vistas tais aspectos, a homossexualidade foi tratada por muitos anos como ilegal, e muitas vezes, como uma doença passível de cura. O que se comprova ainda hoje pelo fato de várias Igrejas tentarem curar os fiéis que padecem desse “mal incalculável”. Dessa maneira, os espaços concedidos aos gays dentro das sociedades praticamente não existiam. Com o advento da pós-modernidade as vozes vituperadas – gays, negros, mulheres – tiveram a possibilidade de se retratarem nas diversas formas discursivas, a fim de que deixassem de ser subjugadas e ganhassem espaço na sociedade. Estas vozes abandonaram a marginalidade e buscaram seu espaço no mundo contemporâneo. No que diz respeito à Literatura, após os anos 60 e a revolução sexual ela passa a ter um papel fundamental em relação aos gays, pois através da literatura os discursos e vivências destes são retratados e de alguma forma lutam para deixar a marginalidade e ter seu papel reconhecido.

Na novela de Mário de Sá-Carneiro, A Confissão de Lúcio, observamos que o olhar homoerótico é passível de percorrer e analisar toda a obra. Principalmente, porque ao observarmos o tempo histórico no qual a novela foi tecida e a sociedade que, mesmo que indiretamente, ela representa, vislumbramos que tal obra retrata a impossibilidade de ligação afetivo-sexual entre duas pessoas do mesmo sexo.

Através do relacionamento Homossocial entre as Personagens Lúcio Vaz e Ricardo de Loureiro, que gerou entre eles grande admiração e companheirismo, notamos que o limite entre amizade foi transposto pelo desejo carnal, na medida em que entre eles surgiu a necessidade de possuir para que se sentissem a emoção e a alma interiormente, um do outro. Para que tal anseio fosse alcançado foi necessário que Ricardo se transfigurasse em uma figura feminina – Marta – que agiu como uma ponte afetivo-sexual entre os amigos. Ao fim desta Novela de Sá-Carneiro, Ricardo revela a Lúcio a verdadeira identidade de Marta, ou seja, a apresenta como um desdobramento de si próprio, criado para tornar seus desejos mais íntimos em realidade. E após tal revelação, Ricardo mata Marta e, consequentemente morre.

A obra de Sá-Carneiro termina com a morte trágica desta personagem, ou seja, depois de contar ao amigo sobre a criação de Marta para que houvesse possibilidade de relacionamento intimo entre eles, Ricardo mata seu duplo, para que a realidade venha à tona e, com isso, acaba por se matar também. Nesta história podemos entrever que a morte do homossexual para que ele fosse vislumbrado como algo negativo na sociedade e que de alguma maneira deveria ser erradicado, fez com que, por outro lado, a identificação deste tenha o levado ao conhecimento das pessoas. O que fez com que a imagem do gay não fosse totalmente apagada dos discursos e divulgou também, em Mário de Sá-Carneiro, o homossexual não caricaturado, apresentando assim nova visão em relação ao gay.



Rodrigo Machado é Graduando em Letras pela Universidade Federal de Viçosa e escreve aos sábados no ComtemporARTES.

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