Talvez também tenhamos que gritar: EU SOU NEGUINHA!!!
♫ Bate a bunda no cimento
♫ Pra ganhar mil e quinhentos”
Mais uma vez imobilizada no trânsito sem concentração suficiente para continuar lendo, tentei voltar minha atenção as belas músicas que eram transmitidas pela rádio, quando de repente...
“as mulheres negras são mais vítimas da violência”
Tamanha tragédia era divulgada pelo informativo da emissora Nova Brasil FM daquela manhã cinzenta desta São Paulo engarrafada. Rio de Janeiro é o palco das cenas e conforme completou a diretora da ONG Criola, isso também ocorre pelo racismo evidente e pela posição de vulnerabilidade em que ela [mulher negra] se coloca. Repito aos berros: posição de vulnerabilidade em que ela se coloca.
E que fique bem claro que o “racismo é evidente”.
Desesperada no ônibus lotado olhando em volta com olhar inconsolável procurando alguém que pudesse discutir comigo aquela questão, me vi novamente sozinha na Mercedes abarrotada a pensar calada.
E que fique bem claro que o “racismo é evidente”.
Desesperada no ônibus lotado olhando em volta com olhar inconsolável procurando alguém que pudesse discutir comigo aquela questão, me vi novamente sozinha na Mercedes abarrotada a pensar calada.
Posição de vulnerabilidade. Porque ELA se coloca?
Bom, abre- se enfim, neste nosso Bar algumas possibilidades que flutuam aos gritos em minha cabeça...
Voltemos à infância desta mulher negra, por que a menina negra é pretinha, mulatinha, escurinha, neguinha, moreninha, criolinha. Eis ai o diminutivo elevando a saldos negativos a baixíssima- estima da criança negra, basta lembrar da personagem Negrinha de Monteiro Lobato.
Devido ao seu cabelo vemos outro ponto de vulnerabilidade sustentado pela baixa- estima. Tido como ruim, duro, feio, bombril, difícil, cotonete, este cabelo que no entanto sobrevive as químicas ferrenhas dos alisantes, a firmeza das tranças que puxam desde a raiz, ao calor dos ferros, pranchas, chapinhas, bob liss, sem contar a vergonha de ter que escondê-lo embaixo de uma peruca, ou passar horas no entrelaçamento, aplique, é desde sempre motivo de insegurança para a mulher negra, para a menina negra então, um trauma que nem se fale...
Em seu caminho de menina para mulher, a vulgaridade muito bem aprendida através da mídia que des-cobre feito novidade com penas artificiais todo ano no carnaval a beleza tropical, “exótica”* da mulher negra, mulata e mestiça. Des-cobre seu quadril largo, seus seios fartos, seus lábios carnudos e a vende como saboroso produto para representar a mulher brasileira para todos os gringos, ou brasileiros que têm coragem de assumi-la.
Aliás, nós negras representamos a beleza da mulher brasileira no carnaval, mas no resto do ano somos a preta, beiçuda, cadeiruda, digna da feiúra da mulata do “Cortiço”*. Mulata está, doméstica, é claro, aliás, talvez a vulnerabilidade também se deva ao fato de que a bela menina neguinha do cabelo duro, precisa no máximo fazer o ensino fundamental, por que como toda boa negra, Maria ou Anastásia*, tem mãos maravilhosas para bolos empadas, assados, roupas, chão, vassouras, rodo, quase como uma casta, devíamos agradecer por termos vocação para o trabalho doméstico, para sermos ama de leite, provavelmente uma herança africana que devemos nos orgulhar. Nos orgulhar pela adaptação a escravidão e não nos orgulhar de uma talvez habilidade artística.
Por falar nisto, como somos artistas. Esse pode ser outro sinal de vulnerabilidade. Como felizmente não conhecemos a Folia de Reis, o Congado, o Cavalo Marinho, Maracatu, Maculele, Tambor de Criola, Capoeira, Samba de Roda, Umbigada, Zouk, Reggae, Blues, Spiritual, Jazz, Cu Duro, provavelmente temos que nos contentar com o duplo sentido sujo do axé e nos resumirmos limitando- nos a belas bundas em frenesi rebolar.
