segunda-feira, 28 de junho de 2010

O Poeta Matogrossense Antônio Sodré.



El Poeta de la Transmutación y de la Trancedencia.
por Altair de Oliveira

Recentemente em Cuiabá eu reencontrei o meu amigo poeta e compositor Antônio Sodré, antigo companheiro dos nichos de poesia independente nos campos da UFMT e na boemia cuiabana na década de 80, figura singularíssima, quase que folclórica na capital matogrossense, e um poeta de mancheia. Aproveitei então a oportunidade para entrevistá-lo para a nossa coluna.

Antônio Sodré é natural de Jucimeira-MT, filho de baianos radicados no Mato grosso pelos programas de ocupação do oeste. Mudou-se para Cuiabá no final da década de 70, época que iniciou a escrever poemas, e ingressou na universidade federal do Mato Grosso no curso de história no início dos anos 80, depois de letras e depois de música. Na verdade o poeta nunca mais saiu dos campos da UFMT, tendo se estabelecido lá com uma banca de livros, estudando e divulgando poesia por cerca de 30 anos. O poeta participou também de um grupo de arte litero-musical chamado "Caxemir-Bouquê", que durante muito tempo fez apresentações de música e poesia falada, tendo gravado 2 CDs.

As estórias que envolvem o poeta no campus da universidade confundem-se com as histórias de seus poemas e canções e são conhecidas e celebradas por várias gerações de estudantes que passaram por lá, assim como pelos grupos de artistas e arteiros que conviveram naquele ambiente estudantil. Antônio, que é irmão do pintor matogrossense Adir Sodré, gostava de denominar-se "el poeta de la transmutación y de la trancedencia!" Pequenos poemas e versos seus como "Eu não quero as réguas/ para traçar os meus caminhos./ Eu prefiro as éguas/ num galopar torto e veloz..." ou "Nunca pensei que você fosse tão fóssil!.../ ...ó! meu osso duro de roer!" são lembrados com saudade pelos ex-alunos daquela escola.

O poeta escreve pouco e parece não ter muita vontade em publicar seus escritos, mas não perde a oportunidade de declamar ou de participar de eventos culturais ou de incentivo à leitura. Juntamente com o poeta e professor Luiz Renato ele participa de um projeto de poesia nas escolas denominado de "Poesia Necessária", do qual foi o idealizador e, sempre que possível, promove exposição de poemas ou apresentação de poetas no saguão do curso de letras.


"O poema é quem escolhe o poeta!"


PC- Poderia nos falar um pouco sobre a tua infância e de como nasceu este teu apego à poesia?

AS1- Passei a infância em Jucimera-MT e tive lá os meus primeiros estudos, mas no segundo grau eu passei a estudar na cidade vizinha de Jaciara-MT, indo todas as noites no ônibus estudantil. Fui um menino tímido e arredio, me lembro que gostava de futebol e de ouvir rádio. Na adolescência comecei a trabalhar como ajudante de meu pai na mercearia da família, aí passei a estudar no colégio noturno. Apesar de eu não ler muito, devido à dificuldade de se obter livro nesta época, foi na adolescência que os primeiros poemas me tocaram, principalmente 2 poemas chamados, se não me engano, "Trem-de-Ferro", um de Manuel Bandeira e o outro de Catulo da Paixão Cearense. Mas eu não escrevia poesia nesta época, apenas divagações filosóficas. Minhas primeiras tentativas de escrita poética vieram na universidade, no curso de letras, quando comecei a conhecer o trabalho de grandes poetas.

PC- Quais os poetas que te fascinaram ou te influenciaram e que ainda hoje tens admiração?

AS- Primeiramente foram poetas modernos como Bandeira, Drummond e Gullar. Depois foram os poetas da década de 70, como Paulo Lemiski, através dele conheci o japonês Bashô, poeta que tenho grande admiração! Sou um grande fã também de Mário Quintana e Manoel de Barros.

PC- Ainda na década de 80 você participou de um grupo de arte independente denominado "Caxemir-Bouquê" que ficou bastante conhecido no Mato Grosso devido ao bom nível dos trabalhos apresentados e às performances incomuns das exibições lítero-musicais. Poderia nos falar um pouco sobre o "Caxemir" e sobre as atividades que eram praticadas lá?

