terça-feira, 17 de agosto de 2010

ARTE e/na Rua, Inclusive



Aline Serzedello Vilaça
Era fim de tarde cinzenta, de uma sexta- feira levemente fria. Saia da saída, do lado ímpar da Paulista, da estação Brigadeiro, sentido Brigadeiro Luís Antonio, estava indo para aula de espanhol, do Projeto Espanhol para São Paulo com professores licenciados pela USP, projeto este, que é uma das várias coisas que realmente funcionam com qualidade, a preço popular, na capital paulista.
Com o frenético vai e vem das milhares de pessoas que corriam na hora do Rush, parecia mais um dia comum na cidade que não dormi, quando...
Ao sair do subsolo do metrô vejo ao fim da escada rolante, um belo jovem, com libertário cabelos Black Power para cima, um elegante blazer, e o case de seu violino, com bons trocados, trazendo em suas cordas um pouco do calor do xote para o cinza gélido da capital, alguns atenciosos assistiam, outros milhares apenas passavam.
Olhei, parei um pouco e continuei andando. Alguns metros dali, parei e pensei, “como eu iria deixar passar essa entrevista? E mais, semanas atrás morri de remorso de não estar com minha câmera fotográfica quando surpreendentemente encontrei e conversei muito sobre Cats e ser mulher e negra neste país, com a maravilhosa cantora Paula Lima na Livraria Cultura, ou quando perdi de entrevistar Tito Matino e sua Jazz Band, também na Livraria Cultura, ou quando mais uma vez não estava com a câmara e perdi cenas (fotografias) de verdadeiro horror poético nas ruas sujas da cidade da garoa.
Assim, voltei para ouvir o jovem músico, e logo que ele parou para respirar pedi a honra de entrevistá-lo, pois teria mais uma chance de continuar refletindo sobre o fazer artístico diante do contexto que cerca, envolve, abraça ou engole o artista.
“Sou Antonio de Souza, Músico de Rua, e estudante de violino, morador de Niterói, Rio de Janeiro. Estou por aqui, (São Paulo) pois foi onde iniciei este trabalho de rua. Eu sou um ser humano que procura trabalhar com a sensibilidade, por que vejo que é esse o caminho, não gosto desta palavra, mas acho que é a salvação da humanidade.”

· REVISTA CONTEMPORARTES _ Você começou aprender a tocar violino com quantos anos?

Com 17 anos, comecei por intermédio de uma entidade religiosa, e depois continuei em busca, pesquisando, no interior do Pará, Marabá, cidade a qual nasci, (deliciosa, grifo meu) dois rios, praia de água doce, sai de lá, meus pais já moravam aqui, vim tentar a sorte, como nunca consegui entrar em uma escola, a partir da rua as coisas mudaram. Um dia, da necessidade, faltou grana pra pagar a condução, como eu sempre andava com o violino nas costas, resolvi tocar, e as coisas começaram a virar, conheci uma galera que tocava na rua, fizemos um projeto juntos, que não deu certo, mas abriu portas. E a partir da rua que realmente tive um incentivo, consegui um bom professor, fiz aula com dos Santos que é um violinista da OSESP. Depois fui peregrinar para o Rio e lá foi bem legal pra mim, tem dado mais certo, mais oportunidades de estudar.

· E você compõe?

Componho, não me acho exatamente um compositor, mas somos um canal, então tem hora que vem alguma coisa, mas para a área que eu realmente procuro estudar é a interpretação, sonho em ser um bom intérprete. Mas componho, escrevo algumas poesias, textos em prosa, verso, e já fiz algumas coisas em teatro, então acabo criando algumas coisas.

· Pará, São Paulo e Rio de Janeiro, há uma diferença completa de meio, de pessoas, de cultura, culinário, hábitos, isso influência no seu trabalho?