Assim, além de não conhecermos nossa ancestralidade cultural artística riquíssima que certamente construiriam dentro de nós negras e negros a importância da identidade cultural e étnica, possibilitando o inicio da criação de uma auto- estima de um grupo étnico que só assim se entenderia composto por atores socialmente ativos, nós também desconhecemos nossos mitos de criação, nossos ritos, cultos e religiões e nos punimos e nos auto- identificamos como terríveis bruxas macumbeiras, e não entendemos a ritualidade dançante e rítmica que pede boas ações para ascensão dos espíritos no Candomblé, na Umbanda...
Portanto, a meu ver fica Claro que a mulher negra de mãos calejadas, de quadril indecente, de muitos filhos sem pai, de ignorância conveniente, de estima dilacerada, que desconhece suas origens, que não se vê na mídia, nas novelas, nos palcos, que muitas vezes só pode cantar samba*, que carrega o pecado em sua cor, que ainda se conforma em ser escrava, que baixa cabeça diante de vossos olhos azuis, quase que deixa ser violentada por subentender que a culpa é dela, ou nossa. Esta história de vulnerabilidade que ela se coloca começa parecer menos absurda após elencar tantos jeitos de dilacerar silenciosamente um grupo étnico como exemplifiquei acima, por que a grotesca afirmação se explica por que há um desrespeito histórico que não justifica este sofrimento, este bullying coletivo que a população negra ainda sofre diariamente sem anunciar seu fim. Afirmo irritada por que sou mulher, sou negra e talvez mesmo cheia de auto- estima também me coloque em posição de vulnerabilidade porque nasci num país em que ser como sou é ser feio.
Ahh! E aquela terrível estrofe do topo da coluna é uma musiquinha que os coleguinhas de escola cantavam para a minha bela madrinha nos anos 60 e até hoje a mesma guarda tristes lembranças de quando o racismo era aplaudido e não apenas disfarçado.
Será que ela se coloca em posição de vulnerabilidade por que ouviu está música na infância?
*Eu sou Neguinha, alusão a música de Vanessa da Mata. Mesmo não concordando e não admitindo o termo neguinha, vejo que necessário gritar “algo” em alto e bom tom...
* ver o peso na palavra exótico quando referente ao negro(a) no livro “A Cleópatra do Jazz” de Phyllis Rose
*referência a forma com que a negra mulher do dono cortiço era tratada, no livro “O Cortiço” de Aluísio de Azevedo
*referência a Tia Anastácia do “Sítio do Pica Pau Amarelo” de Monteiro Lobato
*referência ao livro “Solistas Dissonantes” de Ricardo Santhiago
* www.criola.org.br
Dica do Mês:
Teen Broadway _ Curso de Teatro Musical nas férias, sob direção de Maiza Tempesta_ informações: teenbroadway@ajato.com.br _ WWW.cisnenegro.com.br/estudio
Aline Serzedello Vilaça cursa Licenciatura e Bacharelado em Dança pela Universidade Federal de Viçosa (MG) e é estagiária do Ballet Stagium - Cia de Dança de São Paulo.
Voltemos à infância desta mulher negra, por que a menina negra é pretinha, mulatinha, escurinha, neguinha, moreninha, criolinha. Eis ai o diminutivo elevando a saldos negativos a baixíssima- estima da criança negra, basta lembrar da personagem Negrinha de Monteiro Lobato.
Devido ao seu cabelo vemos outro ponto de vulnerabilidade sustentado pela baixa- estima. Tido como ruim, duro, feio, bombril, difícil, cotonete, este cabelo que no entanto sobrevive as químicas ferrenhas dos alisantes, a firmeza das tranças que puxam desde a raiz, ao calor dos ferros, pranchas, chapinhas, bob liss, sem contar a vergonha de ter que escondê-lo embaixo de uma peruca, ou passar horas no entrelaçamento, aplique, é desde sempre motivo de insegurança para a mulher negra, para a menina negra então, um trauma que nem se fale...
Em seu caminho de menina para mulher, a vulgaridade muito bem aprendida através da mídia que des-cobre feito novidade com penas artificiais todo ano no carnaval a beleza tropical, “exótica”* da mulher negra, mulata e mestiça. Des-cobre seu quadril largo, seus seios fartos, seus lábios carnudos e a vende como saboroso produto para representar a mulher brasileira para todos os gringos, ou brasileiros que têm coragem de assumi-la.
