segunda-feira, 12 de abril de 2010

Minha inspiração poética.


por Rodolpho Saraiva.

Inauguro minha participação no site visitando a chave do meu gosto poético.

Demorei a chegar à poesia porque sempre me incomodou a temática universal, dos heróis, revoluções, canções-protesto ou amores incomensuráveis. Custei a ter a convicção de que, para mim, poesia alça maior altitude quando é mínima. Pura em lirismo.

E qual seria a fonte disso?

O poeta que me converteu foi Manuel Bandeira. Foi identidade imediata, pela simplicidade e despretensão de tudo que escreve. Fala corriqueiro, sem vitórias ou glórias. É pequeno, falho, encolhido, tuberculoso, como muitas vezes se definiu: “Sou poeta-menor, perdoai”.


Falam os teóricos que poesia menor é justamente focada na miudeza humana, nas suas fragilidades, detalhes individuais. Não se presta a ser entoada por uma multidão.


Visa o umbigo próprio. Umbilicalmente falando. Ver o mundo como homem falível, frágil, desencantado algumas vezes, e noutras, suscetível à correnteza de paixões tolas. Quanto mais frágil e inseguro, mais humano o é.


Embora perceba tantos outros poetas hoje, Manuel Bandeira ainda é meu princípio de poesia, encarnado no que escrevia e no homem que era. Sua poesia muito introspectiva, aparentemente voltada à irrealidade, ao que só ocorria no plano das idéias, soa idealização pura.


Mas quem já se imaginou indo “embora para Pasárgada” sabe que não trata de escapismo. A ida nos exige uma bagagem de desprendimento, desobrigação e coragem. O homem capaz de criar sua realidade é muito mais livre que o crítico, sempre atrelado a um parâmetro que rebate. O criador voa. Lirismo, então, é isso, voltando ao que dizia. É ser livre na proposta e, também, na forma (o que também muito nos ensinaram os modernistas, ao quebrarem aquele rigor dos poetas parnasianos).


Essa foi minha estréia, que não pretendia falar de Bandeira, mas da minha inspiração poética. É que ficou difícil separar essa daquele. E pra fechar, cito um verso, de um autor que ainda não consegui localizar, mas que ouvi num filme francês e me chamou muita atenção: je rêve la vie e je vis en rêve (eu sonho a vida e vivo em sonho).


Isso resume brilhantemente o que entendo de poesia. Essa possibilidade de moldar a realidade, recheá-la, e além do mais, sonhá-la do jeito que desejarmos. Poesia é capacidade de ser homem, com suas regras próprias de felicidade ou tristeza.




Dois Poemas de Manuel Bandeira


NEOLOGISMO


Beijo pouco, falo menos ainda.

 
Mas invento palavras
Que traduzem a ternura mais funda
E mais cotidiana.


Inventei, por exemplo, o verbo teadorar.

Intransitivo:

Teadoro, Teodora.



BRISA

Vamos viver no Nordeste, Anarina.


Deixarei aqui meus amigos, meus livros, minhas riquezas, minha vergonha.


Deixarás aqui tua filha, tua avó, teu marido, teu amante.


Aqui faz muito calor.

No Nordeste faz calor também.

Mas lá tem brisa:

Vamos viver de brisa, Anarina.




Um poema de Rodolpho Saraiva

 
PAISAGEM NÚMERO DOIS


Como rio que deflui

Invenção tua, imagem

meus olhos maiores

já te cabem.

 
Redunda,

essa beleza total:

minha paisagem.




Dicas da Coluna Poesia Comovida:


1- "O Sangue de um Poeta", filme surrealista do então estreante cineasta francês Jean Cucteau, de 1930. Sobre este filme o poeta Andre Breton, que era uma espécie de pai e mãe do movimento surrealista, disse que era "cópia malfeita dos filmes surrealistas", mas posteriormente boa parte da crítica cinematógrafica considerou-o como um dos melhores trabalhos da época. Vale a pena checar.
2- "O salário dos poetas", último romance do escritor e artista plástico mato-grossense Ricardo Guilherme Dicke, que estreou com o romance "Caieira", descoberto por Guimarães Rosa e Jorge Amado em 1968 e que faleceu em 2008.
Dicke, que já foi chamado de "o prisioneiro de um ostracismo cruel", foi também considerado por artistas como Glauber Rocha e Hilda Hilst, em diferentes momentos, como o melhor escritor brasileiro vivo. Vale também conferir!



Ilustrações: fotos do poeta Rodolpho Saraiva, foto do poeta Manuel Bandeira e foto do filme "Sangue de um poeta" de Jean Cocteau.

Altair de Oliveira (poesia.comentada@gmail.com), poeta, escreve às segundas-feiras no ContemporARTES. Contará com a colaboração de Marilda Confortin (Sul), Rodolpho Saraiva (RJ / Leste) e Patrícia Amaral (SP/Centro Sul).

3 comentários:

Anônimo disse...

Não poderia deixar de vir prestigiar o talento do amigo R. Saraiva. Ótima estréia com uma belíssima poesia.


A.s: Lucio Lobo.

12 de abril de 2010 às 21:32
Altair de Oliveira disse...

Hey Rodolpho! Seja bem-vindo, poeta! Adorei o texto, pena que faltou a referência ao título do filme, pois fiquei aqui querendo assistir... hehe! Recordo-me pelo menos de 2 belos filmes que trabalham com poesia (Hannah e suas Irmãs, do Wood Allen, que trabalha e. e. cummings e tb o filme Outsiders, do Coppola, que trabalha Robert Frost - bem bacana também)

Parabéns brother!

14 de abril de 2010 às 11:42
Fabio Rocha disse...

Belo texto! Estreia perfeita, Rodolpho! Sucesso pra revista, Altair! O mundo fica melhor e mais bonito com poesia...

8 de maio de 2010 às 21:54

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