sábado, 15 de maio de 2010

Lei da Anistia: Revanche ou Punição?





Por Yone Ramos Marques de Oliveira


A Lei da Anistia é para mim um tema de particular aflição, e um assunto de difícil abordagem pessoal uma vez que não sou partidária de nenhuma doutrina política. E sinceramente, receio receber com ressalvas o texto que seguirá nas próxima linhas.
Nos meus últimos anos de faculdade, assisti documentários que mexeram profundamente com minha mente e com minha alma e me elevaram (ou reduziram) ao estado mais estático das limitações humanas de compreensão. Isso porque me vi na incondição de compreender a possibilidade de justiça entre seres humanos, entre políticas, entre Estados, entre certo e errado, entre bem e mal. Posso datar essa péssima premissa ao iniciar meus estudos sobre o século XX. Normalmente, na academia, somos doutrinados ou norteados por uma visão, ou linha de pensamento, mas minha curiosidade particular me levou a buscar a outra face da história também, o que apenas aprofundou o meu desencanto.




Sobre ditadura, o primeiro livro que tive o desprazer de ler foi Brasil Nunca Mais. Desprazer não por conhecer os fatos que antecederam meu nascimento ou pelo livro em si, que ao meu ver é leitura obrigatória sobre o assunto, mas por descobrir as formas mais desumanas de sermos humano e, apesar de conhecer métodos de torturas medievais absurdos, foi diferente conhecer casos reais dos mais extremos exemplos de tortura. Por dias, dormi mal enquanto lia o livro, ficava questionando a mim mesma como é possível que um ser humano assista ou aplique em outro da mesma espécie medidas tão cruéis? Nunca encontrei a resposta!
Comecei a odiar aquele Regime, a ter sede de justiça, a querer que as pessoas que fizeram aquilo pagassem de alguma forma. Muito tempo de reflexão fizeram com que esse ódio minguasse até se resumir em um sentimento de completa impotência. Se analisarmos a História da Humanidade, em qualquer período, qualquer regime político, qualquer Estado desde a Antiguidade, essa condição intrínseca à humanidade de ser benigno e ser cruel, está além de qualquer abstratação ou conceito de justiça humana ou divina.
Não me contentei só com os livros, e fiz algumas pesquisas de campo entrevistando pessoas de ambos lados, foi quando tomei conhecimento do que alguns chamam de "Livro Negro" da "Revolução". Seria um livro de relato dos militares justificando as prisões e torturas. Quando li, reconheci alguns casos que já tinha tomado conhecimento, e ali descobri, com a outra versão do mesmo fato, que esse debate seria sempre partidário, arbitrário e insolúvel. Quando o tema é guerra, não existe bandido e mocinho, não existem lados! Existem interesses em conflitos e não consigo ver de outra forma: não importa quem morre e sua opção política, a guerra é sempre terrível e sem explicação, mesmo nos casos da guerra civil.
E se você conseguir olhar para o ser humano despojado de todo sentimento político, como fez Hannah Arendt no caso do julgamento do Eichmann, você se verá querendo uma justiça inexistente, sempre contraditória. Cito esse caso, pelas questões levantadas pela autora naquela ocasião. Como julgar o ato de um Estado soberano com as leis de outro Estado Soberano (nesse caso, de outro governo e outra constituição que não a da época, ainda que o golpe tenha sido injusto e arbitrário, consideramos o fato de que em meio à guerra, civil ou não, a lei advém sempre do grupo vencedor); ou eximir de culpabilidade um ser humano que, ainda que cumprindo ordens estatais, cometeu atrocidades com outro ser humano? Como condenar uma pessoa que naquele momento cumpria a lei de seu país? Pois bem, esse é o tema da revisão da Lei da Anistia. Como deixar assassinos impunes sem ferir os princípios que norteiam a sociedade e a jurisprudência?
O fato é que, ainda que seja certo fazer o levantamento da memória dos grupos excluídos e oprimidos, a revisão da Lei da Anistia prevê uma alteração de ânimos não apenas do exército, mas como daqueles que herdaram as marcas do período. Se olharmos para trás na história do país, veremos que o exército sempre atuou com uma política intervencionista o que sempre resultou em períodos conturbados para a nação. Também é fato, que o exército também reivindica investigação de torturas pelo lado das guerrilhas caso haja essa revisão e, como sabemos, isso também aconteceu entre os grupos de esquerda, o que poderá fermentar ainda mais ambos os grupos.
Não tenho a premissa de julgar positiva ou negativamente a Lei da Anistia, mas em termos de política, em um período de reconfiguração do cenário político-econômico mundial, é melhor manter os ânimos de ambos grupos acalentados até maiores certezas, para evitar colapsos políticos, uma vez que conflitos internos podem enfraquecer a política do país, bem como a economia e correriamos o risco de um retorno de períodos opressivos, lembrando que apesar do impacto não ser imediato, nada impede a formação de novos golpes políticos contra a democracia, tanto por parte progressista, como dos conservadores.
Bom, em termos de justiça, não creio ser capaz de apresentar uma solução plausível para o caso já que não concordo que essa lei tenha que ser revisada neste momento estranho da política brasileira, somada às incertezas mundiais. Ainda mais se, como acordo político, pareceu por bem que a oposição concordasse, naquela época, com a lei que também perdoaria os crimes de guerrilha, dos quais os grupos de esquerda deveriam responder. Não que concorde com a barbaridade da tortura ou com o que aconteceu naquele período, mas como já vi advertências, essa revisão pode representar mais uma revanche do que justiça. Sou contra qualquer barbaridade contra o ser humano, independente de quão humano ele seja. Infelizmente, independente da resposta interna de cada um sobre o assunto, acredito que, o quê consideramos ou gostaríamos de considerar como Justiça, em se tratando da humanidade, acabará por existir em vão.





Yone Ramos Marques de Oliveira, teóloga e historiadora, escreve aos sábados, quinzenalmente no ContemporARTES.

2 comentários:

DKS disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
DKS disse...

Também acho que se tentarem levantar os defuntos da ditadura não sobrará pedra sobre pedra na política brasileira (porque levantaria também os crimes de boa parte dos ex-guerrilheiros que hoje são nossos representantes políticos).

Só não sei como o Brasil lidará com a acusação que corre na ONU. Mas definitivamente seria pior tocar no vespeiro militar do nosso país.

6 de junho de 2010 às 12:53

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