sexta-feira, 30 de abril de 2010

Histórias e histórias contadas por Masagão em “Nós que Aqui Estamos por Vós Esperamos”


 

    Vale muito ver ou rever esse filme de Masagão, um clássico que discute com sons, imagens e textos o  homem do século XX 

A vida, seus heróis e vilões em um mundo repleto de dores, alegrias e a inevitável morte. 



 Katia Peixoto dos Santos e Leandro Daniel Carvalho.




Em um plano geral, o filme tematiza imagens do século XX, sempre entrecortadas por cenas de lápides, filmadas em um cemitério que, ao que tudo indica, foi o responsável pelo nome do filme. O diretor realizou um minucioso trabalho de buscar imagens em arquivos e trechos de filmes clássicos e, posteriormente, de montá-las de uma forma particular. Quase todas as imagens do filme vêm acompanhadas de uma escrita colocada na montagem. Esse artifício funciona com um unificador do filme, na medida que fecha um pouco o espectro de significados que se pode atribuir às imagens.


A primeira cena do filme já nos traz esse elemento de intervenção. Neste caso, sobrepondo um fundo branco, a frase que nos encara, acompanhadas de duas notas graves de piano é: “O historiador é o rei. Freud é a rainha”. Durante o filme essas duas máximas ganham mais sentido, na medida que percebemos a abordagem histórica e psicanalítica do filme. A cena seguinte faz referência a um céu; temos a impressão de, olhando pelo olho da câmera, estarmos voando por entre as nuvens, que apesar de brancas parecem bastante carregadas. Uma música cadenciada e forte acompanha a imagem, que novamente sofre a invasão de letreiros que sintetizam o conceito do filme “Pequenas Histórias. Grandes Personagens. Grandes Histórias. Pequenos personagens”, acompanhado ainda da frase “Memória do breve século XX”. Essas frases se seguem imediatamente após duas “incrustrações” (como Jean Claude-Bernadet convencionou chamar a aparição de imagens menores, deslocando momentaneamente a primeira imagem a um papel de fundo).



Vemos que esse início, em relação ao filme todo, já apresenta muito sobre o esqueleto da montagem. A linguagem escrita substituiu a “Voz de Deus”, tão utilizada em documentários ontem e hoje. Imagens se sobrepõem na tela, revelando uma não preocupação em criar planos únicos. O céu, em associação com as duas incrustrações, uma mostrando o progresso de um trem e outra, logo na seqüência, a execução de dois homens, toma o sentido de um local de além vida. Ambas imagens remetem a um tempo passado, em formato preto e branco. Vemos o céu que o diretor construiu, um céu calmo que abriga os mortos, o passado e, desse jazigo infinito sairá, segundo a idéia do filme, os personagens que o comporão. Merleau-Ponty nos lembra que a percepção do espectador de cinema, assim como em qualquer situação cotidiana, é total, na medida que ele não isola os elementos constitutivos da estrutura do filme ou da situação em que vive. Ele diz: “a percepção das formas, num sentido bem geral de estrutura, totalidade ou configuração, deve ser considerado como o nosso meio de percepção mais espontâneo”. Durante a sessão de cinema se dá o mesmo: “O sentido de uma imagem depende, então, daquelas que a precedem no correr do filme e a sucessão delas cria uma nova realidade, não equivalente à simples adição de elementos empregados.”

 
 A montagem cria um trilho onde nossa percepção caminha, podendo é claro descarrilar em alguns momentos conforme o espectador. As frases, a música, o céu e as incrustrações são tomados em conjunto e, como na experiência de Pudóvikin, o céu que vemos depois dessas intervenções já tem um novo sentido. No entanto, tanto nesse início como em diversas cenas do filme, Masagão não separa os planos, criando uma seqüência de tomadas, mas insere dentro do mesmo plano os elementos que se relacionam na criação de um sentido. Esse tipo de montagem não pretende criar uma progressão narrativa ou cronológica das imagens. Fotos, filmagens e pinturas de décadas diferentes aprecem no filme, algumas vezes no mesmo plano. Por exemplo, no bloco em que o filme aborda as religiões, vemos em uma foto de um homem com uma roupa, descrita como para se encontrar com Deus. Sobre esse plano vemos uma filmagem de um homem tentando levantar vôo com assas artificiais. Aqui, em uma junção de uma foto, uma filmagem e de escrita vemos de uma forma nova todas essas imagens. Em um plano em especial, Masagão abre mão desse mosaico e nitidamente cria uma seqüência que tece uma comparação direta entre Fred Aistaire e Garrincha: ao som de um samba bem ritmado, no estilo de escolas de samba, alternam-se cenas de Fred dançando com um porta-casacos com as de Garrincha, passando por cima da bola e enganando seu adversário.








