terça-feira, 2 de março de 2010

POESIA E CONSCIÊNCIA AMBIENTAL - Contribuição do Leitor - Carlos Eduardo Marcos Bonfá


As questões ambientais são prementes na atualidade, haja vista as discussões e acordos de âmbito internacional que objetivam metas de redução na emissão de gases-estufa na atmosfera e a criação de formas de desenvolvimento sustentável; sem omitir o importante papel das Organizações não-Governamentais (ONGs) que têm eclodido assim que os problemas ambientais começaram a recrudescer.
Como creio que toda obra de arte está comprometida, de um modo ou de outro, ainda que o mais complexo, com o contexto histórico-social onde ela se forma (ainda que seja para negá-lo), penso na maneira mais artisticamente digna e eficaz da poesia abraçar em sua formação a consciência ambiental. “Conceitos sociais não devem ser trazidos de fora às formações líricas, mas ser hauridos da rigorosa intuição delas mesmas.” (ADORNO, 1980, p. 194). É neste sentido que penso a expressão “maneira mais artisticamente digna e eficaz” da poesia se comprometer com o contexto histórico-social.


Assim posto, lembro que os ambientalistas muito simpatizam com o pensamento rousseauísta. Pertinente, afinal o promeneur solitaire alimentou uma visão benéfica da natureza ao teorizar sobre cultura e sociedade. Só não sei se não seria muito ledo conservar no imaginário a imagem de um bon sauvage no interior de uma sociedade tecnocrata que não permite mais nenhum retorno genuíno às condições de vivência físico-emocionais mais próximas ao natural. Todavia, o desenvolvimento e a realização através de procedimentos estéticos da consciência de um sentimento de ligação íntima, de uma disposição afetiva especial entre o eu e o não-eu, isto é, a exterioridade, a natureza, é uma das maiores heranças rousseauístas adotadas pelos períodos de modernidade. É preciso resgatar Rousseau neste sentido, exercitar esta realização em direção à esta consciência ambiental contemporânea que vivenciamos. E insisto em frisar que penso não em uma obra de arte guiada por conceitos raptados, transportados à revelia, mas antes em uma obra de arte que, de modo legitimamente artístico, permita intuir elementos culturais atuais de seus procedimentos específicos, quais sejam aqueles que mais intimamente descobrem o “ser” da poesia – aqueles que relacionam de modo visceral elementos que culturalmente, tradicionalmente, estão em situação de oposição.
Destarte, a maneira mais artisticamente digna e eficaz da poesia abraçar em sua formação a consciência ambiental é resgatar, no interior dos procedimentos poéticos mais específicos, aquela disposição afetiva especial primeiramente desenvolvida por Rousseau, e agora direcionada contemporaneamente. Óbvio que, para isto, a consciência vigilante, a substancialidade do cogito, a experiência do principium individuationes não pode ser anulada ou incapacitada. Ao contrário. É no rigor da consciência vigilante que essa disposição afetiva se atualiza. E desta forma a poesia assume seu modo específico de resistir às direções prejudiciais do progresso insustentável e acumula mais provas de que a resistência da poesia é uma possibilidade histórica.



Carlos Eduardo Marcos Bonfá é mestre em Estudos Literários (Letras) pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, sendo graduado em Letras na mesma instituição acadêmica. Nasceu em Socorro (SP), em 1984. Publicou a obra Ossos e ervas (2002). Participou de antologias e publicou em sites e revistas eletrônicas, acadêmicas e especializadas, entre elas “A Cigarra” e “Travessias”. Mantém um blog no seguinte endereço: www.carloseduardobonfa.blogspot.com

Endereço eletrônico: ce.bonfa@terra.com.br

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