AS- Bem,o Caxemir surgiu a partir da reunião de um grupo de amigos que participaram de um evento chamado "Mecânica da Palavra", que aconteceu na Casa de Cultura de Cuiabá em 1983. No evento foi criado um grupo poético denominado "Bandogira" para apresentar performances de poesia falada, como uma amostra da poesia que estava sendo produzida em Cuiabá naquele momento. Posteriormente alguns dos poetas participantes deste grupo (Antônio Sodré, Luiz Renato, Eduardo Ferreira, Antônio Carlos de Lima e outros) se reuniram para formar o grupo "Caxemir-Bouquê". As apresentações iniciais eram performances de poesia e apresentações musicais, de forma intercalada. Mas não dá para a gente falar em poesia separada da música aí...Era a apresentação do trabalho de vários artistas, reunidos num único show. É claro que cada performance tinha a sua própria identidade, às vezes acompanhada de seu próprio figurino ou cenário, como atos separados de um mesmo show. Aí eu pude apresentar minhas composições poéticas e também as musicais. Esta primeira fase do Caximir foi de 1984 a 1987, depois o grupo se dissolveu, voltando a reunir-se em 1999, agora com mais integrantes. Esta segunda fase, que durou de 1999 a 2005, foi mais musical que poética, tendo sido produzido 2 CDs “Caximir I” e “Caximir II”, já esgotados.

PC- Quer dizer que você escreve letras para música e poemas separadamente?

AS- Sim, quando escrevo um poema eu não penso em musicá-lo. Mas os meus textos para músicas já nascem como letra, sendo pretencialmente musicais.

PC- O teu primeiro livro "Besta Poética", hoje uma raridade, saiu em 1984. Fale-nos um pouco sobre este trabalho, de que se trata e de como foi o seu processo de edição?

AS- Na verdade a edição do meu livro "Besta Poética" foi uma iniciativa de meu irmão Adir Sodré que coletou 13 poemas dos escritos que eu tinha até então e fez a composição e ilustração dos poemas a bico de pena, um a um, para fazer uma brochura que foi editada pela imprensa oficial do estado de Mato Grosso. Estes poemas tratavam de temas diversos, não tive intenções de fazer um livro temático.
PC- Poderia nos falar sobre o teu processo de escrita poética: como se inicia, como se conclui e como você sabe que algo merece ou tem que se transformar num poema?


AS- Meu processo de escrita poética se inicia de maneira diversificada. Às vezes é fruto de um processo de meditação, outras vezes ele vem de uma imagem, duma paisagem ou de um signo que parecem querer uma resposta. Praticamente tudo é passível de se tornar poesia ou de ser composto como poema. O que ocorre é que as idéias para o poema podem momentaneamente estarem truncadas, mesmo porque há coisas ou sensações que as palavras não podem traduzir. Mas não gosto da idéia de pensar num poema inacabado para sempre, ou mesmo da idéia de abortar um poema, porque acho que é o poema quem escolhe o poeta que o escreva, e não o poeta quem escolhe o poema a ser escrito. Então um impasse num poema é frustrante! Para mim o fato de um poema não estar pronto reflete somente que o poeta ainda não está pronto para escrevê-lo.

PC- O seu segundo livro "Empório Literário" surgiu 21 anos depois do livro "Besta Poética". Por que demorou tanto em publicar? Fale-nos um pouco sobre este trabalho.

AS- Acho que houve vários motivos pelos quais eu protelei em publicar os poemas que tinha escrito, por exemplo: autocrítica, excesso de zêlo e principalmente à minha falta de interesse em publicar. Na verdade eu fui procurado por um pessoal que havia feito um projeto de publicação dos poemas que eu havia produzido, através da lei de incentivo à cultura. Então reuni novamente os meus escritos, selecionando-os para montar este livro "Empório Literário". O título é talvez alusivo ao tempo em que ficava trás do balcão da mercearia de meu pai. Mas, pensando bem, ainda continuo atrás do balcão. Só que agora eu fico atrás do balcão de minha banca de livros na UFMT.

PC- Então fale-nos um pouco sobre este teu trabalho de livreiro que, por mais de 2 décadas, vem negociando com livros no campus da UFMT.

AS- Sempre trabalhara como ajudante de meu pai na mercearia. Quando o negócio faliu, eu tive que sair de trás do balcão e assumir minha condição de estudante desempregado. Fiz alguns
trabalhos esporádicos. Na época eu tinha um amigo que possuia um sebo ambulante no campus da universidade e comecei ajudá-lo. Quando o meu amigo se formou ele desistiu do negócio e repassou-o para mim. Desde 92 eu instalei-me no saguão do instituto de linguagem (curso de letras) com uma banca fixa de compra e venda de livros usados. Ali, além de negociar com livros usados, nós promovemos uma exposição denominada "(EN)CANTO POÉTICO" onde o principal objetivo é divulgação de poetas brasileiros. Nomes como Drummond, Leminski, Quintana, etc. figuram como participantes desta iniciativa.

PC- Você acha que o estado tem a responsabilidade de incentivar os poetas, publicando e divulgando as suas produções?

