quarta-feira, 28 de abril de 2010

Professora-aeromoça em Recife

Estou em Recife, no Congresso Nacional de História Oral. Cheguei um final de semana antes com o objetivo de conhecer melhor a cidade. No primeiro dia não conheci muita coisa, mas encontrei simpáticos pernambucos que foram de alguma maneira, trazendo o lugar para mais próximo de mim, o ritmo das coisas, a maneira de pensar e expressar sua visão de mundo.
E curiosamente, a oralidade tem tudo a ver com isso. Aqui, de alguma maneira, o português é outro que o de São Paulo. O pernambuquês me soa diferente aos ouvidos e evoca  formas outras de se lidar com a realidade com uma afetividade diferente, mais carinhosa, mais dengosa, mais quente.
Não se apoquente, menina! Não se avexe...
São palavras doces, o efeito na mente-coração de uma paulista como eu foi imediato.
Segundo o linguista Luís Antônio Marcushi, da Universidade Federal de Pernambuco, os diversos linguajares regionais utilizam o português como língua, mas com pronúncias, vocabulários e particularidades tão variadas que constituem verdadeiros dialetos.
Línguas diversas chegaram ao Brasil como o iorubá, então falado por escravos, mas, dentro de um sistema de poder, acabaram perdendo espaço em razão da proibição dos senhores. Mas, com os hábitos e costumes de origem africana sendo incorporados pela nossa cultura, muitas palavras dessa origem foram  usadas no nosso vocabulário como temos exemplos fartos na culinária. (Leia mais sobre nossas diferenças linguísticas).

A noite, fui conhecer o forró na Sala de Reboco, tradicional casa do forró nordestino. O nome lhe é muito propício, o grande galpão, onde 1200 pessoas se acomodavam respirando o mesmo ar úmido e quente, tem paredes de reboco e cenas desenhadas de repentes do sertanejo pernambucano. Completa-se a decoração fotografias da caatinga do interior do estado. A banda tocou madrugada adentro mergulhada em arranjos complexos de uma grande sanfona e uma voz de uma jovem e espevitada Elba Ramalho transformada na morenidade dos cabelos amarrados em faixas coloridas.

Os amigos pernambucanos - sim eles estavam lá - queriam complicar a coisa para a professora-aeromoça-viajante com a mente amolecida pelo calor. Falavam (muito) e perguntavam coisas com o som altíssimo ao fundo. Conclusão, usava toda a capacidade de concentração treinada em anos de doutorado para entender... sim entender... e...não entendia...Envergonhada depois da terceira vez que pedia para que repetissem, desistia e qual estrangeira... ria... para fingir que tudo bem. Em um dado momento, eu perguntei se eles percebiam o meu sotaque paulista. Eles disseram que sim, a cada palavra...Em outro, vieram com a história que tinha que provar "bode guisado". Espantada, dizia que não... E eles se riam que riam... gostoso...
Mas, em meio a tudo isso, uma lembrança veio muito forte a minha mente. A lembrança do carinho de minha mãe, cujos pais são pernambucanos, e em todos aqueles gestos, palavras, jeitos de ser, de agir, de pensar... eu a vi... Eu - que já passei anos na Alemanha - com objetivos não confessados de saber as origens paternas, fui acometida de surpresa de saber quem eu sou e como fui (bem) tratada em todos esses anos de existência ao enxergar muitas mães caminhando, falando e rindo em solo recifense. Uma vez disse a uma amiga que viajo muito porque só ia parar quando me encontrasse. Ela riu e disse que não ia parar nunca.
Pois bem, essa viagem para mim tem sido um encontro...
Então, coloco aqui para finalizar tais elucubrações uma música que ouvi na Sala de Reboco do nosso querido Luiz Gonzaga. E mais tarde, perguntando aos amigos que ora me hospedam, todos sabiam de cor...

Numa Sala de Reboco (Luíz Gonzaga/ José Marcolino)

Todo tempo quanto houver pra mim é pouco

Pra dançar com meu benzinho numa sala de reboco

Todo tempo quanto houver pra mim é pouco

Pra dançar com meu benzinho numa sala de reboco



Enquanto o fole tá tocando tá gemendo

Vou dançando e vou dizendo meu sofrer pra ela só

Eninguém nota que eu estou lhe conversando

E nosso amor vai aumentando pra coisa mais melhor



Todo tempo quanto houver pra mim é pouco

Pra dançar com meu benzinho numa sala de reboco

Todo tempo quanto houver pra mim é pouco



Pra dançar com meu benzinho numa sala de reboco



Só fico triste quando o dia amanhece

Ai, meu Deus se eu pudesse acabar a separação

Pra nós viver igualado a sanguessuga

E nosso amor pede mais fuga do que essa que nos dão

Todo tempo quanto houver pra mim é pouco

Pra dançar com meu benzinho numa sala de reboco

Todo tempo quanto houver pra mim é pouco

Pra dançar com meu benzinho numa sala de reboco









Ana Maria Dietrich, coordenadora da Contemporartes - Revista de Difusão Cultural e editora-chefe da Contemporâneos-Revista de Artes e Humanidades, escreve aqui às quartas-feiras quinzenalmente.

1 comentários:

André Reginaldo(ARNDS) disse...

Dra. A muito tempo não parava para ler um texto da internet,senti ate o calor umido do Lugar...

LEMBRANÇAS DE MAIS !

Se Cuida DRA.

André Reginaldo Nunes
arquivovisual@feracopiadora.com.br

29 de dezembro de 2010 às 17:06

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