“A vingança é um prato que se come frio”….. Quentin Tarantino e suas personagens furiosas...
Mulheres fortes vivem violência, ação e vingança em Kill Bill e em À Prova de Morte.
Quentin Tarantino possui uma Árvore Genealógica tão diversa que poderia até superar Chico Buarque de Holanda no quesito diversidade cultural dos ancestrais, confiram na letra música de Chico: “... o meu pai era paulista, minha mãe pernambucana o meu bisavô mineiro, meu tataravô baiano”. O pai de Tarantino é de ascendência italiana, sua mãe descendente de irlandeses e índios cherokess e ele, o próprio Quentin, nascido no Tennessee. Ao que tudo indica esta mistura tem muito a ver com seu estilo de escrever, atuar e dirigir seus filmes, os quais possuem referências óbvias de filmes antigos e/ou clássicos japoneses, chineses, western spaghetti, nouvelle vague francesa, das personagens dos quadrinhos e da cultura pop. Por essa razão já foi taxado por alguns como plagiador, porém esse mix referencial está longe de ser somente uma cópia, ele consegue se destacar pela criação de um estilo único e criativo oriundo de seu interesse por vários gêneros artísticos e por ser um cinéfilo declarado. Seu estilo reúne formulas já utilizadas por outros cineastas; a não-linearidade, foco na violência, roteiros em capítulos, diálogos afiados e verborrágicos e grafismos dos HQs, no entanto o seu diferencial surge da capacidade em juntar esses elementos de forma coesa e surpreendente.
Tenho pelo menos três bons motivos para falar de Tarantino na coluna AS HORAS desta semana; o primeiro, incentivar vocês leitores da Contemporartes à assistirem o filme À Prova de Morte, 2007, o sexto longa do diretor protagonizado por Kurt Russell, estreou no Brasil na segunda quinzena de julho com atraso de três anos em relação aos Estados Unidos. Na estréia do filme nos USA, ele foi exibido juntamente com Planeta Terror e com o trailler fake de Machete, ambos de Robert Rodriguez, os dois filmes mais o trailler totalizavam 191 minutos.
A idéia era fazer como nas salas antigas de cinema americandos, as Grindhouses onde eram exibidos filmes B americanos, um após o outro na mesma sessão e geralmente do mesmo gênero, ou seja, casados. Os filmes de Tarantino e Robert Rodriguez formam pensados para serem exibidos na dobradinha, por este motivo essa seqüência foi denominada Grindhouse. Parece que nem mesmo os americanos que inventaram essas salas possuem paciência para ficarem tanto tempo sentados à frente de uma tela, os tempos mudaram... e a idéia de Tarantino e Roberto Rodriguez não obteve êxito, os filmes foram separados para melhorar a audiência e para serem exibidos em outros países.
O segundo motivo é incentivar os assíduos leitores da Revista Contemporartes a assitirem ou reverem Kill Bill, intrigante filme composto de dez capítulos colocados de forma não cronológica que conta história de Beatrix Kiddo e de sua vingança.
E o terceiro, observar como Tarantino constrói algumas de suas personagens femininas: fortes, determinadas, inteligentes, sagazes e extremamente cruéis, fazendo-nos lembrar de Almodóvar em Volver, 2006, claro que Almodóvar é bem mais sutil que Tarantino. Vamos entender como foi construido Kill Bill.
Kill Bill, foi concebido em um único filme porém exibido em duas partes, (Kill Bill: Volume 1, no outono de 2003 e Kill Bill: Volume 2, na primavera de 2004), devido à sua duração de aproximadamente quatro horas. Filmado no Estados Unidos, México, China e Japão, o filme conta a história de Beatrix Kiddo, ótima atuação de Uma Thurman que também fez parte da construção do roteiro, contra o Esquadrão Assassino de Víboras Mortais. As influências de Tarantino, já citadas anteriormente, aqui atingem toda sua plenitude ao fazer referências e/ou homenagear filmes antigos de Kung fu, filmes japoneses de samurai, western spaghetti, trash, anime, cultura pop e ainda o do estilo blaxploitation (esse termo é a fusão de duas palavras; black e exploitation, criado na cinematografia norte-americana da década de 1970 para denominar filmes que usavam black e soul como trilha sonora). As referências dos filmes de Kung fu vem do wuxia, (wu/artes marciais e xia/cavaleiro errante), histórias clássicas em que o herói supera suas habilidades por meio de concentração, repressão de seus sentimentos e muito estudo para transcenderem tudo e alcançarem a honra, a lealdade e a justiça. Já nas primeiras cenas do filme, a violência é escancarada e deliberada, iniciando com um provérbio Klingon (raça alienígena fictícia criada para a série Star Trek), que diz: Revenge is a dish best served cold, mais ou menos como "A vingança é um prato que se come frio". Depois ouvimos uma respiração profunda e aparece Beatrix Kiddo ensagentada caida no chão, pode-se ouvir os passos de Bill se aproximando. Bill diz a ela que com seu ato provará que não é sádico e sim masoquista, enquanto ela fala que espera um filho dele, ele dá um tiro certeiro na cabeça de Beatrix.
