quinta-feira, 29 de abril de 2010

O belo artístico na obra de Andy Warhol (segunda parte)


Continuo hoje a postar a contribuição do leitor Douglas Negrisolli, a respeito do belo em Andy Warhol. Com relação aos filmes de Warhol, aproveito para indicar resenha feita por mim para a Revista Contemporâneos, que pode ser acessada em http://www.revistacontemporaneos.com.br/n4/pdf/Resenha%20Andy%20Warhol.pdf

Deixo a palavra com Negrisolli.

Historiadora da arte, Fernanda Lopes Torres atua como pesquisadora de arte na Multirio e professora  de História da arte no Instituto de Artes da UERJ.


A obra de Warhol e seus símbolos

                                          Liz Taylor, 1964, serigrafia, 59 X 59 cm
 
Andy Warhol(1928-87) é o artista mais característico da Arte Pop, pois ele viveu mutante e mutado pela sociedade de consumo que o cercava. Os Estados Unidos nos anos 50-60 passavam por uma transformação na sociedade, sobretudo nos valores ligados a beleza exponencialmente ditada pelo cinema hollywoodiano que nas figuras de Elizabeth Taylor, Marilyn Monroe, Elvis Presley e Mick Jagger, mostravam ao mundo algo transformado e diferente. Os produtos consumidos em massa, como a Coca-Cola, as sopas Campbell`s, caixas de sabão em pó, retratados por Warhol refletiam o consumismo exacerbado e a necessidade de representar algo no meio popular. Erroneamente, a Arte Pop é caracterizada por uma crítica ao consumismo, mas ela está mais para uma festa aos novos padrões ditados pela sociedade americana capitalista, do que realmente uma crítica, por sua capacidade de individualizar o humano e sobrescrever em cima de um fundo onde a morte deva ser esquecida e, no caso americano, muito bem maquiada.

Andrew Warhola, ou como queria ser chamado, Andy Warhol, nasceu na Pensilvânia, as datas de seu nascimento divergem entre 1928-1931. Longe de ser inexpressivo após a morte e mesmo em vida, mudou-se para Nova Iorque e, junto com sua mãe, alugava um apartamento no subúrbio da cidade. Estudou no Instituto Carneggie de Tecnologia de Pitsburgo e não apresentava muita fama, mas seus colegas afirmavam que seus trabalhos tinham muitas qualidades.

No início de sua carreira profissional, Warhol desenhava para algumas revistas de moda, sobretudo sapatos e jóias, que eram muito bem vendidos e vistos pela classe de superstars que também consumiam esses produtos. Em muitos momentos de sua vida enquanto produzia desenhos publicitários, queria se livrar deste mundo e partir apenas para a produção artística, e tornar-se verdadeiramente um. Frequentava festas e era socialmente ativo, muitas vezes essas visitas lhe rendiam encomendas de quadros. No início dos anos 1960, inicia sua fase comercial, a parte mais importante de sua obra em que personifica celebridades, como Marlin Monroe.

A repetição para Warhol era importante e significativa, os elementos que usava como a serigrafia em partes, iconizava Marilyn, não só por sua beleza, mas a sacralizava pela angustiante maneira de repetir a forma de seu rosto e mesmo sua boca, que significava não o fetiche, mas a sensualidade de uma sociedade americana corruptível e anedótica. Andy Warhol comenta: "que em alguns dos meus quadros, nos de Marilyn Monroe ou de Elizabeth Taylor, por exemplo, tenha representado as grandes sex-symbols do nosso tempo. Para mim, Marilyn Monroe é uma pessoa igual a todas as outras. E quanto à questão de saber se é um ato simbólico pintá-la em cores tão vivas, posso apenas dizer isto: foi a beleza que me interessou, ela é bela; e se há alguma coisa de belo, são as cores bonitas. É tudo". (biografia do artista)

Esta exterioridade das figuras concluídas com uma razão de existir apenas pela combinação de cores intencionalmente criadas, são formas de contrapor-se aos dogmas do Expressionismo Abstrato da "interioridade e idealismo desenfreado(...), e que os EUA tinham de estar incumbidos de uma missão política" (KLAUS, 1998, p. 21), e de opor-se ao objetivo e material. Esta é uma das principais características do movimento Pop, a combinação de cores, ou mesmo obras já consagradas como foi utilizada de uma cópia de Mondrian apenas por seu caráter decorativo, na obra de Tom Wesselman em Still Life N° 20.

A utilização da repetição e de técnicas industriais era comum dos artistas da Pop Arte, principalmente pela facilidade dos materiais e a novidade deles na cena artística. Acusados pelos críticos de arte de usurparem esses métodos industriais, sobretudo por retirar da arte burguesa uma característica fundamental, o caráter único da obra; fizeram da Pop um processo de ruptura, tal como Warhol fez em suas diversas latas de sopa Campbell´s, que as vezes repetia inúmeras vezes e vendia suas pinturas a dez dólares cada, outras vezes, repetia essas latas mas com alguma diferença nos sabores e tamanhos.

