MARTÍN CHAMBI - O POETA DA LUZ
O Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba, inaugurou no final de abril, a exposição Martín Chambi – O Poeta da Luz. Com curadoria da argentina Leila Makarius, a mostra permanece em cartaz até o dia 26 de junho e reúne 88 fotografias em preto e branco, produzidas pelo fotógrafo entre 1920 e 1940.
Martín Chambi (1891-1973) nasceu numa pequena aldeia dos Andes, de uma família camponesa de Quéchuas. Depois de trabalhar durante alguns anos em uma mina de ouro, Chambi tem a oportunidade de se estabelecer na cidade de Arequipa, onde se torna assistente em um estúdio de fotografia.
Em 1920, dirige-se a Cuzco e monta seu próprio estúdio de fotografia.
Assim, durante mais de 20 anos, enquanto fazia seus trabalhos em estúdio, fez inúmeras viagens na região andina, produzindo milhares de fotografias, das quais algumas entraram para a história da fotografia. Foi, provavelmente, o primeiro a fotografar a região dos Andes peruanos com técnicas modernas, aspirando à artisticidade.
Durante esses anos, Chambi formou uma coleção única composta por cenas da vida quotidiana dos povos locais, várias imagens de Cuzco e das paisagens andinas, além de sítios arqueológicos. A coleção assim criada se constitui em uma fonte incomparável sobre a visão de um peruano sobre sua própria cultura: foi, talvez, o primeiro a fotografar seu povo pelos olhos de um “nativo”.
Como ele mesmo disse, em 1936, “...sinto-me um intérprete da minha raça; meu povo fala através das minhas fotografias”.
Chambi se especializou em retratos, usando a luz zenital natural em estilo dramático e adotando algumas convenções do Pictorialismo: sua fotos, sempre em preto e branco são “posadas”, indicam um olhar muito distante de alguém que quisesse revelar a vida “como ela era”.
Para além da naturalidade das coisas, das pessoas e da vida em si, estava um olhar que procurava registrar o que, talvez, pudesse existir na imaginação de um desejo subjetivo.
Embora Martín Chambi tenha sido um dos nomes fundadores da fotografia latino-americana, e tenha, realmente proposto um “estilo” muito pessoal, sem dúvida, ele respondia à uma demanda social e cultural da sua época e do seu país. Assim, é possível destacar algumas características da sua prática fotográfica:
1. Desejou, sobretudo, mostrar as pessoas, em ambientes e situações tão diversificados como, de fato, era a vida no seu tempo e espaço de uma nação periférica, especialmente como o Peru, com regiões tão marcadas pelas diferenças étnicas, geográficas, climáticas...
2. Seu trabalho, neste sentido, explora as nuances da luz, numa composição de claro/escuro, excepcionalmente adequada para acentuar as expressões faciais, corporais, e, também, relevos e reentrâncias tanto do espaço físico quanto aquele, podemos supor, da “alma coletiva peruana”.
3. Não era raro que Chambi pedisse, em seus retratos de grupo, às pessoas para posarem enquanto ele se movimentava no espaço, buscando fotografá-las sob diferentes ângulos. Chambi contextualiza sempre com uma composição ampla, incluindo a paisagem no segundo plano.
4. Dramaticidade, que, aliás, faz parte da cultura peruana como um todo: estamos diante de situações-limite (exclusão/inclusão), personagens-limite (ocidental e indígena), narradores-limite, ou seja, entre o mito e a utopia da diversidade.
5. Chambi se mostra um narrador, reiventando sua cultura através da sua câmera, a partir de vários ângulos, que se revelam quase como uma mitologia : são, como diz Lévi-Strauss, versões de um tema recorrente: a diversidade como tema e recurso identitário.
6. Assim como tantos escritores, poetas, pintores, dramaturgos e intelectuais em geral buscaram compreender o País, poderíamos dizer que Chambi deixa transparecer nas suas fotografias aqueles temas sobre os quais se debruçaram tantos ensaístas peruanos e, porque não dizer, latino-americanos, a saber: a questão democrática, o problema nacional e a questão indígena.
7. A questão democrática coloca em confronto a tradicional oligarquia hegemônica e as forças burguesas, que, ao não realizarem a revolução democrática, acabaram resvalando para um populismo que, no caso de Chambi, nos é mostrado através de um protagonismo explícito, composições figurativas de um “povo” que não se havia ainda constituído enquanto coletivo na sua época. O que os une nestas imagens é a paisagem, único elemento indiscutivelmente compartilhado, patrimônio nacional.
8. O problema nacional, especialmente durante as primeiras décadas do século passado, auge do ensaísmo político, reitera a discussão de como a elite indígena foi destruída ao longo dos séculos e, como, após a Independência, as elites dominantes perderam sua identidade como indígena. Neste sentido, o que a fotografia de Chambi nos mostra é seu desejo de construção de uma nacionalidade, apoiada na integração política, social e cultural.
9. A questão indígena perpassa todo este material fotográfico, de variadas maneiras: o povo, a paisagem, e os valores culturais.
Fontes:
MON- Museu Oscar Niemeyer (Curitiba-Pr)
Profa. Selma Baptista (Antropóloga)
Legendas:
Foto1- Retrato de Martí Chambi
Foto2- Camponeses e Padre
Foto3- Mulheres Indígenas
Foto4- Casamento
Izabel Liviski, é professora e fotógrafa, doutora em Sociologia pela UFPR. Escreve a Coluna INcontros desde 2009 e é também co-editora da Revista ContemporArtes.
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