sábado, 26 de junho de 2010

Figurinhas na Copa do Mundo - Colaboração do Leitor

Ontem o Brasil foi classificado como primeiro do grupo pelo empate de 0X0 com Portugal. Porém, a paixão pela Copa e pelo futebol se expressou mais cedo com o hobby que virou mania nacional - o álbum de figurinhas da Copa. A estudante de Sociologia do IFCH - Unicamp - Aline Hasegawa faz uma interessante análise do "fenômeno".

Ana Maria Dietrich, historiadora, é coordenadora do Contemporartes.



Dar – receber – retribuir: as redes de sociabilidade e as figurinhas da Copa




Fazer uma etnografia das trocas de figurinhas do álbum da Copa significa, antes de tudo, entender a lógica de um colecionador: nem sempre as figurinhas dos craques - como Thierry Henry, Ballack, Ronaldinho Gaúcho - são as que mais valem no "mercado de trocas". A questão é outra: pode ser que um jogador não muito conhecido, de uma seleção não tão popular fique altamente cotado nas transações se, por acaso, essa figurinha estiver em falta. O que conta, afinal, é completar o álbum. Não se trocam as brilhantes (brasões das seleções, o troféu, o mascote, etc.) por quaisquer jogadores - que não são figurinhas brilhantes. As figurinhas dos estádios tampouco são de mesmo valor que as dos jogares, apesar de não serem brilhantes. Amigos dão figurinhas de presente de aniversário, recebem figurinhas de jogadores que gostam, trocam figurinhas importantes. As trocas de figurinhas retomam questões de sociabilidade que podem passar batido.

Muitas vezes, os álbuns são presentes dados por familiares para entes queridos e acabam tornando-se o passatempo do fim-de-semana. É claro que dar o álbum e não dar junto nenhuma figurinha representa um presente de grego, um verdadeiro cavalo de Tróia, uma vez que a compra de figurinhas é um hábito como o próprio vício do cigarro: não é barato. Vira, às vezes, motivo de competição entre os sogros, genros e noras aquele que presenteia com mais figurinhas e/ou aquele que presenteia com o pacote com mais figurinhas aproveitáveis - ou seja, aquelas que poderão ser coladas no álbum ou que virarão valiosas figurinhas nas trocas.

Nem sempre o objetivo de completar o álbum é o mais imediato. Está implícito, nas regras das trocas, a reciprocidade: troca-se normalmente com aquelas pessoas com quem você já tem algum laço de solidariedade (amigos de infância, colegas de faculdade, companheiros de trabalho, vizinhos, parentes, cunhados, genros, etc.) No caso de duas pessoas quererem a mesma figurinha, a preferência é daquele com quem a pessoa tem mais afinidade, ou seja, quem está mais próximo no cotidiano. Enxergar nessa preferência uma racionalidade prática é limitar a capacidade criativa das relações sociais, as redes de solidariedade e afinidade são ativadas e desativadas nas situações mais inusitadas; e limitar-se a fazer uma leitura das formas de sociabilidade a partir de sua prórpia perspectiva: quem disse que trocar figurinhas com o Tio da cantina é mero espírito prático e racionalidade exacerbada?

Existem os casos de plena desigualdade nessa relação de troca, quando uma das parte possui muito mais figurinhas para trocar do que a outra parte. Isso normalmente acontece quando uma das parte comprou muitas figurinhas e já está quse completando o seu álbum e a outra ainda está apenas começando ou indo em um ritmo mais lento nas compras. Assim como a regra básica do capitalismo em que mais significa cada vez mais, nessa caso a regra é subvertida porque estão em jogo aqui as redes de solidariedade, portanto, não se lucra em cima de seu amigo: a parte menos favorecida em número de figurinhas normalmente escolhe as que lhe serão útil e as contabiliza. Ela acaba ficando com muitas figurinhas para colar em seu álbum enquanto a outra parte não trocou nada que lhe interessasse, apenas trocou figurinhas repetidas por figurinhas repetidas, mas fez seu amigo feliz.

Além de todas essas questões que a rede de troca de figurinhas levanta, o próprio lançamento dos álbuns ser feito antes de os técnicos e confederações convocarem suas seleções gera e ativa mais e mais redes de vizinhança. Numa rápida busca pela internet pode-se encontrar figurinhas de jogadores que não estavam nas previsões, mas que foram convocados - Grafite; figurinhas de jogadores que as pessoas esperavam que fossem convocados, não estavam nas previsões e não foram convocados - aqui os exemplos são conhecidos de todos os brasileiros: Paulo Henrique Ganso e Neymar. Acima da questão capitalista de vender essas figurinhas inéditas está o desejo de cada colecionador e torcedor da seleção brasileira de ver o jogador que mais lhe cativa, o seu ponta-de-lança, o grande guerreiro que veste o manto verde e amarelo contemplado na memória material - o álbum - que a grande copa de 2010, na África, está prometendo como acontecimento.

Aline Yuri Hasegawa cursa o último semestre em Ciências Sociais na UNICAMP, ministra aulas de inglês no cursinho popular Identidade Popular, tem interesse em Sociologia Rural e na agroindústria canavieira. Já realizou iniciação científica no tema, além de diversas atividades acadêmicas e de extensão universitária.

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