Aliás, nós negras representamos a beleza da mulher brasileira no carnaval, mas no resto do ano somos a preta, beiçuda, cadeiruda, digna da feiúra da mulata do “Cortiço”*. Mulata está, doméstica, é claro, aliás, talvez a vulnerabilidade também se deva ao fato de que a bela menina neguinha do cabelo duro, precisa no máximo fazer o ensino fundamental, por que como toda boa negra, Maria ou Anastásia*, tem mãos maravilhosas para bolos empadas, assados, roupas, chão, vassouras, rodo, quase como uma casta, devíamos agradecer por termos vocação para o trabalho doméstico, para sermos ama de leite, provavelmente uma herança africana que devemos nos orgulhar. Nos orgulhar pela adaptação a escravidão e não nos orgulhar de uma talvez habilidade artística.
Por falar nisto, como somos artistas. Esse pode ser outro sinal de vulnerabilidade. Como felizmente não conhecemos a Folia de Reis, o Congado, o Cavalo Marinho, Maracatu, Maculele, Tambor de Criola, Capoeira, Samba de Roda, Umbigada, Zouk, Reggae, Blues, Spiritual, Jazz, Cu Duro, provavelmente temos que nos contentar com o duplo sentido sujo do axé e nos resumirmos limitando- nos a belas bundas em frenesi rebolar.
Assim, além de não conhecermos nossa ancestralidade cultural artística riquíssima que certamente construiriam dentro de nós negras e negros a importância da identidade cultural e étnica, possibilitando o inicio da criação de uma auto- estima de um grupo étnico que só assim se entenderia composto por atores socialmente ativos, nós também desconhecemos nossos mitos de criação, nossos ritos, cultos e religiões e nos punimos e nos auto- identificamos como terríveis bruxas macumbeiras, e não entendemos a ritualidade dançante e rítmica que pede boas ações para ascensão dos espíritos no Candomblé, na Umbanda...
Portanto, a meu ver fica Claro que a mulher negra de mãos calejadas, de quadril indecente, de muitos filhos sem pai, de ignorância conveniente, de estima dilacerada, que desconhece suas origens, que não se vê na mídia, nas novelas, nos palcos, que muitas vezes só pode cantar samba*, que carrega o pecado em sua cor, que ainda se conforma em ser escrava, que baixa cabeça diante de vossos olhos azuis, quase que deixa ser violentada por subentender que a culpa é dela, ou nossa. Esta história de vulnerabilidade que ela se coloca começa parecer menos absurda após elencar tantos jeitos de dilacerar silenciosamente um grupo étnico como exemplifiquei acima, por que a grotesca afirmação se explica por que há um desrespeito histórico que não justifica este sofrimento, este bullying coletivo que a população negra ainda sofre diariamente sem anunciar seu fim. Afirmo irritada por que sou mulher, sou negra e talvez mesmo cheia de auto- estima também me coloque em posição de vulnerabilidade porque nasci num país em que ser como sou é ser feio.
Ahh! E aquela terrível estrofe do topo da coluna é uma musiquinha que os coleguinhas de escola cantavam para a minha bela madrinha nos anos 60 e até hoje a mesma guarda tristes lembranças de quando o racismo era aplaudido e não apenas disfarçado.
Será que ela se coloca em posição de vulnerabilidade por que ouviu está música na infância?
Claro.
*Eu sou Neguinha, alusão a música de Vanessa da Mata. Mesmo não concordando e não admitindo o termo neguinha, vejo que necessário gritar “algo” em alto e bom tom...
* ver o peso na palavra exótico quando referente ao negro(a) no livro “A Cleópatra do Jazz” de Phyllis Rose
*referência a forma com que a negra mulher do dono cortiço era tratada, no livro “O Cortiço” de Aluísio de Azevedo
*referência a Tia Anastácia do “Sítio do Pica Pau Amarelo” de Monteiro Lobato
*referência ao livro “Solistas Dissonantes” de Ricardo Santhiago
* www.criola.org.br
Dica do Mês:
Teen Broadway _ Curso de Teatro Musical nas férias, sob direção de Maiza Tempesta_ informações: teenbroadway@ajato.com.br _ WWW.cisnenegro.com.br/estudio
Aline Serzedello Vilaça cursa Licenciatura e Bacharelado em Dança pela Universidade Federal de Viçosa (MG) e é estagiária do Ballet Stagium - Cia de Dança de São Paulo.
2 comentários:
Que texto poderoooso!
11 de fevereiro de 2014 às 16:14incrível!
12 de novembro de 2024 às 14:39Postar um comentário
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