Outra característica que tornava a arte Pop bela no mundo contemporâneo, era representar a forma humana não apenas como o homem, mas uma representação dele. A figura humana pode fazer parte da Arte Pop, mas na figura de um robô, excluindo todas as possibilidades de uma volta a um "novo humanismo" (KLAUS, 1998, p. 21). Andy Warhol em questão, utiliza-se desse caráter quando usa a repetição da figura humana e a ‘estrelização’ de personalidades que a sociedade americana utiliza como fachada, ou mesmo a banalização da arte quando compõe uma série de retratos de procurados pelo FBI onde produz um mural e dedica grande parte de sua obra.

                  Thirteen Most Wanted Men, 1964, serigrafia, New York Pavillion, New York World's Fair

A construção de ícones através do cinema de Hollywood, influenciou a arte e o pensamento europeu, que antes era ditada pelas regras francesas de gosto burguês do belo e sofisticado, agora dão lugar a uma arte proveniente dos subúrbios de Manhattan. Os alemães eram os mais interessados em adquirir obras de arte deste movimento e os que possuem as maiores aquisições, sobretudo porque se viam fascinados pela sociedade de consumo que vivia os EUA em um mundo dividido, após a Segunda Guerra Mundial.
O medo da morte está implícito na obra de Warhol, quando ele utiliza nos seus quadros tragédias de avião, mortes, e envenenamento de pessoas com uma lata de atum, revelam no artista esse medo e, sobretudo, um reflexo da sociedade dos EUA para mistificar a morte com as estrelas do cinema e o fato delas 'nunca morrerem'.

Para os artistas Pop -e em Warhol- o movimento e a impressão desse movimento como parte do todo, quer na plástica ou no cinema, eram fundamentais para tornar a arte um objeto de apreciação novo, comum e popular, como em auto-retratos que Warhol fez no final dos anos 60.

Mecanicamente, como sua oficina, a <Factory>, que mais se assemelhava a um atelier, o trabalho de Warhol era baseado na ação e reação, o que se fundamentava em uma pintura "infantil, com um fundo psicológico" (OSTWERWOLD, 2003, p. 170). Ele construía uma arte que se tornou sensacionalista, inclusive com a saturação de imagens de tragédias, sintomáticas da sociedade americana.
A expressividade da quantidade em relação com a multiplicidade e repetição das obras da Pop, forma o que a sociedade de consumo em sua síntese representa para Warhol: a banalização e repetição dos clichês de Hollywood, a mecanização e transformação do belo artístico em automático, reproduzidos intencionalmente mas sem nenhum valor, como reflete na obra em que reproduz dinheiro sem pinceladas, somente com serigrafia, 80 notas de Dois Dólares, de 1962.

A beleza para Warhol não existe, ele aplica a beleza ao critério de "quantidade é qualidade"11, por este motivo interpreta a sociedade onde vive como comum e propositalmente como mecânica, e se vê forçado a selecionar o típico e o símbolo que vira mito.

Considerações finais

As características dessa Arte Pop estão sob a mecânica da sociedade industrial, uma sociedade baseada no consumo, na necessidade ocidental de representar algo dentro dessa comunidade que, como afirma Chartier, os produtos dessa cultura vistos entre os diferentes sistemas simbólicos da sociedade, são interpretados como fruto de símbolos - o que ele chama de representações - para a chave da dominação sobre outras sociedades em graus variáveis. Isto se aplica ao fato da mudança do centro econômico-cultural eurocêntrico, para Nova Iorque, acima de um caráter de imperialismo de costumes sociais crescentes e mesmo de cultura, em toda a América.

O belo nesta sociedade americana, está intrinsecamente ligado aos preceitos dos EUA e sua ‘necessidade’ em promover à sociedade capitalista um certo conforto, e ao mesmo tempo, sua relação esquizofrênica com a morte, caracterizada pelo cinema na imortalização do artista, não da obra.

A crescente fonte indissociável dessa arte considerada bela, contemporaneamente por promover as classes médias interrogarem a si mesmas, qual é a arte que podemos ter? Discute assim, a importante ruptura que a Arte Pop fez: trazer o comum para o museu e galerias; mas, o mais importante, trazer o público que antes não estava neste circuito - a mesma classe média que era a protagonista. De uma forma singular, a Pop abriu espaço para todas as formas de arte, como a música pop, as artes plásticas, o cinema, o grafitte, tornando a arte nos Estados Unidos - assim como no restante do mundo ocidental - menos excludente.
                                              Lata de sopa Campbell's, 1968,  acrílico e liquitex, 91, 5 X 61 cm, Coleção Ludwig

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