Bastante, por que assim, da forma com que trabalho, eu acho que não consigo viver sem o clima próprio, preciso de um local com fluxo grande de pessoas, automaticamente a grande variedade de conhecimento encontrado em cada pessoa, pessoas com gosto mais apurado, mais refinado, e pessoas que realmente queiram saber entender o que você faz, talvez necessário seja na metrópole. A influência de cada lugar é o seguinte, brasileiro de forma geral é muito parecido, solidário, só que em alguns locais há um hábito maior, não conheço o nordeste, mas dizem que o pessoal é mais aberto, eu comecei aqui em São Paulo, que são vistos como mais fechados, mas fui criado em São Paulo então talvez eu já tinha a manha para me virar aqui, e tenho pessoas que me incentivam até hoje. No Rio o Carioca é mais aberto e curioso para vir e conhecer o trabalho do artista, para incentivar, conheço Curitiba também trabalhando com arte de rua, e destes três lugares, acredito que o Rio tem mais abertura.

· Você toca erudito também?

Estudo um pouco de erudito, música barroca. Toco na Orquestra de Cordas da Grota, em Niterói, que é de um projeto social, e a Orquestra é regida por um violista, Pessanha da Orquestra Sinfônica Brasileira.

· Coragem! Realmente costumo dizer que mesmo sem opção, pois não somos nós que escolhemos, ser artistas ou trabalhar em prol da arte, mas mesmo assim é fundamental tê-la, sem coragem não se entrega corpo e alma a arte. Qual é o papel da coragem em sua vida?

Ela concretiza, com a coragem você olha nos olhos do seu medo, e vai em frente, para superar esse homem que você é, e tornar-se algo além, por que o artista vive em outra dimensão, se transformando em um ser humano melhor, interagindo melhor com a sociedade.

· E Racismo? Você passou por alguma situação?

Ele existe, mas a arte tem esse papel de transformar, e quando você faz arte você toca nas pessoas, e sempre haverá críticas, sempre haverá preconceitos, mas quando você faz alguma coisa que está além do discurso, além das palavras, vai diretamente do sentimento verdadeiro da sua alma, para o sentimento verdadeiro de outras almas, esses preconceitos todos são quebrados. Que eu me recorde, assim diretamente não, talvez, desdenhas na rua, às vezes de outros músicos, por eu estar tocando na rua, mas diretamente não, não me recordo agora, prefiro guardar os gestos de carinho das pessoas que passam pela rua, do sorriso das crianças, do agradecimento dos mais velhos quando me vêem tocando. Outro dia vi o Saramago no Roda Viva, e ele foi questionado, “O que você fala para a crítica” Saramago responde, “eu fico em silêncio, só vou me estarrecer e eles vão continuar criticando, então permaneço em silêncio” e neste assunto também dou meu silêncio. Por que nesta área estamos sozinhos.

Antonio agradeceu a entrevista e afirmou que
“Fico contente de poder contribuir de alguma forma para a valorização cultural dos artistas deste país”.
E eu terminei aquela sexta-feira após a aula de espanhol, a apreciação de um espetáculo de dança no SESC Vila Mariana e está pequena entrevista, encantada com as milhares de possibilidades que uma cidade daquele tamanho oferece, mas ainda tomada pelo desconforto, desespero, raiva que quase me engole ao lembrar que a grande maioria das maravilhosas obras, pessoas, criações, locais (museus, teatros, cinemas, cafés, livrarias, sebos, e etc) ficam limitados e acessíveis a grande minoria que economicamente pode se inserir nos belos acontecimentos (bons espetáculos, bailarinos, bons músicos, bons escritores, cineastas, mostras, festivais, etc) da metrópole.
Este foi mais um dos ocorridos nesta vivência paulistana do meu primeiro semestre de 2010, espero compartilhar mais algumas histórias com vocês, agradeço, pois não foi fácil trabalhar com tamanha sensibilidade artística (da Cia que eu estagiava), diante de tanta fumaça, congestionamento, e tanta arte, pois São Paulo também nos oferece arte, e também nos oferece outros e os mesmos vocabulários, instrumentos, ferramentas para buscar um caminho próprio e entregue suficiente para ser considerado caminho artístico!
Daqui alguns dias contarei meu encontro com Amelita Baltar!!!

Obrigada,
Atenciosamente
Serze Vilaça

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