AS- No caso brasileiro, onde a leitura é em geral deficitária, penso que o estado tem a responsabilidade de incentivar sim. A poesia poderia funcionar como um porta de acesso a esta leitura pretendida, principalmente para os jovens em idade escolar. É claro que esta poesia a ser subsidiada deveria ser filtrada, deve ser passada à críticas onde se estabeleçam uma qualidade mínima. Filtragem feita, por exemplo, por uma banca examinadora composta de leitores, de
críticos e de educadores. Isto não impediria porém, que poetas ou o próprio mercado editorial financiassem e divulgassem suas próprias publicações de poesia. Isto só ampliaria os suprimentos de poesia, que atualmente são tão precários, àqueles que se aventuram ao mundo da leitura.

PC- Você tem escrito poesia ultimamente, tem pensado numa nova publicação?

AC- Tenho escrito poemas sim, como sempre fiz. Mas não tenho pensado ainda em publicação. Tenho escrito poemas esparsos que, para facilitar a visualização, tenho chamado de "Lirismo à Flor da Pele". Tenho trabalhado também num poema um épico, sem estrofes, um poema longo e com rimas desencadeadas e sem conexão lógica entre elas.





Os Poemas




pé-de-verso

Uma folha branca:
Pede um verso meu!

Uma rosa branca:
Pede um verso meu!

Uma pauta em branco:
Pede um verso meu!

Uma árvore torta:
Pé de um verso meu!

Antônio Sodré - In: "A Besta Poética"



sonhostantostontossonhos

Os sonhos sonhei-os todos
num sonhar desesperado
até me perder sonhando
perdido no meu passado

recordações ilusórias
quimeras imagens tolas
gravadas no inconsiente
"pra" no presente repô-las!

suscitou-me pesadelos
assanhando meus cabelos
oh! era melhor não vê-los
soaram em vão meus apelos!

mas tem sonhos tão gostosos
dá vontade de comê-los
suaves vôos de aves
caravanas de camelos

flutuando...flutuando...flutuando
feito espuma colorida
e chego a pensar que a vida
é um sonho em movimento.

Antônio Sodré - In: "Empório Literário"


Um poema Inédito!


Nove Musas


Nove musas do Paraso
estavam todas sentadas

esperando a ocasião
para entrarem em ação

soprando versos e, então

a inspiração baixou

e eu, esperto que sou,
captei mais um poema
o tema vocês não sabem

e não saberão jamais

não sairá nas revistas

em TVs, rádios, jornais...

Pois é segredo sagrado

verso consagrado, santo
que em meio a doce canto

traz acalanto ao triste
e o ouvido não resiste

liras plangentes se ouvem

dedilhadas pelas musas

bailando, pisando em nuvens

tocando a canção do vento

a bordar entre colcheias,
semibreves, semifusas...


Antônio Sodré - In: Lirismo à Flor da Pele.


O Trem-poesia que Despertou o Poeta


O Trem de Ferro


Num trem,
em grande disparada,
pai
e filho corriam.
E ambos
o que viam?
As montanhas, os montes,
os horizontes,
o matagal cerrado os penedos
os rochedos,
os arvoredos...
Tudo a correr com a rapidez do vento
tresloucado.
E o trem, que era em verdade o que corria,

parecia estar parado.


A criança,
o petiz, cheio de espanto,
lhe perguntou:
"Papai,
por que é que tudo ao longe
está correndo tanto,

e o trem daqui não sai?!"


Os passageiros riam,
pois sabiam

que o petiz se enganava.

O trem, que parecia estar imóvel,

era de fato o que corria e voava.


Dos passageiros todos,
um,
somente nem de leve sorriu.
E então os passageiros riram dele
porque ele não riu.
E o poeta
(era um poeta...)
disse, então:
"É natural, senhores,
a ilusão
do petiz iludido.
Muitas vezes a nós
a mesma
coisa
já tem acontecido.
E vós, ó meus senhores,

- os cientistas, os sábios, os doutores -

caís no mesmo engano lisonjeiro,

pois, afinal,
todos nós nos enganamos,

quando, todos os dias, exclamamos:

— Como é que o tempo passa tão ligeiro!

...e nós é que passamos".



Catulo da Paixão Cearense, In: Fábulas e alegorias. Apud Ferreira, 1966.



Ilustrações: 1- O poeta Antônio Sodré; 2- Outra foto do poeta; 3- Capa do livro "Empório Literário".


Altair de Oliveira (poesia.comentada@gmail.com), poeta, escreve às segundas-feiras no ContemporARTES. Contará com a colaboração de Marilda Confortin (Sul), Rodolpho Saraiva (RJ / Leste) e Patrícia Amaral (SP/Centro Sul).

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