segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Segunda Poética

Ivana Ferrante Rebello, escritora de Montes Claros, é mestra em Literatura, professora, mãe e vencedora de muitos concursos literários.


Ao lume da lua
Bobagem, ele me disse. Vira pro lado e tenta dormir.

Naquela noite ele não teve culpa. Ninguém assistiu à derrisão silenciosa da nossa casa. Havia uma flor em nosso jardim.
Levantei-me. Ao abrir a janela fui flagrada pela cara redonda da lua. Espiei debaixo da cama, mas nenhum monstro viera visitar-me nesta noite. Tudo parecia docemente calmo. E sobre tudo pairava o lume de prata da noite.

Despi-me. Pelo espelho, uma mulher olhava-me entediada.
Saí. A noite acolheu-me em veludos duvidosos. Não sabia para onde iria.

Não deixei bilhete ou qualquer sinal. Levei apenas aquele vestido volátil e suas pregas indisciplinadas.
Hoje escrevo do outro lado do mundo. Cato mariscos na areia e os vendo aos bares. Descobri recentemente o prazer de caminhar descalça. E colho risos dos desavisados. Quando me perguntam de onde vim, aponto para a lua. Agora dei pra ser de poucas palavras. Às vezes me pego em longa contemplação do nada. Especialmente à hora em que ele se põe. Sinto um arrepio de prazer pelo corpo. A beleza me toma.
Na casa que deixei, as formigas fazem seu trabalho cotidiano. Deixam apenas os vestígios da sua pequena tragédia. Quando ele me amava, era um pouco como as formigas em seu trabalho: iam sempre onde havia um resto de doce.
Na sua rotina, ele deve ter sentido um pouco de saudade. Mas eu sei que tudo isso é bobagem. A lua cheia reaparece em turnos de poesia. Vira pro lado e tenta dormir.

2 comentários:

Anônimo disse...

Que bela forma de acordar !
Ivana é uma autora maravilhosa :)
Simone Pedersen

1 de fevereiro de 2010 às 07:32
Giliane disse...

Belo texto.

1 de fevereiro de 2010 às 21:25

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