Percebemos a proximidade entre esses dois personagens, a ponto de imaginarmos que se os dois trocassem de função se sentiriam bem à vontade. Outro ponto interessante a se observar desde o início é que as imagens que se utiliza Masagão são retiradas de outros contextos, das quais estavam inseridas. Esse plano citado anteriormente é um exemplo: as imagens de Garrincha pertencem a outro filme, assim como as de Fred Aistaire. A transposição e a intercalação dessas imagens no filme cria um sentido diverso daquele que se deu originariamente. Nesse plano, como Bernadet observou, o filme cria um conceito, ele faz uma ligação ensaística entre esses dois personagens. “Esse tipo de montagem tem uma vertente destrutiva e outra construtiva. A destruição consiste em extirpar uma imagem da montagem original e despojá-la da significação que lhe atribuía o contexto imagético, sonoro e verbal em que estava inserida. É construtiva a sua colaboração à composição do novo filme. Em realidade a destruição nunca é total.” ( Benadet). Nesta composição, que nos apresenta um ensaio imagético do século XX, percebemos um esforço em fugir de uma abordagem histórica unicamente estrutural e fria, buscando o que nas imagens há de particular, de simples. Toda a pompa da História, dos grandes acontecimentos e personagens é equalizada com a vida comum. Todos vão morrer e, no filme certamente todos já morreram. As cenas do cemitério se associam assim àquela construção inicial do céu: símbolos do fim da vida, onde o filme começa. Essa idéia da morte como um “pulo do gato” da natureza sobre a humanidade que tentava em vão dominá-la demonstra um pouco dessa forma “freudiana” de ver a história.



 Na seqüência que mostra o alfaiate percebemos essa referência. A filmagem nos apresenta a torre Eiffel em 1911, um momento que resgatamos pelo nosso conhecimento como o auge das invenções científicas. No topo da Torre vemos um homem com uma roupa especial, o alfaiate. A imagem de uma ave nos mostra que seu objetivo naquele momento era voar. Antes de homem pular, vemos uma imagem de uma senhora, olhando para cima, apreensiva e depois espantada. Logo em seguida o homem salta, caindo velozmente em direção ao chão. Na cena seguinte, vemos a filmagem do lançamento da nave espacial Challenger. Dentre os espectadores que estavam no local no momento do lançamento, percebemos a mesma senhora da cena anterior, com a mesma expressão no rosto. A nave explodiu e, como no caso do alfaiate, o desastre foi inevitável. A imagem congela, surgindo uma frase de Freud: “Nunca dominaremos completamente a natureza, e o nosso organismo corporal, ele mesmo parte desta natureza, permanecerá sempre como uma estrutura passageira, com limitada capacidade de realização e adaptação”. Essa imagem reforça a limitação do homem ao tentar dominar a natureza. Uma luta contra algo em que ele próprio faz parte.





