terça-feira, 9 de março de 2010

A PASSAGEM


O caminho mais grandioso para viver com honra neste mundo é ser a pessoa que fingimos ser. (Sócrates)

Quem já perdeu um ente querido sabe: a cor da dor é cinza, melancolicamente cinza, como um céu antes da tempestade. Às vezes, contudo, a dor é amarela, aguda e invasiva como os raios do sol. O som dessa dor é como um trovão: por vezes forte e estrondoso, por vezes leve, mas persistente. A constatação que a vida é finita nos atinge de formas diversas. Mas quando perdemos uma pessoa próxima somos levados por uma avalanche de dúvidas. Como será daqui para frente? Qual será o tamanho da dor a cada lembrança? Quando passará essa dor?
As respostas são simples. Nunca mais nossa vida será igual: a dor será imensa e jamais passará completamente. Haverá momentos em que a dor se aninhará num canto da alma, mas de súbito será acordada por lembranças involuntárias: a cor preferida, certo perfume, uma data especial... No momento da morte, a vida se modifica para todos os que ficam. Um vazio imenso se instaura de forma avassaladora. A força da presença da ausência é infinita.

Durante a vida, alguns passam por diversas mortes: divórcio, perda de emprego, mudança de casa, escola e até país. São experiências de perda e dor, de luto por algo que se acabou. Mas não são imperativas. No divórcio, mesmo que o ódio substitua o amor, sabemos que a pessoa ainda existe e está logo ali, num teclar de números. Empregos se vão e outros vêm, assim como amores ou casas e as saudades são lentamente substituídas pelo novo. Porque houve rompimento, morte da relação, mas a existência física permanece. Quem nunca passou em frente da casa onde morava quando criança ou se interessou por notícias de um antigo amor ou amigo? Na morte física parece que tudo acaba. Imediatamente um vazio surge como uma explosão. Um buraco negro no centro do nosso universo. Você pode pedir para alguém sentar “naquela” cadeira no almoço aos domingos, mas não será possível preencher o vazio nela.

Você se sente incapaz, muitas vezes culpado e não tem como ouvir resposta ao seu pedido de desculpas. Essa dor é transformadora, pois coloca nossa vida toda em perspectiva. Se aqui estamos agora e num sopro de vento deixamos de estar, de que nos vale perder o agora planejando cada detalhe do futuro? Que controle temos do amanhã? Apenas sabemos que a colheita será do que hoje plantarmos. A vida tem que ser agarrada a cada dia no qual devemos fazer o melhor possível para que o futuro seja um lindo campo coberto com gigantescos girassóis. E se esquecermos de regar nossos campos diariamente, encontraremos apenas um deserto árido e despovoado.Nós chegamos nus e assim partiremos. Não adianta colecionar tesouros como acreditavam os faraós e que no fim seriam encontrados um dia por arqueologistas. Hoje os herdeiros e oportunistas não permitiriam sequer que fossem enterrados. Existe algo, contudo, que cultivamos durante nossas vidas e nos acompanhará por toda a eternidade: a honra. Façamos tudo, sempre, com honradez. Sejamos políticos, trabalhadores comuns ou simples familiares.
Para que nossa alma descanse em paz e os vivos possam nos amar e respeitar como se aqui ainda estivéssemos.
Lembremos apenas que honra não é perfeição. Ninguém é perfeito. Felizmente, ainda existem muitas pessoas honradas. Como disse Aristóteles: “A grandeza não consiste em receber honras, mas merecê-las”. Você acha que existe honra maior que merecer o amor e o respeito das pessoas que convivem conosco?




Formada em Direito, hoje dedica-se totalmente à literatura. Iniciou a participação em concursos literários em 2008 e já passou da primeira centena de prêmios. É colunista do Folha de Vinhedo. Publicou contos, crônicas e poemas em dezenas de antologias no Brasil e exterior. Três de suas obras estão em fase final de edição: Vila Felina, história educativa para crianças sobre relacionamentos e preconceitos, Colcha de Retalhos, coletânea de poemas a ser publicada em Portugal em maio e o livro Fragmentos e Estilhaços que será lançado na Bienal de São Paulo.







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