O que chama mais a atenção no filme Kill Bill, é a frieza e determinação com que a personagens principal, Beatrix Kiddo, demonstra ao matar todos que compõem uma lista feita por ela mesma, seria uma espécie de acerto de contas com as pessoas que a fizeram sofrer. O primeiro volume do filme é composto de 5 capítulos, alguns mostram cenas de Beatrix, outros são como um Story line ou argumento das personagens que estão na lista de morte.
Kill Bill, é composto de dez capítulos, cinco por volume, eles não estão em ordem cronológica, portanto aqui vai uma dica para relacionar a ordem do filme com a cronológica:
Já em À Prova de Morte, Tarantino faz referências aos filme B, trashs americanos e subverte o próprio gênero mesclando-o a novos conceitos. O filme é tosco de propósito e o título “ A prova de Morte”, vem dos nomes dados aos carros dos dubles que são feitos a prova de morte para o piloto, garantia que não se estende ao passageiro, óbvio. Mike (Kurt Russell), é um psicótico dublê veterano que usa seu carro, um juggernaut branco, para seduzir e posteriormente praticar violência gratuita contra as mulheres, as cenas são de extremo terror, um verdadeiro massacre como se vê em Kill Bill. Noutras cenas, quatorze anos depois, ele ataca novamente só que agora em um Dodge Charger 1969 e com outras vítimas também mulheres. É interessante que muitas pessoas que assistem esse filme estão a espera de uma história complexa, com diálogos difíceis, como Tarantino fez em Cães de Aluguel, isso não acontece em À Prova de Morte, mas o filme expõe novamente a questão da violência sofrida contra as mulheres e continua falando de superação e vingança. Vale muito a pena, para quem gosta de Tarantino, ver esse filme, como diz Peter Greenaway, o cinema é uma arte, precisa ser livre da monotonia do realismo, os cineastas precisam acreditar na linguagem cinematográfica; luzes, cores, câmeras, edição, sons, músicas, essa liberdade faz com que o diretor, o roteirista e toda a equipe de filmagem possam avançar e criarem histórias fictícias saindo do lugar comum, como fez Tarantino com suas musas maléficas e cruéis, enfim, já se esqueceram de Alfred Hitchcock e suas histórias escabrosas?
Assistam Kill Bill e À Prova de Morte e confiram as mulheres de Tarantino.
Bons filmes! :D
Kátia Peixoto é doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Mestre em Cinema pela ECA - USP onde realizou pesquisas em cinema italiano principalmente em Federico Fellini nas manifestações teatrais, clowns e mambembe de alguns de seus filmes. Fotógrafa por 6 anos do Jornal Argumento. Formada em piano e dança pelo Conservatório musical Villa Lobos. Atualmente leciona no Curso Superior de de Música da FAC-FITO e na UNIP nos Cursos de Comunicação e é integrante do grupo Adriana Rodrigues de Dança Flamenca sob a direção de Antônio Benega.
3 comentários:
Este fim de semana vou assistir o filme, muito boa a coluna, adorei Kill Bil se for desse nível, então será muito bom.
23 de julho de 2010 às 10:36Muito boa a analise sobre Kill Bill, ainda quero assitir o seu ultimo, gosto muito de Caes de Aluguel seu primeiro, e principalmente Pulp Fiction, que tem uma narrativa bem incomum, que o torna diferente e fora de serie.
23 de julho de 2010 às 12:53Eu adoro agressividade, sangue, vingança, tortura... Gosto de sentir o sangue do filme jorrando na minha cara.
24 de julho de 2010 às 00:43Eu gosto, eu gosto, eu gosto de saber que posso por alguns momentos sentir a vingança se dissolver na minha boca como uma bala gostosa doce e dura. Gosto de saborear a vingança aos poucos, sem morder, sentindo cada gostinho até ela toda se dissolver. Gosto de lembrar que sou mulher e que posso ser fonte de agressividade, vingança sem perder minha feminilidade. Posso ser tão perigosa como qualquer homem diz ser, porque eu sou humana.
Pode parecer doido meu comentário, mas é isso que sinto em Kill Bill. Sinto uma libertação. Não vou sair por ai matando pessoas, não é isso. Mas gosto de ser tratada como perigosa, às vezes. Muitas vezes o respeito diminui por você ser mulher, por ser o sexo frágil.
"Mas que sexo frágil p** nenhuma. Eu não to aqui pra ficar por baixo, eu fico por cima! Mas sou gentil -assim como Beatrix Kiddo pode ser com sua filha."
Kill Bill expõe essa força da mulher, um filme para machista odiar (como alguns cabeçudos de TI que trabalham comigo - desculpa, tive que por essa frase), mas que traz a força, a força feminina. (sem besteiras de feminismos, mas com força para ser mulher - uma mulher muito mulher).
Postar um comentário
Seja educado. Comentários de teor ofensivo serão deletados.