 
O filme lida com imagens de acontecimentos históricos. Carrière diz: “Todo filme a seu modo trabalha com o passado; e, como todos sabemos, o passado é a única realidade inquestionável, a única a deixar marcas que podem ser relatadas e até ensinadas.” (Carrière, 1995). Saber que aquilo aconteceu, não no sentido exato que aparece no filme, mas a luz incidiu sobre aqueles corpos ou matéria qualquer, foi refletida e captada pela máquina, que quimicamente transpassou para o papel ou filme. Esse seria um dos sentidos do punctum (Barthes) da imagem reproduzida sem a interferência humana: ele remete diretamente a processos naturais, como a física e a química. A imagem do monge budista virando pó pela ação das chamas, nos reporta diretamente para o fato, que é reforçado pelo letreiro. Freqüentemente surgem fotos no filme, tanto dos grandes nomes da história (Nijinsnki, Freud, Lênin, Picasso, Eisntein, entre outros) quanto de pessoas desconhecidas, apresentadas por suas fotos em formato oval, típica de lápides ou de fotos antigas. André Bazin escreveu sobre o “complexo” da múmia, se manifestando como uma necessidade “aprisionar” uma imagem do referente, que no fim das contas pretende ser o mesmo, entretanto liberto das contingências temporais. Como um desejo do homem de proteger aquele piscar de olhos em que a fotografia foi fixada (hoje o processo fotográfico é ágil, no entanto não foi sempre assim) da inevitável passagem do tempo; uma memória artificial, uma memória das imagens. Nossa memória pode falhar, mas a memória de uma imagem fotográfica ou cinematográfica é precisa. Os meios técnicos ainda permitem que essa imagem seja copiada quantas vezes for necessário. Não presenciamos in loco a construção do muro de Berlim, o lançamento da nave espacial Challenger, menos ainda guerras sangrentas, repletas de tiros e bombas, no entanto, a imagem desses acontecimentos comprova que eles acontecerem. Apesar do poder dessas imagens, elas nunca chegaram perto da experiência subjetiva de estar no local. Podemos assistir quantas filmagens ou fotos de guerra quisermos que, provavelmente não ficaremos com traumas de guerra, como o daquele homem do filme que não conseguia ficar parado por um segundo. Talvez esse efeito limitado das imagens somadas à sua multiplicação convulsiva tenha contribuído para que representações fotográficas e televisivas, depois do advento da televisão, tenham se banalizado. Essa banalização no nível representativo pode estar associada à própria banalização do acontecimento. Carrière escreve, discorrendo sobre o noticiário televisivo: “Pior ainda, sabemos que, em todas as guerras, sobretudo durante as batalhas nas ruas das cidades, os combatentes são estimulados, pela presença da câmera.” (Carrière, 1995) Masagão, ao representar o século da profusão de imagens utilizando elas mesmas, busca colocá-las em um âmbito reflexivo, fugindo desse amortecimento. As imagens utilizadas no filme menos do que reconstituir os fatos históricos, tentam compreender os acontecimentos a que elas se referem. Partindo de um modo de interpretação que privilegia o singular no meio dessa torrente de acontecimentos, a montagem das imagens induz uma proximidade do espectador com os assuntos que são abordados. Parece uma tentativa de resgatar um pouco da aura do acontecimento ou referente, que foi perdida pela realização da reprodução técnica. Walter Benjamin cunhou esse termo pensando primeiramente na reprodução técnica de obras de arte. No entanto, admite a correlação desse processo, que em sua época estava crescendo com toda força, a referentes naturais. Ele identifica como um fator social decisivo para essa decadência da aura o crescente papel das massas na vida cotidiana: “Encontramos hoje, nas massas, duas tendências de igual força: elas exigem por um lado, que as coisas se lhes tornem, espacial e humanamente, “mais próximas”, e tendem, por outro, a acolher as reproduções, a depreciar o caráter daquilo que só é dado uma vez”.(Benjamin, p. 227-8, 2000).




 Masagão tenta devolver um pouco do que “só é dado uma vez”. Os letreiros contribuem muito para esse efeito, na medida que eles quase sempre introduzem alguma informação do tipo “Era um exímio carteiro”, “Fazia bolinhos de arroz como ninguém”, “Gosatava de Coca-Cola”. Nesta foto de Sebastião Salgado, por exemplo. A fotografia sem os letreiros provoca uma leitura diferente da que é feita depois de sua inserção. É claro que essas atribuições são ficcionais, mesmo o nome do sujeito da foto (apesar de Masagão ter realizado essas ligações baseadas em pesquisas). No entanto elas expandem (ou direcionam?) a nossa relação com a imagem. Apesar de colocar a data de nascimento e morte do personagem e, assim, reconhecer o poder de congelamento do tempo da fotografia, as informações dadas pelo letreiro ressaltam que o referente (um dos donos de algum pé) tinha uma vida que extrapola o que a fotografia pode nos dizer. Percebemos os pés maltratados (os chinelos e calças parecem colocados especialmente para a foto), mas não poderíamos inferir que o referente gostasse de Coca-Cola ou que nunca havia visto uma imagem de TV. Esses escritos extrapolam o sentido da fotografia, a inserindo dentro de um contexto sócio-político. No bloco que o filme aborda a questão dos kamikazes esse artifício também fica muito bem delineado. Vemos a imagem de um avião em movimento, prestes a alinhar sua mira ao navio adversário. Nesse momento a imagem pára e começa a aparecer o letreiro com a carta que um soldado japonês escreveu para seus pais. Associamos o conteúdo da carta, que demonstra um sentimento muito grande de humildade e tristeza, com a imagem do avião que, logo após o letreiro desaparecer, se choca violentamente contra um navio. Masagão, na contracorrente dessa banalização de imagens, tenta relembrar o quinhão de humanidade nos referentes do que é mostrado. Essa prática de inserir algo escrito para acompanhar uma fotografia não é novidade.




Durante todo o século foi constante essa combinação, principalmente nos jornais. Benjamin, falando sobre a produção de imagens que inquietam o espectador, em um sentido político diz que “Com este tipo de fotografia, a legenda torna-se pela primeira vez necessária”. Esse texto direciona a leitura da imagem, pois quer encaminhar um sentido específico. A imagem se torna dependente. Ainda Benjamin, entrando em consonância sobre um aspeto ressaltado por Ponty, observa: “As direções que os jornais ilustrados impõe a quem olha as imagens se tornarão ainda mais precisas e imperativas com o filme, onde é impossível apreender, ao que parece, qualquer imagem isolada sem levar em conta a sucessão de todas as imagens que a precedem”. Masagão se utiliza desse acompanhamento da escrita perante as imagens, mas fugindo da matriz desse processo, que se preocupava em dizer o que estava na fotografia pretendendo comprovar uma realidade.

As escritas no filme provocam um certo fechamento de sentido, no entanto, o teor do que é escrito pende mais para o ensaístico do que o descritivo. Diferente de um jornal, que literalmente explica o que está na foto (esta sendo usada como ilustração da notícia), o filme pontua características biográficas dos referentes que dificilmente encontraríamos em um jornal. Na imagem anterior anuncia-se o plano com o escrito Bomba Atômica; vemos uma família japonesa, representada por uma fotografia, limitada a um formato oval, surgindo do meio das nuvens levantadas pela bomba. Os escritos seguem sobre a imagem. Nessa construção não percebemos uma preocupação de sincronizar a imagem com a escrita. Ela forma um conceito, usando essa família como uma metonímia do acontecimento histórico da bomba atômica lançada no Japão. Ao invés de usar estatísticas e imagens objetivas e impessoais, Masagão utiliza frases apontam que no acontecimento da bomba atômica não foram números ou indivíduos que morreram, mas pessoas, com gostos e vontades. Utilizando as mesmas imagens que “vêm e vão”, os diretores tenta tirá-las desse movimento alucinante, na qual elas “nos inundam e nossas carapaças ficam mais espessas”(Carrière, p. 70, 1995). Percebemos um esforço em compreender as imagens, elas sendo um artifício para uma compressão num âmbito maior, da história a qual elas se referem. Carrière atenta para um caminho esquizofrênico que o acúmulo de imagens pode levar: “Talvez o verdadeiro perigo desta saturação pela imagem, de que tanto se fala (geralmente com alarme), resida no desaparecimento, puro e simples daquilo que costumamos considerar realidade” (Carrière, p. 100, 1995). O filme, no entanto, parece não querer substituir a realidade pelas imagens que apresenta, mas tentar extrair o máximo de sentimento que estas, por meio de seus referentes, trazem de um suposto real. Por essa via do que Barthes chamou de punctum da imagem (no caso da fotografia), que assimilamos as representações, na medida em que elas nos causam distúrbios. Vemos os referentes não somente como atores da história mas como seres, com corpo e alma intrincados. E isso só é possível pela montagem desenvolvida no filme. Barthes diz: “A História é histérica: ela só se constitui se a olhamos – e para olhá-la é preciso estar excluído dela. Como criatura viva, sou o contrário da História, o que a desmente, a destrói em benefício de minha história apenas.” (Barthes, p. 98, 1984).


 História e histórias. O filme costura essas duas dimensões, colocando o que seria relativizando uma representação de uma realidade. Por exemplo a seqüência em que se apresenta a família Jones. Quatro grandes conflitos envolvendo os Estados Unidos são lembrados a partir de uma ótica pessoal. Apesar de a família ser fictícia, se torna algo muito próximo pensar na morte de uma família inteira em guerras: o bisavô na Primeira Guerra Mundial; o avô na Segunda Guerra; o pai no Vietnã e; o derradeiro, na Guerra do Golfo (se o filme fosse mais atual, Masagão poderia acrescentar mais um membro da família). A idéia de que tal fato possa ser real assusta, muito por se referir ao âmbito familiar em contraposição ao nacional, por exemplo. O filme não se detém a uma explicação sócio-política sobre o contexto dessas guerras: a imagem do Tio Sam já nos diz alguma coisa sobre o pensamento norte-americano (pelo menos do Estado) em relação à guerra. No caminho da citação de Barthes, o que aparece depois é uma outra versão da História, que se dilui em pequenas histórias. Essa passagem do filme (ao lado) exprime bem essa evocação da história de baixo para cima. Vemos a foto de um homem, que aparentemente se encontra no campo de batalha. Ao lermos os escritos ficamos imaginando: e esse homem, quem era ele? Do que ele gostava? Os grandes personagens da História também aparecem em uma construção interessante. Surgem na tela eu, tu, ele, nós, vós e, maior que todos esses o Eles. Aparece uma foto de um bebê, e se segue uma descrição: “Indolente, mal-humorado e austero. Pouco dinheiro, poucos amigos, poucas mulheres. Nem cigarro nem bebida. Bigode ralo”. Logo em seguida vemos a foto de Hitler, que se mantém em um movimento de distorção constante, lembrando uma bandeira ao vento. Sobrepõe-se a foto de Stalin, também distorcida, e logo após, aparece a palavra paranóia, que se decompõe na tela, criando uma sensação de
confusão mental. Stalin também recebe sua descrição: “Rude, provocador e cínico. Não era afeito à teoria. A mãe queria que fosse padre. Bigode avantajado”. Todas essas cenas vêm acompanhadas de um som grave de trombones. A caracterização escrita desses personagens remete a elementos constitutivos de suas personalidades, se afastando de uma análise estrutural de seus papéis na História. As referências à paranóia os aproximam do campo do natural, à psicologia. Todos os ditadores representados não são apresentados à luz de suas ações, mas abaixo uma concepção de distúrbio mental.


O estilo em que Masagão lida com as imagens lembra o tipo de documentário poético, caracterizado por Bill Nichols. O autor localiza como uma característica geral deste tipo de documentário o de sacrificar “as convenções da montagem em continuidade, e a idéia de localização muito específica no tempo e espaço derivada dela, para explorar associações e padrões que envolvem ritmos temporais e justaposições espaciais” (Nichols, p. 138, 2006). Apesar de no filme quase sempre as imagens virem acompanhada de datação, esta não se preocupa em estar sempre em concordância com a imagem. Bernadet frisou em seu texto sobre o filme aquela passagem na qual tematiza as mulheres. Imagens de mulheres fazendo atividades domésticas que datam do início do século se misturam com imagens da década de 40, todas elas sendo utilizadas para criar um contexto da situação da mulher no pós-guerra, no final dos anos 40. Essa conexão é feita livremente pois não há um compromisso com padrões temporais ou espaciais. Nichols vê nesse tipo uma forma diferente de reagrupar imagens do mundo histórico, privilegiando o modo como essas esses planos são arranjados. Mais do que o efeito do conteúdo da imagem, a montagem desses diversos conteúdos agrupados de uma forma particular é o que interessa.
A especificidade do filme se cria então na montagem que ele aplica. Todos os elementos utilizados, imagem sobre imagem, trilha sonora, ruídos, silêncios, escrita, agrupados em um todo, que é o filme, age como um (re)criador do espírito da época representada. Somos chamados pelas imagens, não vamos a busca delas; mas esse efeito se deve essencialmente a interligação desses elementos, que direciona para uma leitura mais intensa do que vemos. Distanciando-se de uma banalização de imagens, que sempre parecem estar tão distantes de nós, Masagão tenta nos aproximar dessas imagens que, atuaram tanto como mera representação do real, quanto transformadores desse pretenso real. O plano final, no qual a câmera se movimenta por entre as lápides a caminho da saída do cemitério traz um último efeito aproximativo. A filmagem, em um determinado momento sai do preto e branco se tornando colorida; como se, conforme a câmera vai a caminho da saída do cemitério vai se aproximando do mundo dos vivos, e se afastando dos mortos, e mais globalmente, da história. No entanto as lápides estão lá, com sua materialidade, compartilhando o mundo presente. E quando, já fora do cemitério, depois de percorrer um caminho trilhado no chão, a câmera foca o pórtico “Nós que aqui estamos, por vós esperamos” passa a impressão de como eles, nós também seremos História, com nossas histórias.
  
A vida, seus heróis e vilões em um mundo repleto de dores, alegrias e a inevitável morte. 





Kátia Peixoto é doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Mestre em Cinema pela ECA - USP onde realizou pesquisas em cinema italiano principalmente em Federico Fellini nas manifestações teatrais, clowns e mambembe de alguns de seus filmes. Fotógrafa por 6 anos do Jornal Argumento. Formada em piano e dança pelo Conservatório musical Villa Lobos. Atualmente leciona no Curso Superior de de Música da FAC-FITO e na UNIP nos Cursos de Comunicação e é integrante do grupo Adriana Rodrigues de Dança Flamenca sobre a direção de Antônio Benega























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